“É um horror para o consumidor virar inadimplente, já que a gente vive em uma sociedade de consumo, onde o crédito é essencial. Temos uma legislação farta quando se trata de recuperar empresas, é uma preocupação histórica. Mas não há nada sobre como recuperar pessoas. Assim, começo este painel com a pergunta do tema.” Com essa fala, Marcelo Gomes Sodré, professor da PUC/SP e colunista da revista Consumidor Moderno, começou o painel “Educação financeira: de quem é a responsabilidade? Governo, escolas, empresas, bancos”, realizado na tarde de ontem, durante o Recover Money.
A primeira a responder foi Fernanda Monnerat, gerente executiva do Serasa Experian, comentando sobre a importância da educação financeira justamente para evitar esse tormento na vida do consumidor. “Como qualquer outra empresa saudável, nós precisamos de um crédito sustentável girando. Por isso, levantamos muito a bandeira da educação financeira”, afirmou.
Para ela, a responsabilidade por essa educação é de todo mundo. “Do setor público, sem dúvida, porque ele tem escalabilidade nas ações, mas não são os únicos. As empresas já vêm ocupando um lugar importante, até com a educação para os próprios funcionários. Afinal, a saúde financeira dele atrapalha o negócio. E, no fim do dia, é disso que precisamos. Todos devem ajudar esse consumidor inadimplente, já que essa situação prejudica também a família dele, a saúde, sua dignidade”, completa.
Depois de revelar que o Governo finalmente lançou uma iniciativa voltada à educação básica com a Estratégia Nacional de Educação Financeira (Enef), José Eustáquio Moreira de Carvalho, diretor da Clínica de Economia Comportamental e assessor econômico da Fecomercio DF, levantou outra questão. “Estamos educando a geração jovem para mudar no futuro. Mas essa criança não vai ter um contraponto, porque o pai e a mãe estão deseducados”, pondera.
O professor dr. Ricardo Humberto Rocha, do Insper, aponta que a principal responsabilidade é da família, que terceirizou a educação de seus filhos. No entanto, ele pondera que as empresas também podem ajudar, especialmente porque colaboradores endividados têm sua produtividade reduzida. “É preciso trabalhar uma questão comportamental, mas é fundamental incentivar que as famílias iniciem esse processo de educar seus filhos”, comenta.
Além disso, para ele, aulas de português e matemática bem dadas já seriam suficientes. “Sem entender o português, o cidadão não lê um contrato bancário. Sem conhecimento de matemática, não entende juros compostos, nem para usar a seu favor ou contra”, aponta o professor de finanças.
Em se tratando de empresas, Rocha acredita que seria importante que elas eduquem seus colaboradores, até porque, para ele, “sem ambição, sem entender porque é importante guardar dinheiro, ele não se motiva. Se entender essa importância, pode inclusive produzir melhor”, reflete.
José Eustáquio Moreira de Carvalho apontou ainda a questão comportamental. “O endividamento não é hereditário, mas existem padrões de comportamento que passam de geração para geração. As pessoas não fazem mais planejamento, não anotam mais quanto ganham e quanto gastam”.
Fernanda Monnerat completa esse pensamento com um dado importante: hoje, 40% dos inadimplentes são reincidentes. E lembra de um outro papel das empresas: ajudar aos devedores simplesmente não recusando emprego. “Apesar de ilegal, ainda há empresas que consultam nome sujo. Se o inadimplente precisa de ajuda e lhe é negada essa ajuda, já começa tudo errado”, comenta.
Depois de reforçar o papel das empresas, questionando como elas podem ensinar a consumir conscientemente, ao mesmo tempo em que estimulam o consumo, Sodré também questionou o sistema de parcelamento que é incentivado atualmente. “O cidadão pode parcelar até ovo de Páscoa. E ter vários cartões, cada um com várias parcelas. Fazer um planejamento hoje está mais complexo do que antigamente”. Essa reflexão fez com que ele levantasse, por fim, uma questão importante: o que é realmente educação financeira?
Rocha e Carvalho concordaram que se trata de oferecer para as pessoas algum conteúdo ou boas práticas para que ela possa escolher. “Que ela saiba que pode ter pontos de TV a cabo em todos os cômodos da casa, mas saiba também que não precisa disso, que não precisa consumir porque o vizinho consome”, opina Rocha.
Aqui foi levantado um ponto importante: o consumo acontece hoje em dia por status. “O mundo está cada vez mais utilitarista, as pessoas querem ganhar. O sentimento de perda é forte, ninguém quer perder uma promoção”, comenta Carvalho. Ao mesmo tempo, querem ensinar ao consumidor a simplesmente não gastar e economizar, deixando-o confuso.
Por fim, Fernanda Monnerat, do Serasa Experian, lembrou de como o Cadastro Positivo pode ajudar. “Pela legislação brasileira, eu não tenho o histórico de gastos desse consumidor, se ele já tem dívidas, se paga o mínimo da fatura, se está atrasado em prestação, o crédito fica mais caro, porque o risco é maior”.
Segundo a especialista, o Cadastro Positivo traz justamente esse histórico, esse comportamento do consumidor. Com a vantagem de que existe uma política de proteção de dados, ao mesmo tempo.
De qualquer forma, ainda há muito a se caminhar no sentido de educar o consumidor. Ele não é incentivado a fazer a coisa certa e ainda recebe estímulos por todos os lados, inclusive para pagar suas dívidas, quando o ideal seria não se endividar. E, pelo visto, ensiná-lo a não fazer isso será, afinal, a grande responsabilidade de todos: governo, empresas, famílias, bancos…