Cobrança faz parte da vida. Existe a autocobrança, feita a si mesmo. Em segundo lugar, há também a cobrança de si para outras pessoas. E de outras pessoas para si. Assim como a cobrança excessiva.
E tem também a cobrança indevida, muito comum nas relações de consumo. É sobre ela que vamos falar hoje.
Isso porque as cobranças indevidas estão entre as maiores queixas dos consumidores. Prova disso está no Ranking de Reclamações do Banco Central (BC), que aponta que as cobranças em duplicidade na fatura do cartão de crédito, por exemplo, ou as compras não reconhecidas feitas com cartões clonados ou roubados estão entre as principais reclamações de clientes de bancos.
Somente no terceiro trimestre de 2024, foram 5.298 queixas dos consumidores bancários ao Banco Central. No relatório do segundo semestre, esse problema recebeu 5.743 reclamações. No período de janeiro a março, a autarquia julgou procedentes 1.892 casos de cobrança indevida. Ou seja, quando houve sinal de descumprimento de lei ou norma pela instituição financeira.
Exemplos recentes de cobranças indevida
E engana-se quem pensa que somente os bancos praticam cobranças indevidas. Tanto é que, volta e meia, o assunto acaba fazendo parte da rotina do Judiciário de todo o país. Só para exemplificar, recentemente, a Companhia de Saneamento do Distrito Federal (Caesb) foi condenada a indenizar um consumidor em razão da cobrança indevida após a solicitação de rescisão contratual em 2020, com todos os débitos quitados. Passados 4 anos, esse consumidor descobriu seu nome negativado pelo cadastro de proteção ao crédito (SPC e Serasa). A juíza Fernanda Dias Xavier, do 1º Juizado Especial Cível de Planaltina, considerou a situação como “falha na prestação de serviços”, e condenou a empresa ao ao pagamento de R$ 4 mil a título de danos morais.
Na Paraíba, o Ministério Público (MPPB) estabeleceu à Energisa a suspensão imediata da cobrança retroativa de ICMS sobre a tarifa de uso do sistema de distribuição (Tusd), referente ao período de setembro de 2017 a junho de 2021, nas contas de energia de todos os consumidores que utilizam energia solar.
O MP também estipulou que a companhia se abstenha de realizar novas cobranças indevidas. A distribuidora, na mesma ação, também foi alertada para parar de negativar os nomes de quaisquer consumidores que, eventualmente, deixarem de pagar tais cobranças indevidas. E, por fim, que restitua os consumidores pelos débitos pagos indevidamente, concedendo créditos nas faturas a vencer.
Cobrança indevida à luz do CDC
Mas, afinal, o que é cobrança indevida? E quais os direitos do consumidor que recebe esse tipo de cobrança, à luz do Código de Defesa do Consumidor (CDC)?
O CDC, em seu artigo 42, proíbe que empresas cobrem o consumidor que está devendo de forma abusiva.
Ou seja, independentemente de ter ou não a dívida, ninguém pode ameaçar o consumidor nem agir de maneira que lhe cause algum tipo de constrangimento. O artigo 71 do mesmo instrumento vai além e tipifica como crime cobranças realizadas por meio de coação, constrangimento, afirmações falsas incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor a situação vexatória ou atrapalhe sua rotina familiar, de trabalho ou lazer. A pena para quem descumprir a regra é de 3 meses a 1 ano de detenção e multa.
Art. 42 do CDC
Veja o que diz, na íntegra, o artigo 42 do CDC:
“Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.
Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.
Art. 42-A. Em todos os documentos de cobrança de débitos apresentados ao consumidor, deverão constar o nome, o endereço e o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas – CPF ou no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica – CNPJ do fornecedor do produto ou serviço correspondente”.
Formas de cobrança indevida
A cobrança indevida se dá ou maneira injusta ou por um valor que não deve. Geralmente, esse tipo de cobrança resulta em prejuízos financeiros, além de provocar frustração e estresse. Do ponto de vista da defesa do consumidor, falar sobre cobrança indevida é primordial para sensibilizar os consumidores sobre seus direitos e orientá-los sobre como agir nesse caso.
Ademais, abordar a questão da cobrança indevida também ajuda a conscientizar empresas e fornecedores, promovendo a adoção de práticas comerciais mais éticas e transparentes. Ao evidenciar este tema, conseguimos incentivar a responsabilidade e a prestação de contas por parte das empresas, visando a melhoria dos serviços oferecidos e a prevenção de abusos.
Ressarcimento
Na tentativa de ficar de olhos bem abertos com cobranças indevidas, o consumidor deve estar sempre atento aos seus extratos bancários e faturas, verificando se existem cobranças que não reconhece ou que não foram autorizadas. A primeira medida, portanto, deve ser a organização das compras e informações financeiras, mantendo comprovantes de pagamentos e registros de contratos.
Se identificada uma cobrança indevida, o consumidor deve entrar em contato imediato com a instituição responsável pela cobrança, preferencialmente por meio de canais oficiais, como o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC). É possível ainda comunicar o fato ao Procon regional, e a agência reguladora. Por exemplo, se a cobrança indevida partir da operadora de telefonia, o consumidor pode reportar o fato à Agência Nacional de Telecomunicações. Caso a cobrança indevida seja de uma instituição financeira, é aconselhável reclamar no BC.
Ao reportar a cobrança indevida, é importante ter em mãos todos os dados relevantes, como número da cobrança, data, valor e qualquer documentação que comprove a irregularidade. No SAC, vale ainda anotar o protocolo de atendimento, útil para acompanhar o andamento da reclamação.
Consumidor.gov
O consumidor também pode recorrer ao Consumidor.gov. A plataforma permite que o usuário formalize sua queixa de maneira simples e eficaz, vez que proporciona um canal direto de comunicação entre consumidores e fornecedores. Além disso, as reclamações registradas são públicas, o que aumenta a transparência e a responsabilidade das empresas perante os consumidores.
Em casos mais extremos, quando a resolução da cobrança indevida não ocorre de maneira satisfatória, o consumidor pode considerar a ação judicial. Mas, antes, é prudente buscar a mediação ou a conciliação, que podem ser menos onerosas e mais rápidas que um processo judicial.
É importante lembrar que o Código de Defesa do Consumidor garante não apenas a possibilidade de contestar cobranças indevidas, mas também o direito à restituição do valor pago, acrescido de juros e correção monetária, quando a cobrança é feita de má-fé.
Indenização
Além disso, o consumidor pode exigir a correção de dados errados relacionados à cobrança indevida, o que inclui a atualização de informações de crédito e o cancelamento de cobranças que sejam indevidas. Nos casos em que a cobrança indevida resulte em danos morais, o consumidor tem o direito de buscar uma compensação por meio de indenização, tanto em âmbito administrativo quanto judicial.
Por fim, para consumidor, vale manter sempre a calma e buscar resolver a situação de maneira assertiva, tendo em mente que os direitos do consumidor estão amparados por lei.