A partir de 1º de julho, novas regras para os planos de saúde entram em vigor com a promessa de ampliar o acesso e garantir mais transparência para os beneficiários. Entre as principais alterações, destacam-se a obrigatoriedade de inclusão de terapias e tratamentos inovadores que tenham comprovação de eficácia, além da ampliação dos prazos para cumprimento das solicitações de autorização prévia para procedimentos.
Os planos de saúde deverão também reforçar a transparência nas informações apresentadas aos usuários, garantindo um atendimento mais claro e eficiente. As operadoras têm a responsabilidade de informar os beneficiários sobre seus direitos e deveres, bem como sobre as coberturas disponíveis em seus contratos. Com essas mudanças, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) espera proporcionar um ambiente mais justo e acessível para todos os usuários de planos de saúde, promovendo a equidade no acesso aos cuidados de saúde.
Em síntese, a Resolução Normativa reforça princípios fundamentais no atendimento, como:
- Transparência, clareza e segurança das informações;
- Rastreabilidade das demandas;
- Cortesia no relacionamento com o consumidor;
- Resolução efetiva nas Centrais de Atendimento (SACs);
- Avaliação e monitoramento interno dos resultados obtidos.
O que muda para as operadoras de saúde?
Para facilitar a compreensão e a aplicação da norma, a ANS criou um documento com perguntas e respostas (FAQ). O objetivo do documento é esclarecer os planos de saúde de dúvidas acerca das novas regras.
De acordo com a ANS, o aumento das reclamações registradas tem sido monitorado ao longo do tempo por meio de indicadores. Entretanto, até o momento, não havia consequências regulatórias ou fiscalizatórias voltadas para esse aspecto. Agora, com a nova normativa, busca-se alterar essa situação, criando repercussões e efeitos para as operadoras que não cumprirem determinadas metas relacionadas ao volume de reclamações. Por outro lado, aquelas que adotarem uma postura proativa para ajustar seus processos de trabalho receberão incentivos.
Rogério Scarabel, sócio do M3BS Advogados, atua no setor de saúde desde 2004. Ele comenta que a norma impõe que as operadoras melhorem o relacionamento com o consumidor. Isso envolve prazos mais claros, linguagem acessível, canais de atendimento mais estruturados e maior transparência em todas as etapas. A Agência quer que o beneficiário tenha respostas rápidas, saiba exatamente o que foi decidido sobre sua solicitação e consiga acompanhar tudo, inclusive digitalmente. A lógica é: resolver o problema direto com a operadora, sem precisar acionar a ANS ou a Justiça”.
Consumidores versus planos de saúde
Questionado pela Consumidor Moderno sobre os pontos que os consumidores devem se atentar, Scarabel elenca, em primeiro lugar, aos prazos específicos para responder os pedidos. Agora, serão de até sete dias úteis para assuntos não assistenciais e até dez dias úteis para procedimentos de maior complexidade, como internações eletivas. Em casos de urgência e emergência, a resposta tem que ser imediata. Ademais, o beneficiário tem o direito de saber, em tempo real, o status de sua solicitação. “Também vale prestar atenção se a operadora está entregando os protocolos de atendimento e se oferece canais digitais funcionais para acompanhar as demandas”, orienta o especialista.
Na prática, para os consumidores, para os consumidores, as novas regras representam mais poder de cobrança, mais segurança e mais clareza. O usuário terá acesso garantido a tudo que diz respeito ao seu atendimento, inclusive às negativas, que agora precisam ser justificadas de forma detalhada, com base no contrato ou na lei.
E se o pedido for negado?
Nesse caso, de acordo com Rogério Scarabel, ele poderá pedir uma reanálise da demanda direto na Ouvidoria da operadora, sem complicação, e com resposta em até sete dias úteis. Isso agiliza a resolução de pendências, reduzindo a necessidade de recorrer à ANS ou ao Judiciário.
Recusa da parte da operadora de saúde
Quanto às obrigações específicas das operadoras em relação à formalização de negativas, funcionará da seguinte forma:
- Toda negativa de um procedimento de saúde deve ser formalizada por escrito, em linguagem clara, explicando o motivo e indicando exatamente a cláusula contratual ou norma legal que justifica a recusa.
- A resposta precisa ser entregue ao beneficiário dentro do prazo legal, de forma que ele possa imprimir ou salvar o documento.
- A operadora precisa informar, no mesmo momento da negativa, que o consumidor tem o direito de solicitar a reanálise pela Ouvidoria.
Consulta de processos pela internet
Sobre os canais digitais, a nova norma da ANS exige que o beneficiário consiga consultar, pela internet, o andamento de qualquer solicitação feita à operadora. Isso deve ser oferecido de forma simples, clara e acessível, sem depender de atendimento humano. Ainda assim, o consumidor também poderá contar com canais telefônicos e presenciais – inclusive com opção de falar com um atendente real.
A operadora que não cumprir as regras pode ser penalizada com multa de até R$ 30 mil por infração. Se ela tiver um histórico ruim de reclamações, a ANS pode tratar esse descumprimento como agravante em outras sanções.
Por outro lado, quem estiver com o índice de reclamações baixo poderá receber desconto nas multas. “Esse é um mecanismo da ANS para estimular o bom atendimento e a prevenção de conflitos. É uma mudança de cultura. A ANS está deixando claro que quer menos reclamação formal e mais solução prática no primeiro contato. Para o consumidor, isso é ótimo. E para as operadoras, é uma oportunidade de se reorganizar, melhorar seus processos internos e se aproximar de quem realmente importa: o beneficiário”.
Desafios para o setor
Apesar de considerar a Resolução Normativa da ANS como um avanço, Lucas Miglioli, também sócio da M3BS Advogados, elenca os principais pontos críticos do setor hoje:
- Desequilíbrio entre direitos e deveres: a lei e a jurisprudência caminharam para uma hiperproteção do consumidor, sem a devida contrapartida de corresponsabilidade nos custos e na prevenção.
- Risco atuarial comprometido: com a imprevisibilidade judicial, a precificação dos planos se tornou mais complexa, especialmente em produtos coletivos por adesão e PME.
- Restrições contratuais desconsideradas: o Judiciário frequentemente afasta cláusulas excludentes previstas em contrato e amparadas pela ANS, gerando passivos e incertezas jurídicas.
- Fraudes e uso indevido dos planos: a Lei dos Planos de Saúde não criou mecanismos eficazes para coibir o uso indevido, e a responsabilização por fraudes médicas e odontológicas ainda recai, em grande parte, sobre as operadoras.
- Crescente dificuldade em inovar: a rigidez regulatória dificulta a criação de novos modelos de atenção à saúde, como o uso intensivo de tecnologia, telemedicina e modelos de pagamento baseados em valor.
- Judicialização crescente: as decisões judiciais obrigando as operadoras a custear procedimentos fora do rol – muitas vezes sem comprovação de eficácia ou custo-efetividade – geraram grande instabilidade e comprometem a sustentabilidade dos planos.
- Pressão regulatória e econômica sobre operadoras menores: as exigências de solvência e de capitalização criaram barreiras significativas à permanência de operadoras de pequeno e médio porte, contribuindo para concentração do mercado.
As novas regras buscam equilibrar direitos e deveres no setor e devem ser acompanhadas de perto pelos beneficiários para garantir o cumprimento das garantias estabelecidas.