O artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) define a cobrança indevida como uma prática abusiva que ocorre quando um consumidor:
- É obrigado a pagar por um serviço ou produto que não foi contratado;
- Ou por um valor maior do que o devido, mesmo que já tenha sido pago.
O CDC garante ao consumidor que é vítima de cobrança indevida o direito à repetição do indébito, que equivale ao dobro do valor pago em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais. Essa penalidade não se aplica se for comprovada uma situação de erro justificado.
No entanto, essa não é a realidade da fraude no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O caso é tão grave que até agora nem se sabe ao certo quantos beneficiários foram lesados.
A Controladoria Geral da União (CGU) está tentando definir como será feito o ressarcimento para os aposentados. Mas, até agora não conseguiu determinar com precisão quantas pessoas foram impactadas pelo esquema de fraudes.
E, pela lógica, determinar com precisão quantos cidadãos foram impactados pelas fraudes é um quebra-cabeça que não será solucionado facilmente. Esse desafio se complica ainda mais pela falta de dados claros e atualizados que possam embasar uma ação precisa de ressarcimento. As investigações continuam em andamento, mas a complexidade dos casos e a burocracia envolvida tornam o processo lento. Preocupado com o número de pessoas lesadas e com o cenário de instabilidade, o Fórum Nacional das Entidades Civis de Defesa do Consumidor (FNECDC), que conta com 17 entidades filiadas, entrou com uma Ação Civil Pública contra o INSS e a União Federal, além das associações e sindicatos associados, buscando contestar as cobranças indevidas de mensalidades em aposentadorias e pensões previdenciárias.
Ação Civil Pública
A Ação Civil Pública apresenta um pedido de liminar que visa o arresto de R$ 6,3 bilhões. Arresto é uma medida preventiva que consiste na apreensão judicial dos bens do devedor, para garantir a futura cobrança da dívida. “Esses recursos, que foram desviados para entidades privadas envolvidas em um esquema fraudulento, causaram danos irreparáveis a milhões de segurados em todo o Brasil. A intenção primordial desse requerimento é garantir que os segurados prejudicados recebam o ressarcimento que lhes é devido”, explica Cláudio Pires Ferreira, presidente do FNECDC e advogado à frente da ação.
A Ação Civil Pública do FNECDC também busca que as entidades privadas envolvidas na fraude sejam responsabilizadas, exigindo a devolução em dobro das mensalidades que foram cobradas de forma irregular, como determina o CDC. E para completar, pleiteia-se ainda a condenação dos réus por danos morais coletivos, um passo essencial para reparar o sofrimento causado a tantas pessoas.
O dano moral coletivo, no âmbito do direito do consumidor, é uma conduta antijurídica, considerada grave, injusta e intolerável, vez que se refere à violação de valores e interesses fundamentais da coletividade, independentemente do sofrimento individual de cada membro.
2019-2025
Cláudio Pires Ferreira traz à tona que essa questão tem gerado inquietação entre os consumidores desde 2019, ano no qual o Fórum começou a receber queixas sobre cobranças indevidas. E essas reclamações, por mídias sociais, telefone, WhatsApp, e-mail, entre outros meios, só foram se avolumando. Ele chama atenção para o fato de o ProConsumidor, inclusive, contabilizar mais de 13 mil reclamações no que tange ao assunto. “Então, a Ação Civil Pública busca não somente reverter o prejuízo financeiro, mas também restaurar a dignidade de todos os afetados pela fraude. O arresto é necessário para punir a conduta ilícita e gerar a necessidade de reparação. Há seis anos, o FNECDC vem chamando a atenção para as cobranças indevidas, mas as investigações não evoluíram, infelizmente”, observa Ferreira.
Recentemente, uma auditoria da CGU, que resultou na Operação Sem Desconto, da Polícia Federal, apontou que, de 1.242 beneficiários, 97,6% dos entrevistados afirmaram não ter autorizado os descontos. Ademais, 95,9% do total de beneficiários disseram não pertencer a nenhuma associação ou sindicato.
Chama atenção também o fato que os beneficiários relataram dificuldades para identificar e cancelar a cobrança indevida. Além disso, a CGU analisou a Folha de Pagamentos do INSS e constatou um crescimento anômalo nos descontos por entidades associativas, que subiram de R$ 536,3 milhões em 2021 para R$ 1,3 bilhão em 2023, podendo alcançar R$ 2,6 bilhões até o final de 2024, caso os valores mantivessem a mesma tendência.
Próximos passos
O FNECDC enviará um ofício à Casa Civil para pedir participação na Força-Tarefa Previdenciária, integrada pelo Ministério da Previdência Social e pela Polícia Federal, que atuam em conjunto no combate a crimes estruturados contra o sistema previdenciário, discutir a reparação/indenização das vítimas de fraude. A Associação Brasileira de Procons (Procons Brasil) enviou um ofício ao INSS e, agora, está finalizando um outro documento à Casa Civil, também solicitando participação na força-tarefa.
“Muitos Procons têm denunciado as cobranças indevidas, e isso não é de hoje. Portanto, essa colaboração entre as entidades é essencial para fortalecer as ações de prevenção e punição contra fraudes que prejudicam o sistema previdenciário e seus beneficiários. A participação do FNECDC e dos Procons na força-tarefa permitirá um melhor diálogo e a troca de informações, promovendo uma abordagem mais eficaz no enfrentamento dessas irregularidades”, disse Marcia Moro, presidente da Procons Brasil.
Questão urgente
Marcia considera a discussão sobre a reparação das vítimas de fraudes uma questão urgente. Muitas pessoas, que confiaram no sistema para garantir sua segurança financeira, foram lesadas. “Para agravar ainda mais a situação, o governo quer que esses beneficiários lesados se dirijam a uma agência do INSS para formalizar a queixa. Ou seja, além de essas pessoas terem sido vítimas de fraude, elas vão ter que se deslocar de suas casas? Muitas vivem somente com o dinheiro do salário mínimo, outras têm dificuldade com transporte. Quantos não estão acamados? Isso é, no mínimo, uma dupla maldade”, pontua Marcia Moro.
A burocracia envolvida nesse processo não só traz mais dificuldades, mas também demora na resolução do caso, gerando incertezas e angústias para aqueles que esperam pelas reparações. Nas palavras de Marcia, tais reparações “deveriam ser imediatas, afinal, temos tecnologia para fazer com que os processos sejam mais ágeis e eficazes”.
Por fim, ela salienta que o apoio de entidades como os Procons é fundamental para oferecer orientação e suporte às vítimas na busca por seus direitos e na recuperação de eventuais perdas. “A participação dos Procons sobre os direitos das vítimas é essencial. É preciso que todos saibam que não estão sozinhos e que existe um caminho a ser seguido”, finaliza a presidente da Procons Brasil.