Em setembro do ano passado, 32 pessoas foram internadas às pressas por suspeita de intoxicação de alimentos. Elas estavam no Centro Territorial de Educação Profissional (Cetep), em Vitória da Conquista, na Bahia. Semelhantemente a esse caso, em dezembro de 2023, ocorreu outro. No episódio, um homem de 58 anos morreu e duas mulheres foram hospitalizadas após comerem doces na Doceria Mariana Perdomo, em Goiânia, capital do Goiás.
De maneira idêntica, em janeiro desse ano, três mulheres passaram mal. Elas apresentaram, como sintomas, fortes dores abdominais, diarreias, náuseas e vômitos. O mal estar se deu após um jantar de comida japonesa no Restaurante O Butiquim, em Anápolis, também em Goiás.
Certamente, casos como esses são mais frequentes do que se imagina.
Quem nunca encontrou um alimento vencido na prateleira do mercado? Leite azedo, carne com aspecto diferente, falta de higiene ou manuseio incorreto no preparo dos alimentos… O que o consumidor pode e deve fazer nessas ocasiões?
Em primeiro lugar, para amparar o consumidor, há um dispositivo específico no Código de Defesa do Consumidor (CDC) para tratar desse assunto. Estamos falando do artigo 18, o qual estabelece que são impróprios para consumo os produtos que não informem a data de fabricação e validade de forma legível, ou cujos prazos de validade estejam vencidos. Ademais, o CDC classifica como “proibidos” para comercialização os produtos que se apresentem adulterados, deteriorados, avariados, falsificados, corrompidos ou fraudados. A Lei nº 8.078/1990 também classifica como “impróprios” os alimentos em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação.
Dia Mundial da Segurança dos Alimentos
Com efeito, na tentativa de atrair a atenção e inspirar ações para prevenir, detectar e gerir os riscos relacionados à segurança alimentar, é que existe o Dia Mundial da Segurança dos Alimentos. Uma resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas criou a campanha, celebrada no dia 7 de junho, em 2018.
Neste ano, o tema é “Segurança dos alimentos: preparando-se para o inesperado”.
O objetivo é atrair a atenção e contribuir para a inocuidade dos alimentos, saúde humana, prosperidade econômica, agricultura, acesso a mercados, turismo e desenvolvimento sustentável.
Os organizadores escolheram o tema deste ano em princípio devido à variação dos incidentes relacionados à segurança alimentar, que podem ir desde eventos menores até crises internacionais significativas. E isso pode acontecer após uma intoxicação alimentar em um restaurante do bairro. Ou a partir de uma falha de energia em um estabelecimento. Há também a possibilidade de ocorrer insegurança alimentar após a retirada voluntária de produtos contaminados por um fabricante, um surto originado em produtos importados ou até um desastre natural.
Os perigos dos alimentos
Fato é que os perigos para a segurança alimentar não têm fronteiras. Em síntese, a globalização resultou em uma crescente interconexão das cadeias de abastecimento de alimentos. Por consequência, aumentaram os riscos associados aos alimentos não seguros. E, em conclusão, o problema pode evoluir rapidamente de algo local para uma emergência de alcance global.
A ONU propõe então que governos estejam preparados para incidentes que afetam a segurança alimentar. Entre os planos propostos, está o comprometimento ou a atualização de planos nacionais para intervenções em emergências alimentares. Ademais, destaque para o reforço nos sistemas de controle, o aumento da capacidade de vigilância e coordenação, além da melhoria da comunicação com a indústria alimentar e o público. Por sua vez, a indústria alimentar pode aprimorar seus planos de gestão da segurança alimentar, compartilhar experiências e colaborar entre si, enquanto melhora a comunicação com consumidores.
Em contrapartida, os consumidores devem estar cientes de como relatar ou responder a incidentes relacionados à segurança alimentar e conhecer as consequências de imprevistos em casa, preparando-se para reagir de forma adequada.
Hoje, mundialmente, estima-se que uma em cada dez pessoas fiquem doentes após consumir alimentos contaminados, resultando em 420 mil mortes a cada ano. As crianças menores de 5 anos são as mais afetadas, representando 125 mil mortes anuais. Os dados são da ONU.
