Vivemos um contexto bastante dual na sociedade contemporânea: ao mesmo tempo em que existem tecnologias muito avanças, ainda enfrentamos muitos problemas sociais, dos mais diversos tipos. Por isso, é tão importante que indivíduos e empresas tenham consciência sobre a importância de abraçar causas com impacto. No varejo, isso também é possível, esse foi o tema do painel “Empreendedorismo de impacto: o novo tipo de varejo”, do BR Week 2018.
O mediador do painel, Eduardo Mariano, é presidente do Exchange do Bem, uma empresa que conecta voluntários com ações sociais em todo o mundo. Para iniciar a conversa, questionou sobre a atuação de cada um dos convidados.
Andre Nobre de Sousa Beisert, diretor de estratégia digital da C&A, conta que o impacto social é um dos grandes valores da empresa. A empresa foi fundada em 1841 e desde sempre faz parte de seus valores investir em ações para elevar o impacto que a marca tem sobre o meio ambiente. ‘’Isso se traduz em ações que fazemos na nossa cadeia de fornecimento. Somos a maior compradora de algodão orgânico do mundo e temos meta de comprar 100% do algodão de fornecedores que façam isso de forma mais sustentável, com menos água e menos químicos”, diz.
O segundo convidado, Renato Velloso Dias Cardoso, board member do Dr. Consulta, também compartilhou a história do case brasileiro. A empresa nasceu em cima da ideia de trazer impacto para a vida das pessoas, levando indivíduos que não tem acesso a saúde privada a possibilidade de ter mais qualidade de vida, bem como acesso a tratamentos médicos dignos. “A gente sabe das dificuldades do setor público no Brasil, o SUS é o maior sistema de saúde universal do mundo, mas pelas dificuldades do país, tanto econômicas quanto pelas suas dimensões, a saúde pública acaba não conseguindo levar para todo mundo a saúde digna que as pessoas merecem”, diz. Em todo o mundo, a saúde privada é muito cara.
O Dr. Consulta começou dentro de uma favela, levando saúde em um ambiente muito hostil. Entre 2011 e 2014, a empresa foi tentando crescer. Em 2015, conseguiu chegar a um modelo sustentável. “Para ser considerada uma empresa de impacto social, você tem que ter um negócio sustentável, que perdure, não pode ser algo pontual”, analisa.
Trajetória
As duas empresas já iniciaram sua trajetória no Brasil com ideias sustentáveis, lembra Mariano. “Como uma empresa tradicional pode se transformar para chegar ao impacto social?”, questionou.
Para Beisert, essa é uma questão de valores. Se não fizer parte do valor da empresa ter o conhecimento do impacto que gera em toda a sociedade, não só nos seus consumidores, mas nos colaboradores e suas famílias, não tem como ter uma estratégia positiva de impacto social, não de forma verdadeira. Isso vira estratégia de comunicação. “Uma coisa não exclui a outra, é possível ter lucro e ter firmeza nos valores, trazendo impacto positivo para a vida das pessoas”, diz.
Nesse sentido, Cardoso acredita que é necessário entender como a atuação da empresa vai impactar a sociedade. “Para construir um negócio de impacto social, é importante escolher o setor, entender como permitir que as empresas acessem esse setor”. Além disso, é necessário entender que se você trabalha numa empresa de impacto social, não necessariamente você faz impacto social. Não é filantropia.
“Não basta ter a vontade, tem que ter a maneira de enxergar o negócio e fazer diferente”, diz. “Costumamos falar que a boca do nosso funil tem que ser muito larga. Apenas 23% da população brasileira tem acesso a saúde privada, são 160 milhões de brasileiros que não têm acesso de forma digna”. O negócio do Dr. Consulta é orientado de forma que cada vez mais pessoas possam ter acesso.
Marketing?
Outro questionamento do mediador é sobre o fato de “estar na moda” as empresas mostrarem seu impacto social. “Como as empresas conseguem mostrar isso para os consumidores, enfatizando que a atuação é real e não apenas discurso?”.
De fato, é necessário cuidado. O executivo da C&A explica que existem muitas questões da empresa que causam impacto, mas que não são divulgadas, simplesmente porque não é necessário. Por exemplo, o cuidado da companhia com sua cadeia de fornecimento. Todos os fornecedores são classificados e essa classificação vai de acordo com as condições de trabalho que elas dão para seus profissionais, que materiais utilizam, etc. São cinco classificações no total. Dessas, a ideia é trabalhar com as melhor preparadas. Mas não quer dizer que as outras são deixadas de lado.
“Nós procuramos profissionalizar, dar treinamento para esses fornecedores de alguma forma, para entrar nesse nível esperado”, explica. “Levando em consideração que esses fornecedores não fornecem apenas para a C&A e sim para um grande número de varejistas, essas ações dão frutos por todo o mercado”.
No ano passado, a marca também lançou uma camiseta totalmente biodegradável. “Esse tipo de impacto vale a pena comunicar porque cria o exemplo. Se a empresa escolhe investir mais para ter esse tipo de retorno para sociedade, é um exemplo para outras pessoas fazerem algo semelhante”, acredita o executivo. No Dr. Consulta, essa ideia também é aplicada. “Se a gente tem possibilidade de levar mais serviços para os nossos pacientes a gente leva. Nós somos movidos sempre colocando no centro da decisão o consumidor, sem fazer marketing sobre isso”, conta Renato. “O reconhecimento vem quando você faz uma decisão honesta, quando você traz impacto para as pessoas de forma real”.