Embora enraizada em técnicas tradicionais, a agricultura tem incorporado, ao longo do tempo, inovações tecnológicas que impulsionam sua eficiência. A Inteligência Artificial (IA), que já transforma áreas como saúde, finanças e mobilidade, também vem impactando o agronegócio – setor estratégico para a economia brasileira.
As práticas agrícolas envolvem uma série de fatores: tipo e qualidade do solo, padrões climáticos, incidência de pragas, épocas de plantio, irrigação e colheita, além de fatores logísticos e de mercado. Nesse cenário complexo, os sistemas de IA têm se mostrado um poderoso aliado. Com eles, é possível coletar, cruzar e interpretar grandes volumes de dados de forma rápida e eficiente – o que ajuda produtores a tomar decisões mais assertivas e sustentáveis.
Entre as muitas frentes em que a Inteligência Artificial já começa a fazer diferença no campo, algumas aplicações vêm se destacando por seu impacto direto na produtividade e na sustentabilidade. Uma delas é o diagnóstico precoce de pragas e doenças, feito a partir de algoritmos de visão computacional e aprendizado de máquina. Essas ferramentas reconhecem padrões sutis, muitas vezes invisíveis ao olho humano, o que permite ações preventivas antes que os danos se espalhem, reduzindo perdas e diminuindo a necessidade do uso de defensivos.
Outro exemplo importante é a previsão climática inteligente. Modelos preditivos, alimentados com dados meteorológicos históricos e informações em tempo real, oferecem aos produtores uma leitura mais precisa sobre eventos extremos, como secas, geadas ou chuvas intensas. Essa antecipação permite decisões mais bem informadas – desde a escolha de cultivares mais resistentes até a antecipação da colheita ou o redirecionamento de recursos.
A gestão do solo também passou a contar com o apoio da IA. Sistemas avançados conseguem mapear a variabilidade do solo em diferentes áreas da propriedade, orientando a aplicação localizada de fertilizantes e corretivos. Essa precisão evita desperdícios, melhora a eficiência do uso de insumos e favorece a saúde do solo a longo prazo.
Já os sistemas de irrigação estão se tornando mais inteligentes e sustentáveis. Sensores de umidade, imagens de satélite e dados climáticos são integrados em plataformas automatizadas que regulam o uso da água de forma precisa, contribuindo para a conservação dos recursos hídricos, tema cada vez mais sensível. No campo da mecanização, a presença da IA também é crescente. Tratores e pulverizadores equipados com sistemas autônomos são capazes de operar com mínima interferência humana, ajustando em tempo real a quantidade ideal de sementes, fertilizantes e defensivos, conforme as condições do solo e do ambiente. Isso representa um salto importante em produtividade e redução de perdas operacionais.
A estimativa da produtividade também passou a ser mais assertiva. Ferramentas baseadas em Inteligência Artificial utilizam imagens aéreas, dados genéticos das plantas e condições ambientais para prever o rendimento das lavouras com antecedência, auxiliando no planejamento estratégico das operações.
Por fim, a própria gestão da colheita tem se beneficiado dessas inovações. Sistemas que analisam a maturação dos frutos, os níveis de umidade do solo e a previsão do tempo ajudam a determinar o momento ideal para colher, garantindo melhor aproveitamento da produção e evitando perdas por intempéries.
Além de contribuir significativamente para o aumento da produtividade, a IA se destaca como uma aliada estratégica na promoção de práticas agrícolas mais sustentáveis – tema de grande relevância para o Brasil. O País abriga cerca de 20% da biodiversidade global e responde por mais de 8% das exportações agrícolas mundiais. Equilibrar produção e conservação ambiental é, portanto, um desafio urgente. Entre as práticas sustentáveis viabilizadas pela IA, destacam-se a redução no uso de defensivos e fertilizantes, por meio da aplicação localizada; a economia de água com sistemas de irrigação inteligentes; o mapeamento e a preservação de áreas de vegetação nativa; o monitoramento do desmatamento e a regeneração de áreas degradadas; além da melhoria nas condições de trabalho no campo, com a automação de tarefas repetitivas ou insalubres.
O agronegócio faz uso, cada vez mais, da integração de múltiplas tecnologias. Com sua extensa biodiversidade e papel estratégico na produção de alimentos, o Brasil se destaca nesse cenário. E, a Inteligência Artificial já desempenha um papel essencial nessa transformação, trazendo inovações sustentáveis, para um setor que historicamente busca maior produtividade e eficiência. É importante destacar ainda o programa de patentes verdes, que visa acelerar o exame dos pedidos de patentes relacionados a tecnologias voltadas para o meio ambiente, vem desempenhando um papel fundamental para proteger inovações, promovendo o desenvolvimento de tecnologias sustentáveis que beneficiem o meio ambiente.
Apesar dos avanços, a implementação da IA no campo brasileiro ainda enfrenta obstáculos importantes, desde limitações estruturais até barreiras culturais. A falta de conectividade nas áreas rurais é um dos principais entraves: muitas propriedades não têm acesso estável à internet de alta velocidade – fundamental para tecnologias baseadas em dados e monitoramento remoto. Segundo a Anatel, mais de 40% das propriedades agrícolas brasileiras ainda não contam com conexão adequada para suportar soluções baseadas em IA.
Outro desafio é a capacitação técnica. A operação dessas ferramentas exige conhecimento especializado para interpretar relatórios gerados por algoritmos e ajustar estratégias de cultivo. Sem treinamento adequado, muitos recursos acabam sendo subutilizados ou abandonados. Além disso, há uma resistência cultural por parte de produtores acostumados a métodos tradicionais, especialmente frente aos custos iniciais e à complexidade percebida das novas tecnologias.
A revolução digital no campo não é mais uma tendência, é uma realidade em construção. Por isso, é fundamental combinar políticas, investimentos em infraestrutura e capacitação técnica com o fortalecimento de uma cultura de inovação e proteção intelectual. O uso estratégico das patentes nesse contexto de desenvolvimento não apenas agrega valor às soluções tecnológicas desenvolvidas no Brasil, mas também impulsiona a competitividade e o protagonismo do agronegócio brasileiro.
A IA tem potencial para posicionar o Brasil como referência em agricultura de precisão e inovação sustentável. Para isso, é necessário que sejam realizados investimentos na expansão da conectividade rural, em políticas públicas de incentivo à inovação no campo, na capacitação de profissionais, no desenvolvimento de agtechs e no fortalecimento dos ecossistemas de inovação voltados ao agro.
*Karoline Coelho e Millena Lourenço são especialistas de Patentes da Daniel Advogados.