Agenda 2030 e os alimentos
Em um mundo onde a complexidade da cadeia de abastecimento de alimentos aumentou, qualquer evento adverso à segurança alimentar pode ter repercussões negativas em escala global, impactando a saúde pública, o comércio e a economia.
Alimentos seguros são essenciais para promover a saúde e combater a fome, dois dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030. Em nota, a ONU diz que este dia internacional representa uma oportunidade para reforçar os esforços na redução do risco de doenças transmitidas por alimentos, garantindo a segurança dos alimentos que consumimos.
Doenças
As Doenças Transmitidas por Alimentos são conhecidas como DTAs. Existem mais de 250 tipos de DTAs em todo o mundo, a maioria representada por infecções bacterianas, vírus e outros parasitas. As DTAs são importantes causas de morbidade e mortalidade globalmente, tornando-se um crescente problema econômico e de saúde pública em muitos países nas últimas duas décadas. Múltiplos surtos de DTAs ganham destaque na mídia e despertam o interesse dos consumidores.
Estima-se que o problema aumentará no século 21, principalmente devido a mudanças globais como crescimento populacional, pobreza, exportação de alimentos e rações animais, o que impacta a segurança alimentar mundial.
A ocorrência de DTA está relacionada a diversos fatores, como más condições de saneamento e qualidade da água, práticas inadequadas de higiene pessoal e consumo de alimentos contaminados. Bactérias, principalmente salmonella, escherichia coli e staphylococcus, causam a maioria das DTAs no Brasil. Há também surtos de DTA causados por vírus, como rotavírus e norovírus, e em menor proporção por substâncias químicas.
Inovação
Na tentativa de oferecer mais segurança alimentar para os consumidores, uma nova tecnologia chega para revolucionar ainda mais a cadeia de alimentos: o QR Code Padrão GS1, da Associação Brasileira de Automação.
Quem explica melhor é João Carlos de Oliveira, presidente da GS1 Brasil: “um único código serve para vários propósitos e traz benefícios para quem produz e para quem leva os alimentos para a mesa do consumidor”.
Essas combinações contêm dados essenciais para agilizar o processo de compra no caixa, otimizar o controle de estoque e fornecer informações para um rastreamento mais eficiente. O objetivo é entender melhor o perfil dos clientes. O novo QR Code padrão GS1 está em processo de transição em todo o mundo. Outros benefícios são: mais possibilidades ao promover a rastreabilidade dos produtos, desde a sua origem; além de permitir ações de marketing e de sustentabilidade. Também possui maior capacidade de armazenar dados, ocupando um espaço menor nas embalagens dos produtos.
Impactos
Mas, afinal, qual é o impacto dessa principal mudança? João Carlos de Oliveira explica que são muitos. Entre eles, destaque para as informações sobre a rastreabilidade do produto por meio do número do lote; dados sobre o quão fresco esse produto é por meio da data de vencimento e do prazo de validade; medidas variáveis, como contagem de itens dentro da embalagem, o peso líquido e até mesmo o preço.
Além disso, há a redução de custos e mais agilidade nos processos de recall; maior facilidade para localizar itens em toda a cadeia; e melhor experiência e transparência nas informações disponibilizadas ao consumidor.
Combate ao desperdício
“Ou seja, um único código servirá para diferentes propósitos. Por exemplo, hoje há um certo controle sobre estoque e produtos comercializados nos pontos de venda. Mas o controle proporcionado pelo QR Code Padrão GS1 é ainda maior, com mais visibilidade de informações no sistema”, enaltece. Isso permitirá que varejistas evitem perdas e consigam combater o desperdício de produtos de forma mais efetiva. Em suma, a informação será mais rápida e precisa.
Pensando em alimentos, é ainda mais crucial para um eficiente controle de estoque e estratégias para reduzir a perda de produtos altamente perecíveis. Além disso, fica mais simples monitorar e até mesmo bloquear a venda de itens vencidos diretamente nos caixas dos estabelecimentos. Em relação à experiência proporcionada aos consumidores, o grande diferencial é que, com apenas um aplicativo no celular, eles agora podem escanear o código presente nas embalagens e ter acesso a diversas informações sobre o produto desejado e a marca.
