*Fotos Rafael Canuto
A relação das pessoas com o tempo muda de acordo com o contexto em que estão inseridas. Em sociedades tradicionais, o tempo era visto como algo repetitivo e não cumulativo. Ou seja, as pessoas fariam a mesma atividade durante anos sem se incomodar com isso e o tempo de experiência no desempenho daquela função não era tão importante quanto é hoje, quando medimos a competência dos indivíduos pelo tempo de experiência.
Alguns marcos históricos mudaram nossa relação com o trabalho e, consequentemente, com o tempo. Quando a revolução industrial eclodiu, as fábricas controlavam o tempo dos funcionários dizendo, com apitos, a hora de trabalhar, de almoçar e ir para casa.
Mais para frente, o fordismo trouxe a lógica de trabalho da divisão da vida dos colaboradores em terços – um para trabalhar, outro para dormir e restante para fazer o que quiser. Na década de 80, com a revolução digital, tudo se fez novo.
Durante palestra no primeiro dia de Whow! Festival de Inovação, Michel Alcoforado, antropólogo e fundador da Consumoteca, explicou como as plataformas digitais dão a sensação de “basta” para tudo. As pessoas se sentem cansadas de seus empregos, casas e cursos.
Coletivo x Individual
Há uma tensão entre indivíduo e sociedade, segundo o antropólogo. De um lado, os consumidores têm a impressão de que podem fazer tudo o que quiserem, na hora que quiserem – existe um perfil só daquela pessoa nas redes sociais, um login só dela no computador e ela pode pedir uma refeição, pegar um táxi e comprar o que quiser.
Do outro lado, uma sociedade que vigia cada passo do indivíduo. Com os algoritmos, as empresas medem como os consumidores se comportam e os colocam em caixas, mostrando sugestões conforme o comportamento médio do grupo onde você se encaixa. A liberdade é vigiada.
“Agora o indivíduo se sente muito poderoso, mas, ao mesmo tempo, o coletivo se impõe”, diz Alcoforado. Ele afirma que em nenhum outro momento da história da humanidade coletivo e individual estiveram tão empoderados.
É para ontem
Toda essa tensão gera no indivíduo a necessidade de usar melhor seu tempo. Assim, os mais velhos têm mais paciência que os nativos digitais, que têm mais paciência que seus filhos. Assim, a lei do imediatismo se perpetua sem ser questionada.
Se antes esperar por um táxi por 20 minutos era normal, hoje qualquer espera acima de dez minutos é inaceitável.
Vamos pegar como exemplo o Teste do Marshmallow, um dos mais famosos experimentos sociais. Basta colocar um marshmallow na frente de uma criança com a promessa de dar a ela outro se conseguir esperar até o adulto voltar. Dizer que o número de crianças que conseguem esperar para ter dois marshmallows caiu é apenas protocolo.
Para o antropólogo, é preciso entender quatro dilemas da sociedade atual para saber por que o imediatismo é regra. Saiba quais são, nas palavras do Michel Alcoforado:
1 – Lugar certo na hora certa
A busca pelo instantâneo está atrelada a uma construção de uma história de vida. Nos dizem que devemos estar no lugar certo na hora certa, mas ninguém diz onde é o lugar certo, nem a hora certa.
Antigamente as pessoas sabiam o que deveriam fazer da vida: crescer, casar, comprar um apartamento, ter filhos e se aposentar. O curso da vida estava desenhado e os indivíduos sabiam se conseguiriam ser o que a sociedade esperava deles ou não.
Com as plataformas digitais a vida se transformou em uma loucura. A grande sacada é que você pode fazer o que quiser no momento que quiser. Isso traz um peso gigantesco já que as pessoas têm a oportunidade de escolher e sempre precisam fazer a escolha certa.
E para criar seu projeto de vida, é necessário, segundo a sociedade, encontrar sua paixão, definir o que te faz feliz. Uma criança de 12 anos com propósito pode virar CEO, enquanto outra de 40 anos sem propósito vai fracassar.
2 – Meu tempo é agora
Facebook e Instagram falam que a grama do vizinho é infinitamente mais bonita que a minha. Alguém que acaba de voltar de viagem e vê outras pessoas viajando pode pensar que viaja pouco. Perdemos a capacidade de medir temporalidade.
A partir daí, começamos a levar em consideração o custo de oportunidade em tudo que fazemos. Toda escolha que eu faço eu começo a levar em consideração a escolha que renunciei. Antigamente era mais fácil, mas hoje os custos de oportunidade são cobrados da gente a cada minuto.
Isso traz um peso gigantesco porque a todo tempo queremos fazer a melhor escolha. Jovens da Geração Z estão vivendo a loucura da tortura das redes sociais. As pessoas não mostram como chegaram até lá, só mostram onde estão. Isso dá a impressão de que há atalhos. Quantas pessoas estão ganhando dinheiro por aí com autoajuda?
3 – Medo do futuro
Antes a vida estava mais ou menos planejada. Hoje você não sabe mais se vai se aposentar. Esse futuro cheio de medo nos dá a necessidade de voltar para o passado. Há uma busca insana para voltar para o passado. Afinal, a infância é a fase que menos nos preocupamos com o futuro.
Uma pesquisa da Consumoteca com latino-americanos mostra que 61% dizem que quando o presente é muito incerto é bom relembrar o que foi vivido no passado e 49% afirmam que se lembrar do passado é um escudo para enfrentar o futuro.
4 – Faça bom uso de seu tempo
Você é obrigado a fazer bom uso do pouco tempo que tem. Você tem aplicativos que ajudam na sua produtividade e a comparam com a de outras pessoas na sua idade. As pessoas vivem se comparando com outras que, na teoria, gastam bem o tempo que têm para si.
Esse jogo traz dificuldades permanentes para nós. De um lado existe gente com tempo, mas sem dinheiro. Do outro, pessoas com dinheiro, mas sem tempo.
A partir nasce a economia compartilhada. Aplicativos como o Rappi colocam milhares de pessoas a disposição de quem pode pagar mais. Mas a economia que era para ser ótima acabou precarizando as relações de trabalho e bagunçando nossa relação com o tempo.
Portanto, entender o momento pelo qual passamos e seus dilemas é importante para mudar nossa relação com o tempo. Perseguir menos o imediato e ter mais paciência nos ajudará a dar um passo atrás e enxergar com clareza o que está acontecendo na sociedade.