A atuação das empresas e seu impacto socioambiental são fatores que não andam mais separados. Essa ideia ficou bastante clara durante o debate “ESG: três letras para definir qual empresa o consumidor prefere”, que ocorreu durante o Conarec 2021. “A difusão e implementação dessa ideia impacta a preferência do consumidor”, destaca o mediador Anderson de Souza Sant’Anna, professor da FGV-EAES, para começar a conversa.
As questões sociais, ambientais e de governança, que dão vida à sigla, são cuidados fundamentais para o desenvolvimento dos negócios e é uma tendência que veio para ficar, acredita Paulo Planez, diretor de sustentabilidade e comunicação corporativa da Marfrig. “Temos problemas sérios em conciliar produção e conservação, problemas para descarbonizar a economia, além de questões de inclusão que são urgentes”, lembra. “Existem mais de 1,5 bilhão de pessoas que vivem abaixo da linha da miséria. No Brasil, cerca de 20 milhões de pessoas que passam fome, 40 milhões de pessoas no limite da linha da miséria”, destaca. Números que não podem ser ignorados e exigem cuidados.
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“É urgente que as empresas também possam levar a cabo estratégias robustas, sinceras e genuínas porque são agentes importantes da economia, agentes que podem fazer a diferença”, explica. Para o executivo, a sigla vai dar o contorno da perenidade para as companhias. Assim, é importante que ela flua e esteja em torno de todas as ações de uma organização. Para isso, é primordial a força do “G”. “Uma empresa só faz com que a sigla efetivamente aconteça se a governança for muito forte, é o pré-requisito para agir do ponto de vista ambiental e social”, diz Planez. É por esse caminho que a organização consegue fazer com que o consumidor perceba que está caminhando com responsabilidade socioambiental.
Demanda mundial
César Sanches, superintendente de sustentabilidade da B3, destaca alguns números que mostram a importância do assunto. “Hoje, o total alocado para investimentos ESG no mundo é algo em torno de US$ 35 trilhões, que corresponde a aproximadamente 36% do total de capital disponível para investimentos no mundo”, diz. O executivo acredita que as organizações que querem ser perenes, efetivamente presentes no mercado nos próximos 20 ou 50 anos, vão cada vez mais incorporar ESG na estratégia.
Vamos chegar ao ponto que não será mais um assunto para ser conversado separadamente, será algo natural e incorporado em todas as tomadas de decisão em várias camadas das organizações. “Existe um número de tomadores de decisões hoje que não necessariamente são especialistas em sustentabilidade, mas já entendem a importância disso. Saímos do período de ativismo e entramos no período de scale up, de um crescimento de fato de ESG no mundo”, observa.
A B3 iniciou sua jornada de ESG em 2000 com regras de governança fortes. De lá para cá, algumas ações foram realizadas. Em 2005, o quarto índice de sustentabilidade foi lançado e a empresa se tornou membro do pacto global da ONU. Em 2011, se tornou carbono neutral e em 2017 se comprometeu a colocar mais mulheres na liderança. Fora isso, existe o hub de educação e o hub B3 social, além do desenvolvimento de produtos e serviços ESG. Dos 70 índices da B3, hoje 8 são ligados à temática.
A evolução da preocupação com o tema também é percebida por Tomás Carmona, superintendente de sustentabilidade e ESG da Sul América, que atua com questões socioambientais há pouco mais de 20 anos em diferentes organizações. A companhia tem atuado especificamente com saúde emocional. “ESG ainda é uma diferenciação hoje, mas logo vai se tornar pré-requisito. É uma tendência mundial, principalmente com o agravamento dos indicadores sociais em decorrência da pandemia”, explica. As empresas cada vez mais serão chamadas à responsabilidade, tanto por consumidores como por reguladores. “Quem já constrói uma jornada sobre isso já está a frente e consegue responder com mais facilidade às necessidades da sociedade”, complementa.
Complexo, mas efetivo
Cada negócio passa por um desafio específico quando se trata de ESG. A Marfrig, por exemplo, passou por uma grande reformulação nos últimos anos, principalmente pela sensibilidade de sua cadeia, que envolve matérias-primas vivas. “Revisamos os pilares estratégicos da companhia e sustentabilidade entrou como um dos principais. Implementamos o comitê de sustentabilidade e estabelecemos um modelo de gestão que passa por toda a cadeia”, conta Planez.
A empresa controla a origem da matéria-prima que gera e precisa assegurar que os animais não sejam de áreas de desmatamento ou de áreas de proteção indígena, por exemplo. Outra preocupação é a descarbonização já que é um setor que ainda tem grande emissão, principalmente na agropecuária, então diversas metas foram construídas, como redução e neutralização de carbono. Outras ações observadas são o objetivo de utilizar energias renováveis até 2030, cuidados com a pós-produção (destinação de resíduos sem impacto), bem como iniciativas de responsabilidade social. “Procuramos traduzir isso para os funcionários de forma que consigam perceber que o tema faz parte do dia a dia no trabalho e na vida pessoal. O desafio da comunicação é a integração dos aspectos, comunicar bem é fundamental para que se aplique bem todas as ações”, pontua.
As ações da empresa exemplificam esforços que são bem vistos pelo mercado. Como explica o executivo da B3, hoje diversos investidores se interessam pelo tema e o espaço é crescente. “Para as empresas é uma oportunidade de ter acesso a capitais de forma diversificada, melhorar perfil de maturidade de débito e mitigar riscos”, diz. A B3, por exemplo, foi a primeira bolsa do mundo a lançar seu sustainability-linked bonds. “Existe uma série de instrumentos para oportunidades de alocação de capital, como green bonds, transition bonds. Há uma procura crescente dos investidores e seus clientes por esse tipo de oportunidade”, cita.
Onda crescente
Os temas ligados a ESG estão em constante debate em diversas esferas da sociedade. Carmona conta que durante as diversas interações com RHs do país (agentes responsáveis pela contratação do seguro saúde para seus funcionários), existe uma crescente preocupação com o tema. “Temas como diversidade e inclusão estão em crescente interesse”, conta. “O consumidor está mais consciente e as empresas têm mais capacidade de entender essa demanda, isso melhora toda a sociedade”, garante.
O futuro da questão já tem sido construído. Como lembra Sanches, um relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) mostra que, desde a era industrial, a humanidade já emitiu cerca de 2,4 trilhões de toneladas de CO2 na atmosfera. Hoje emitimos anualmente 40 bilhões de toneladas e o aumento de temperatura em relação a era pré-industrial está em torno de 1,1°. Segundo o estudo, ainda se pode emitir 500 bilhões de toneladas de CO2, ou seja, temos 10 anos pra reduzir as emissões significativamente. “Minha expectativa é que vejamos isso acontecer e acelerar nos próximos anos. Hoje existe mais pressão para isso acontecer. Seria interessante acontecer de forma que não deixe partes da sociedade para trás, então diversidade, inclusão e equidade são elementos importantes nessa transição”, destaca.
“O futuro está ligado a uma tomada de decisão mais responsável”, concorda Carmona. Temos conhecimento dos impactos, sejam positivos ou negativos. Quanto mais os líderes empresariais entendem os impactos das decisões, melhor compreendem seu papel na construção desse futuro. “Temos o papel de levar conhecimento e letramento sobre diversas questões, a complexidade das questões ambientais é grande para tomadores de decisão governamentais, privados e para a sociedade em si. Precisamos de estudo, ciência e decisões pragmáticas”, garante.
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