Muitas oportunidades nascem de dores identificadas ao longo do caminho de uso de um produto, serviço ou experiências. E para mapear essas dores é preciso ir além de desenvolver um alto poder de escuta. É necessário entender o serviço do ponto de vista de múltiplos outros, com necessidades, comportamentos e limitações específicos.
Nunca me esqueço de um workshop que dei para um grupo de profissionais com deficiência auditiva. Ao pedir ideias que melhorasse a experiência de determinados momentos de uma viagem, presenciei foco, motivação e vontade que não tinha visto antes. Aquele grupo tinha uma dor real, e solucioná-la era uma prioridade para melhorar a qualidade das suas vidas.
É nessas horas em que você entende o verdadeiro significado da palavra empatia, de não somente se colocar no lugar do outro, mas de sentir o que o outro sente. A expressão do grupo ao apresentar a ideia refletia a urgência daquela solução para amenizar a deficiência própria do serviço. Ao contemplar necessidades latentes de um grupo específico (que geralmente chamamos de perfil extremo), o serviço se torna mais bem preparado para atender a todos de uma forma geral. No caso, a ideia apresentada era uma solução para resolver a comunicação nos aeroportos.
A sinalização dos voos é feita por painéis visuais, que nem sempre acompanha o aviso sonoro. Ou seja, um deficiente auditivo obrigatoriamente vai se orientar por sua visão. Caso o aviso sonoro de mudança de portão aconteça de última hora (o que ocorre com frequência), as pessoas com limitações auditivas terão que correr pelos corredores. Esse foi o relato de quem passa por isso por mais vezes do que gostaria. Um serviço que ofereça diversas formas de aviso, devidamente coordenadas no tempo, facilitará a vida não apenas dos deficientes auditivos, mas de outras deficiências, limitações temporárias (pessoas que sofreram algum tipo de cirurgia), idosos com uma visão comprometida, e até estimular crianças em fase de alfabetização a partir de representações visuais mais simbólicas, coloridas e didáticas.
É preciso ressignificar nossas próprias concepções sobre o que é deficiência e entender que para qualquer serviço haverá perfis extremos, fundamentais para testar a sua abrangência e pertinência, ampliando sua relevância para o público em geral. É atender a uma maioria ao resolver as particularidades de múltiplas e diferentes minorias.
Felizmente vejo o crescimento de exemplos de soluções nascidas para resolver a deficiência do sistema a nossa volta. Cito alguns dos mais destacados criados recentemente.
Ikea ThisAbles que atende a uma necessidade latente de pessoas com alguma limitação física. Como os móveis para deficientes físicos costumam ser mais caros, a Ikea de Israel estendeu o propósito da empresa de fazer design acessível, adequando seus próprios móveis para essas necessidades (criando e prototipando os móveis com a ajuda desses próprios usuários). Treze produtos novos foram criados e estão disponíveis no site www.thisables.com para que possam fazer o download e imprimir em 3D.
Go Back To Africa: esse trabalho ajudou a reenquadrar a maneira como as pessoas pensam sobre a Africa ao criar uma plataforma que discorre sobre o ódio em torno do insulto racial.
The E.V.A. Initiative, da Volvo Cars, by Forsman & Bodefors, Gothenburg (Creative Strategy). A campanha visa melhorar a igualdade de gênero na segurança dos carros, a partir de pesquisas, ajudando outras montadoras a produzir carros mais seguros.
See Sound, um produto que pode revolucionar a vida de pessoas com deficiência auditiva. O aparelho é conectado à internet e colocado em tomadas pela casa e, assim, capta qualquer som diferente ao redor. A partir de uma análise sonora via inteligência artificial, busca referências e envia uma mensagem de texto para o celular da pessoa, como “som de uma criança chorando”, “som de alarme de incêndio”, “som de janela batendo”, etc. O interessante é que o fundador deste projeto, Greyson Watkins, é o próprio usuário com deficiência auditiva, um exemplo do comentado no início deste texto, sobre a motivação de resolver um problema, a partir de quem o sente no dia a dia.
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*Por Graziela Di Giorgi, CGO e diretora Brasil da SCOPEN.
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