A qualquer momento quando você estiver lendo este texto, Barcelona, a segunda maior cidade espanhola e a capital da Catalunha, deve entrar na fase 3 do processo de desconfinamento criado pelo governo para tirar seus cidadãos da quarentena e colocar a economia em funcionamento. Eu já contei por aqui como foi o processo de lockdown na cidade catalã, que começou em 14 de março e se estendeu de forma dura até o começo de maio com restrição total de movimentação da maior parte da sociedade.
Foi apenas no dia 2 de maio que, através das franjas horárias, pessoas maiores de 14 anos, que não estavam contaminadas e não tinham sintomas, puderam sair às ruas em horários pré-determinados para fazer exercícios ou simplesmente passear por suas cidades. Esses horários, que iam das 6h às 10h da manhã e das 20h às 23h da noite, se tornaram a primeira experiência ao ar livre para a parte da população considerada fora do “grupo de risco” – que aqui na Europa ficou centrado nos mais velhos; já idosos acima dos 65 anos tinham outra franja horária definida (entre 10h e 12h e das 19h às 20h), enquanto famílias com crianças podiam sair das 12h às 19 horas.
O período de contato escalonado com o mundo “do lado de fora” ainda não contava a maioria dos comércios abertos: apenas quem podia fazer entregas em casa estava funcionando, além de farmácias e supermercados, claro. Essa era a chamada fase 1 do desconfinamento. A mudança para as fases seguintes foi acontecendo de maneira gradual: regiões com menos habitantes, como nas Ilhas Baleares (Maiorca e Menorca), moveram-se mais rápido rumo ao desconfinamento.
RETORNO CUIDADOSO À “NORMALIDADE”
É preciso lembrar que, no pico da pandemia de Covid-19 na Espanha, apenas médicos e outros profissionais de saúde, além de bombeiros, policiais, os ministros e o presidente, claro, bem como serviços essenciais seguiram funcionando. As multas para quem descumprisse a quarentena obrigatória podia chegar a alguns milhares de euros e havia policiais espalhados, aqui em Barcelona, principalmente pelas áreas turísticas. Ir à praia? Nem pensar. Circular à toa? Multa na certa.
Com a população majoritariamente obedecendo às regras, o país foi diminuindo o contágio e o número de mortes. Ainda assim, ao todo, registrou mais de 27 mil mortos – no auge da crise sanitária morriam mais de 900 pessoas por dia. Era assustador para quem estava dentro de casa passar dias e dias vendo a contaminação nas alturas. Ao todo, contabiliza-se, até a metade de junho, mais de 244 mil contaminados. Os dados, no entanto, estão bem abaixo do Brasil, que é hoje o segundo país do mundo em número de casos e de mortes no ranking mundial. Como se sabe, perde apenas para os Estados Unidos.
Foi somente na fase 2 que outros tipos de comércio – que não os essenciais – voltaram a abrir. Ainda assim, restaurantes e bares, por exemplo, têm uma restrição de ocupação e guardam medidas obrigatórias de higiene. Nas lojas de roupas tudo precisava ser desinfetado. Até por isso, inicialmente, apenas as marcas maiores e mais robustas financeiramente, como a espanhola Zara e a italiana Intimissimi, recebiam clientes em número contado. Eu mesma fiz o teste: fiquei numa microfila de 10 pessoas para entrar em uma loja da Zara numa das áreas centrais de Barcelona. Eram poucas peças disponíveis, poucos funcionários ainda circulando e linhas no chão para delimitar os espaços a serem ocupados dentro do lugar. Depois de provadas, as roupas que não fossem compradas precisavam passar por um steamer.
Às vésperas da fase 3, Barcelona permite reuniões de até 10 pessoas em ambientes fechados; banho de mar sim, mas aglomerações na praia não; passeios na orla, porém não em grupos; e museus e parques voltaram a abrir. A própria da Sagrada Família, o ponto turístico mais visitado da Espanha erguido pelo arquiteto Antonio Gaudí, passou todo esse tempo fechada. Reabre agora para moradores e com um controle maior do número de visitantes. Para a alegria geral, a entrada será gratuita neste primeiro momento.
Duas situações me marcaram muito nesse processo de quarentena e de desescalada em blocos. A primeira, foi a presença constante de Pedro Sánchez e dos ministros do governo, principalmente o da saúde, Salvador Illa, em pronunciamentos que aconteciam diversas vezes na semana. Eles eram sabatinados por jornalistas de forma dura, e precisavam prestar contas de tudo que era feito, e quais seriam os próximos passos, inclusive sobre os auxílios econômicos dados à população. As temidas prorrogações do chamado “Estado de Alarma” foram várias e eu me lembro da sensação de impotência ao saber que viriam outras duas semanas em casa. Eu me recordo fortemente de 3 extensões pedidas no parlamento, que potencializavam essa sensação de que eu nunca mais iria sair às ruas.
Conforme a questão sanitária foi melhorando, Itália e Espanha pressionaram os países europeus do norte para que a União Européia encarasse unida o desafio econômico, já que diversas empresas fecharam e milhares de pessoas perderam o emprego. Em Barcelona, um caso que chamou a atenção foi o da montadora Nissan, que encerrou suas atividades na Catalunha fechando três fábricas e despedindo 3 mil funcionários. Indiretamente, esse mfechamento também abalou os rendimentos de outras 20 mil pessoas.
O QUE MUDA NA NOVA FASE
A Espanha foi um dos países que fez o “retorno” mais lento à “nova normalidade”, principalmente se comparado à Itália. Isso porque, de acordo com Sanchez e seu gabinete, um rebote da doença, ou seja, um retorno da contaminação em massa, seria quase fatal para a economia espanhola, que depende bastante do turismo, área duramente atingida no planeta inteiro por causa da pandemia.
A quarentena na Espanha evitou cerca de 450 mil mortes, segundo os resultados publicados pela conceituada revista “Nature”. A fase 3 mantém algumas medidas, como o uso de máscaras e, principalmente, para quem usa o transporte público. Aumenta ainda o número de mesas nas terraças – cuja ocupação de anterior era de 50% e passa para 75%. Lojas podem receber clientes até 50% de sua capacidade, mantendo rotinas de higiene diversas vezes ao dia. E a grande estreia aqui será para teatros e cinemas, que poderão reabrir, mas com capacidade reduzida. Hotéis, que já podiam funcionar na fase 2, agora poderão colocar em uso suas áreas comuns.
Me recordo que ao andar livre na rua, pela primeira vez, em 2 de maio, e ver os outros ao meu entorno, não pude conter uma certa emoção: tanto como jornalista, quanto como pessoa, eu estava, sim, vivendo um momento histórico. Ainda assim, é preciso aguardar com cautela os próximos passos.
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