Em um antigo conto indiano, conta-se a estória de um discípulo inquieto que, em certo dia, resolveu questionar seu mestre. “Por que o senhor não compartilha sua sabedoria com os moradores do vilarejo?”, disse – respeitosamente intrigado. Tranquilamente, o sábio orientou ao jovem que batesse a porta de cada indivíduo perguntando qual é o desejo mais profundo de toda a sua vida. As respostas foram várias – uma casa melhor, um trabalho digno, alimentação farta, recursos financeiros. Ao relatar seu levantamento de forma ansiosa, ouviu, por fim: “Como posso dar sabedoria a quem não deseja tal dádiva?”. Esta reflexão, apesar de breve, nos revela algumas lições.
Uma delas é o fato de que não dá para esperar que todos nós, seres humanos em cotidiana construção, tenhamos a mesma busca. Outra, talvez mais densa, nos indica que por mais próximo que um tesouro possa estar, ele só será encontrado por aqueles que estiverem preparados para isso. Facilmente, podemos aplicar essa ideia ao processo de procura das empresas por inovação. Em um mundo conectado, os recursos estão todos disponíveis: tecnologia, conteúdo, grandes especialistas. No entanto, as organizações que realmente encontram a tão aclamada disrupção, mesmo usufruindo de tais ferramentas, geralmente vão pelo caminho menos óbvio. A trabalhosa estrada de destruição e reconstrução de uma cultura (ou mesmo a criação de um modo de pensar totalmente inusitado).
“O problema mais sério é que há muito clichê em torno de inovação, muitas fórmulas milagrosas e conceitos vazios vendidos e consumidos como receitas milagrosas para promover a transformação de empresas comuns em dínamos inovadores”, lembra Jacques Meir, diretor-executivo de Conhecimento do Grupo Padrão. De fato, com o “boom” da ascensão tecnológica e toda uma década marcada pelo surgimento de modelos de negócio que quase pisotearam grandes companhias tradicionais, surgiu uma espécie de histeria coletiva no mundo corporativo – o desespero para consumir o elixir mágico e acordar como uma disruptora do mercado. Nada mais do que ilusão. O lado bom de tempos tão turbulentos e controversos é que rapidamente percebemos que não adianta simplesmente replicar a filosofia do “Day One” e aguardar a organização ganhar o corpo da Amazon. Inovação de verdade é uma decisão trabalhosa, que exige coragem e determinação. No Brasil, então, é um atestado sólido de resiliência.
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Como explica Meir, o que acontece por aqui é que, em larga medida, a inovação é vista como algo que aparentemente não vale a pena, já que modifica substancialmente as bases da competição, os modelos de negócio, além de desestruturar processos. Mais do que isso, coloca as companhias no terreno do inesperado. “Se ela causa todos esses efeitos, por que então devemos inovar? Todas as respostas existentes parecem incompletas”, reflete. “Uma boa pista é que os caminhos adotados pelas empresas incumbentes, tradicionais, líderes em seus segmentos, aqueles que sustentam seu pensamento estratégico, já não respondem mais à movimentação tectônica de disrupções e disfunções causadas pelo ambiente digital”. Tudo o que costumava funcionar no século passado deu lugar às possibilidades infinitas da digitalização. A internet conseguiu mudar tudo – desde nosso modo de consumir informação até a relação com as marcas. Os hábitos mais corriqueiros são, hoje, feitos de outra forma – comer, comprar, dirigir, dormir. Isso, claro, trouxe insegurança para os negócios, mas abriu um campo enorme de possibilidades a ser explorado – para quem tem capacidade de enxergar.
“As pessoas prosperam quando reagem e têm uma intenção. Uma equipe de vítimas nunca será inovadora”, defendeu Greg Hicks, professor da prestigiada universidade de Stanford e autor de best sellers como “Ser feliz é escolha sua” (traduzido para mais de 22 idiomas), durante a segunda edição do Whow! Festival de Inovação 2018. Essa colocação é uma lição e tanto para as empresas: é necessário parar de prestar atenção ao que pode ser canibalizado e simplesmente imaginar novas apostas para o amanhã. A inovação de verdade não nasce da vontade de sobreviver – floresce em um solo com essência questionadora. Fracasso ou sucesso pouco importa. A questão é ter as perguntas certas.