O uso de dados segue sendo fator fundamental para a tomada de decisão nas empresas, mas nem sempre isso deve significar uma semente para a aplicação futura de Inteligência Artificial. Primeiro porque não existe solução que seja resposta universal para todo e qualquer problema de negócio e, segundo, porque IA, principalmente a generativa, continua sendo cara e complexa – e às vezes até ecologicamente insustentável.
Essas foram algumas das conclusões a que chegaram os participantes do painel “Da análise à ação: a importância da inteligência de dados para tomada de decisão”, realizado durante o CONAREC 2024. A diretora-executiva e sócia do BCG, Candice Mascarello, foi a mediadora da conversa.
Rafael Cavalcanti, Chief Data and Analytics Officer do Bradesco, destaca alguns eixos de valor possíveis de se obter com o uso de dados. O primeiro, diz ele, é a melhoria da experiência do cliente em si. “Os pontos de contato que temos com o cliente significam capacidade de gerar experiências únicas para ele. É fundamental entender que quando temos uma visão única do cliente, isso gera engajamento duradouro”, explica.
Para o executivo, também é possível criar oportunidades mais proativas de compra em momentos mais assertivos. Além disso, os dados também são uma excelente fonte de melhoria da eficiência operacional das companhias.
“Por último, está a nossa capacidade de gerar negócios a partir de diálogos com os clientes que façam sentido. Não existe nada mais invasivo do que oferecer algo inadequado no momento errado, mas também nada é mais satisfatório do que receber a recomendação bacana na hora que precisa, com quando se está buscando um filme naquela plataforma de streaming”, diz.
Evandro Brandão, diretor de desenvolvimento de negócios da Konecta, empresa especialista em outsourcing, chama atenção para a qualidade dos dados para que esses objetivos sejam alcançáveis. Para ele, é importante que as empresas tenham áreas de dados estruturadas com equipes técnicas qualificadas para organizar tanta informação.
“O interessante é quando começamos a modelar e fazer análises descritivas, e agora, com o advento da IA, conseguimos avançar um pouco mais. Consigo gerar insights que vão trazer melhorias no processo de atendimento, em recomendação para a área de qualidade, de clientes etc. O grande ponto é fazer as perguntas corretas”, pondera.
O especialista cita o caso de um banco, cliente da Konecta, que faz análise de qualidade de 15 empresas de cobrança que prestam serviços. Com isso, é possível gerar insights suficientes para ajustar o processo dessas empresas e aumentar o índice de satisfação delas de 65% para 85%.
Aplicando na prática
Lilian Hoffmann, membro do conselho do Instituto Brasil Digital, traz algumas experiências de instituições de saúde quanto ao uso de dados para tomada de decisões. Segundo a executiva, muito embora o setor tenha como cultura a coleta e o uso de dados – afinal, a medicina é uma ciência baseada em evidências –, a digitalização desse movimento ainda é novidade.
“[O setor de saúde] vem correndo atrás do prejuízo e tentando usar os dados para diminuir desperdícios. Por conta da falta de interoperabilidade [entre instituições do setor], temos um grande desperdício: os pacientes repetem exames, vão para outro serviço, muitas vezes acham que isso o fará ser melhor diagnosticado”, explica.
Para Hoffman, o desafio é “colocar o dado no centro”. Um projeto desenvolvido pela Beneficência Portuguesa de São Paulo, por exemplo, tem usado dados para reduzir a incidência de sepse (a infecção hospitalar generalizada). É uma ocorrência grave, com índice de mortalidade no Brasil de 65%, em média. Mas o uso de dados na BP para identificação precoce de infecções baixou esse índice no hospital para 16,5%.
“A gente dificilmente vai conseguir evoluir sem de fato trabalhar bem os dados”, pondera Daniel Frankenstein, head de dados, marketing e CRM da ConectCar. A empresa tem IA para analisar dados de pagamento dos clientes e buscar melhorar a experiência deles.
No entanto, Daniel alerta que existe uma “certa saturação de informação disponíveis” para empresas que coletam os dados, o que gera muitas oportunidades, “mas, ao mesmo tempo, sem trabalhar essas informações adequadamente, problemas podem ser gerados”.
Segundo Thiago Labliuk, head Sênior de Riscos e Prevenção da Endered, a empresa tem trabalhado com dados e experimentado usos de IA. O executivo cita uma mudança recente que a empresa de pagamentos Ticket teve que fazer: abrir mão de regras rígidas em prol do cliente.
Por exemplo, a empresa deixou de estabelecer regras sobre o horário em que seu meio de pagamento de vale refeição poderia ser usado, porque alguns restaurantes “aceitam esse tipo de pagamento de madrugada, e impedir isso seria uma grande perda de negócios”, diz ele. “Hoje temos uma série de subsegmentações completamente adaptativas, ou seja, os clientes se comportam diferente e a gente tem que ter sensibilidade de entender.”
Casos de insucesso
Para Labliuk, muito embora a IA seja uma ferramenta poderosa para as empresas, nem sempre ela é necessária ou adequada. “Toda vez que ficamos entusiasmados com uma nova tecnologia, queremos lançar produtos no dia seguinte. O problema é como desenvolver essa tecnologia de forma responsável. É preciso ter equilíbrio”, pondera.
Segundo ele, “o simples ainda funciona” para vários dos desafios de negócio atuais, e investir em sofisticação nem sempre é a resposta. Além do que, o uso de grandes bancos de dados e, principalmente, de modelos de IA generativa, representam um grande consumo de energia e trazem potencial impacto ambiental que precisa ser calculado.
Lilian Hoffman cita o “boom” dos grandes modelos de linguagem como um gerador de expectativas nem sempre fáceis de cumprir por parte das empresas – ou mesmo necessárias. Na BP, por exemplo, houve a tentativa de usar IA generativa para analisar imagens radiológicas. “Mas o radiologista já sabia fazer os laudos. A IA ia agilizar o que? O MVP não agregava nada”, lembra a executiva.
Depois, durante processos de discussão, descobriu-se que a ferramenta poderia ser útil, mas para os médicos plantonistas de pronto atendimento, que não são especialistas e acabavam laudando exames na ausência dos radiologistas. Nesse caso, houve ganho: o volume de pedidos de tomografia para confirmar diagnósticos caiu 5%.