O QR Code permite que o usuário interaja ao ler o código com a câmera do celular ou tablet, possibilitando o acesso a uma variedade de informações, como textos, vídeos, opções de download, brindes ou qualquer conteúdo que o produtor queira disponibilizar ao público.
Alimentos orgânicos
No quesito “segurança alimentar”, o consumo de alimentos orgânicos vem ganhando espaço na mesa dos brasileiros. “Orgânico” é um vocábulo de rotulagem que designa que o alimento é produzido consoante normas intrínsecas que coíbem o uso de agroquímicos.
Entre os motivos que mais incentivam os consumidores a optarem por alimentos orgânicos estão a preocupação com a saúde pessoal e da família, bem como a garantia da origem dos produtos. Por outro lado, existem alguns obstáculos para a compra de alimentos orgânicos. Entre eles, em primeiro lugar, o preço elevado; E, com toda a certeza, a dificuldade em encontrar os produtos nos mercados e a falta de informações sobre os alimentos dificultam a oferta.
No Brasil, a legislação que dispõe sobre a agricultura orgânica foi publicada em 2003, sob forma da Lei nº 10.831. Depois, vários decretos e instruções normativas foram divulgados.
A pesquisa “Panorama do Consumo de Orgânicos no Brasil 2023“, realizada pela Brain Inteligência Estratégica, revela os hábitos alimentares dos brasileiros em relação aos produtos orgânicos. Conforme os resultados, 46% da população brasileira consome alimentos orgânicos. Esse dado indica o crescente interesse por uma alimentação mais saudável e responsável.
O estudo também apontou um aumento de 16% no consumo desses produtos entre 2021 e 2023, evidenciando a valorização da qualidade e origem dos alimentos. A região Nordeste se destaca no consumo de orgânicos, com 45% dos entrevistados consumindo esses produtos, seguida pelo Centro-Oeste, com 42%, e pelo sudeste, com 30%. Esses números mostram que, apesar dos preços mais altos em relação aos alimentos convencionais, os brasileiros estão dispostos a investir em uma alimentação que consideram mais saudável e ética.
Cultura orgânica
Sabendo disso, é que a ONG Aventura de Construir (ADC) existe. Ao mesmo passo que ela propaga a cultura orgânica, a entidade fortalece o empreendedorismo das populações de baixa renda na periferia das cidades brasileiras. A ideia é que os assistidos consigam abrir e manter seus próprios negócios.
Na ADC, coordenada pela italiana Silvia Caironi, economista pela Universidade Católica de Milão e mestre em gerenciamento de projetos pela George Washington University, é oferecido capacitação técnica, cursos, orientações para que famílias melhorem suas capacidades de renda.
Fabíola Rubas, de Curitibanos/SC, é uma das assistidas. Ela nasceu em um acampamento de Quilombo e durante muitos anos viveu com a família num acampamento em Abelardo Luz, no oeste catarinense. Hoje mora num lote com agroflorestal na cidade de Curitibanos, também em Santa Catarina, num assentamento já legalizado.
A casa onde a família mora é feita de taipa, foi construída pela família, como aprenderam a fazer com o avô. As paredes da casa são feitas de hiperadobe, ou terra ensacada. “São 30 famílias que conseguiram ser assentadas em 1997, pela reforma agrária. Estamos em uma área de 15 hectares, cercados por um rio”, explica.
A família de origem camponesa iniciou o processo agroflorestal na região em 2018, o primeiro na região, como olhar voltado para a sustentabilidade. Produzem diversos tipos de feijão, milho, quirela, canjica, cachaça. Também fazem geleia e licores com as frutas que cultivam, como figo, tarumã, guariroba, guamirim, butiá – frutas nativas da mata atlântica.
Venda x Consumo
Plantaram 40 araucárias, de onde hoje também conseguem colher pinhão. A venda é feita de forma artesanal e direta, por encomenda, e toda a produção é levada para Florianópolis a cada dois meses. “Também fazemos destilação de álcool em alambique. Na pandemia, inclusive, chegaremos a fornecer álcool para hospitais da região que estavam sem insumos”, explica Fabíola Rubas.
