A alta do ESG é ofuscante. Empresas que há anos se empenham em pautas de impacto social e ambiental positivos acabam virando lugar comum em meio a uma ansiosa hype que parece premiar quem mais dá publicidade às suas próprias obrigações. Certas empresas começam a aparecer com um verniz socioambiental e parecem mais bem-sucedidas no case de marketing do que de sustentabilidade.
Mas seja a empresa local ou global, de compromisso fake ou real, há um tabu em comum: a dificuldade da mea culpa. Ainda que bem intencionadas, expor e reconhecer seus reais impactos negativos é difícil para qualquer empresa. Essa é, aliás, uma dificuldade das pessoas, e talvez pouco surpreenda que uma empresa — um grupo de pessoas — tenha seus embaraços neste ponto.
Mas assim como as pessoas, são nas crises que as empresas têm a chance de finalmente adotar medidas efetivas para quebrar repetições ou se desenvolver. É esta trajetória que parece ter passado o Carrefour para alcançar a maturidade para tratar de seus problemas — o primeiro passo para quem quer resolvê-los.
Desde a tragédia do assassinato de João Alberto em uma de suas lojas, em novembro de 2020, a rede de mercados tem mobilizado grandes esforços para intensificar e mostrar suas iniciativas de cunho socioambiental, criando novas formas e projetos voltados a temas como combate ao racismo, segurança alimentar, economia circular e cadeia de valor, diversidade, educação e energia.
Sendo assim, a publicidade anual de suas ações ESG foi repensada, e agora a divulgação do relatório de sustentabilidade envolve uma série de pronunciamentos que vai desde a alta gestão até colaboradores de unidades. E para cada fala de enaltecimento de feitos há reconhecimento de alguma falta.
Em reunião com a imprensa para divulgação do relatório de 136 páginas, a cada painel de discussão, a gerente de sustentabilidade, Marie Tarrisse pontuava que é preciso mais. “Não podemos ser o primeiro varejista alimentar e desperdiçar em um País com tanta gente passando fome”, como disse ela logo após apresentação dos esforços de equipes treinadas para mitigar resíduos e assegurar uma economia circular da cadeia, assim como disse que o Carrefour “não pode ser só saudável, tem que ser sustentável e inclusivo”, logo após apresentação dos esforços sobre responsabilidade social.
Emissões, economia circular e cadeia produtiva
Aberta pelo CEO, Nöel Prioux, e pelo VP de relações institucionais, Stéphane Engelhard, a série de painéis de apresentação do relatório 2020 começou pela abordagem das emissões, economia circular e cadeia produtiva.
“Quando a gente fala de origem [do produto], a gente fala como isso afeta o ambiente. Uma das grandes temáticas reforçadas em 2020 foi clima e emissões de gases. Como 1º varejista alimentar do mundo, não podemos ficar de fora da questão do clima. A gente conseguiu neutralizar parte de nossas emissões de gás revendo toda a malha logística, limitando a rota dos caminhões nas estradas”, enfatizou Engelhard. “Na questão de desmatamentos, somos o 1º comprador de carne no Brasil e essa questão se tornou essencial e tem a ver com o clima. Hoje, somos capazes de monitorar as fazendas de onde vem a carne dos nossos frigoríficos. Internamente, organizamos uma governança junto com o Atacadão para uma frente comum de luta contra o desmatamento.”
Sobre economia circular, o VP citou o alcance de reciclar 50% dos resíduos materiais. Pontuando que ainda é possível fazer mais, Engelhard reforçou que a meta é 70%. “Esperamos que até 2025 poderemos ter 100% dos nossos resíduos todos reciclados.” Já na cadeia produtiva, o executivo citou as auditorias nas parcerias e os esforços de garantir o não uso de mão de obra escrava.
“São esses assuntos que norteiam a empresa hoje.”
Empregabilidade, inclusão e racismo estrutural
O Carrefour é um dos dez maiores empregadores do Brasil, com 96 mil colaboradores. Em 2020, em plena pandemia, o grupo teve um saldo de 7 mil posições. Segurar as ondas no emprego e na diversidade — que fortalece o negócio —, teve um pé nos cuidados com a empregabilidade e outro na inclusividade.
Em empregabilidade, a agenda ESG do Carrefour foi pautada pelo combate à fome nos projetos sociais, sobretudo com parcerias longevas com o Sesc e o Senac. “Nossos programas não só promovem a contratação de milhares de pessoas, mas também possibilitam que muitas delas tenham seu primeiro emprego. É uma porta de entrada ao mercado de trabalho. E, uma vez no grupo, elas podem fazer parte de programas de desenvolvimento direcionados para impulsionar as carreiras”, explica o VP de recursos humanos, João Senise.
Na inclusividade, o Carrefour despende esforços para que a pluralidade reflita a sociedade. “Isso torna nosso negócio mais sustentável e nossa sociedade mais justa”, disse Senise. “Temos uma plataforma de inclusão desde 2012 com atenção especial para mulheres, negros, LGBTQI+ e PCD. Somos bastante diversos e somos uma amostra representativa da sociedade brasileira, que é diversa e se transforma.”
Racismo estrutural também é um tema enfatizado no relatório. “Temos trabalhado de maneira intensa com um comitê para trazer as vozes e demandas da sociedade, dos movimentos de causas negras. A partir desse trabalho, assumimos oito grandes compromissos. Dentro desse processo, no dia 28 de abril, fizemos um fórum com mais de 28 mil fornecedores no qual reforçamos os compromissos e convidamos os for a impulsionar essa causa”, relembra o VP de recursos humanos.
No começo de junho, o Carrefour anunciou a abertura de editais de estímulo a equidade racial. Com foco no fortalecimento de organizações e coletivos, o grupo quer participar e engajar a sociedade no esforço nacional de reparo histórico (e corrente) com o fomento do empreendedorismo negro e combate ao racismo.
Visibilidade e conteúdo
Diretor de sustentabilidade do grupo, Lúcio Vicente Silva esclarece que o relatório de sustentabilidade tem função de dar visibilidade às ações e envolver consumidores e parceiros. Por isso, seu conteúdo foi reeditado no sentido de esclarecer as atividades de 100% de monitoramento de carne in natura, rastreamento de alimentos com blockchain, metodologia de métricas de sustentabilidade e indicadores do conselho de padrões contábeis.
No material divulgado, os conteúdos trazem: ações sociais e ambientais, aspectos de negócio e governança, ações de prevenção contra a Covid-19, monitoramentos, ações da corrente solidária para compor e subsidiar cestas básicas, pautas dos comitês focados no combate ao desmatamento, as complexidades das iniciativas e programas de inclusão de indígenas e quilombolas ao ecossistema.
+ Notícias