Outra história é a de Maristela Canepelle, de Gonçalves, sul de Minas Gerais. Ela atua no ramo do empreendedorismo orgânico desde 1988, quando fez sua primeira tentativa de plantio. Com uma empresa de 23 anos, seu foco principal é obter a certificação de produtores orgânicos junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e a agências certificadoras e de auditoria. O processo de certificação é complexo, por isso ela atua como facilitadora para agricultores orgânicos com base na Lei Brasileira de Orgânicos.
“Os produtos orgânicos têm um rigoroso controle de produção e rastreabilidade, registrando desde o tipo de semente, datas de plantio, adubação, insumos utilizados, até a colheita, entre outros detalhes”, explica Canepelle.
Atualmente, ela é responsável por gerenciar a logística de distribuição e comercialização de produtos orgânicos entre o sul de Minas, Vale do Paraíba e São Paulo, além de enviar parte da produção para o sul do país e para a Bahia. Com aproximadamente 40 produtores certificados que oferecem cerca de 300 produtos diferentes, que vão desde pitayas até alcachofras, ela movimenta em média de 8 a 10 toneladas de produtos orgânicos por semana.
Os desafios
Possuindo um galpão/entreposto em Gonçalves–MG e outro em São Paulo, a empresa adquire diretamente dos produtores orgânicos e revende para mercados e lojas. Todos os lotes são montados na central em Gonçalves, onde também são feitas a separação das mercadorias e a rastreabilidade dos produtos até chegar ao consumidor final.
Atualmente, a empresa conta com dez funcionários registrados, dez prestadores de serviços diários para os dias de carregamento e dois motoristas terceirizados.
Maristela Canepelle procurou o “Aventura de Construir” para se aprimorar, pois o mercado de orgânicos passou por muitas transformações nos últimos anos. Buscando se manter atualizada, ela vem conhecendo novas ferramentas, estabelecendo novos contatos e compreendendo as mudanças do mercado.
Transformação positiva
Recentemente a Aventura de Construir foi um dos vencedores do prêmio Impactos Positivos 2023 que, anualmente, reconhece pessoas e organizações comprometidas com a transformação positiva da sociedade brasileira e global.
No recém-lançado documentário “Laços da Terra – Cultivando Caminhos Orgânicos”, podemos ver a história de Maristela e Fabíola. A obra relata as experiências de seis microempreendedores de diferentes regiões do Brasil que se dedicam ao cultivo sustentável de produtos orgânicos e agroflorestal.
Essas pessoas compartilham histórias de famílias que, diante das adversidades, aprenderam a empreender e conseguiram organizar seus negócios por meio de cursos e mentorias oferecidos pela ONG Aventura de Construir, com foco no empreendedorismo orgânico para microempreendedores, de modo totalmente gratuito.
Para ver o documentário na íntegra, clique aqui.
Cuidados
Alimentos são considerados produtos não duráveis. Sendo assim, caso haja suspeita de algo impróprio para consumo, o CDC orienta que o fabricante ou fornecedor faça o ressarcimento ao consumidor. Isso deve ser feito através da substituição imediata do produto ou com um desconto proporcional no preço.
Importante destacar que a responsabilidade recai tanto sobre o fabricante quanto sobre o comerciante, permitindo que o consumidor acione um ou ambos na Justiça. Via de regra, cabe ao fabricante a reparação do dano, mesmo sem comprovação. O comerciante também é responsável se a origem do problema não for identificada ou se a conservação do alimento estiver comprometida.
O consumidor pode procurar órgãos como o Procon ou a Vigilância Sanitária, que tomarão as medidas administrativas cabíveis contra o estabelecimento ou fabricante.
Reparação judicial
Em situações mais graves, também é possível buscar reparação judicial. Através da Justiça, é possível pleitear compensação por todos os prejuízos, sejam eles materiais, como despesas com médicos e medicamentos, ou danos morais. O impacto psicológico pode ser significativo, especialmente no caso de crianças, podendo causar traumas.
Para evitar problemas, é fundamental que o consumidor verifique as condições dos produtos em supermercados, como armazenamento, validade e qualidade visual. No caso de restaurantes, vale escolher estabelecimentos reconhecidos e com o selo da Vigilância Sanitária. Caso o consumidor deseje, é possível solicitar uma visita à cozinha, sem que o restaurante possa se recusar, exceto em relação à vestimenta adequada. Em caso de recusa, é recomendável contatar imediatamente o Procon ou a Vigilância Sanitária.