A importância do café na vida do brasileiro vai muito além do sabor. Acordar, tomar aquele café quentinho e sentir o aroma no ar é um ritual que marca o início do dia para milhões de brasileiros. É o combustível que nos ajuda a enfrentar os desafios. Entretanto, a bebida está cada vez mais cara nas gôndolas do supermercado. O que, afinal, está acontecendo? É o que a Consumidor Moderno explicará hoje.
Mas, antes de responder essa pergunta, vamos voltar alguns meses no tempo. Mais precisamente no dia 14 de março de 2025. Nessa data, o Comitê Executivo de Gestão (Gecex) da Câmara de Comércio Exterior (Camex), vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), publicou a Resolução nº 709 no Diário Oficial da União. O objetivo era reduzir o preço de vários produtos considerados básicos na alimentação do brasileiro e evitar o desabastecimento.
Na ocasião, o Imposto de Importação de alguns alimentos, incluindo o café, foram reduzidos a zero.
Os produtos cujas alíquotas de importação foram reduzidas para 0% são:
- Café torrado, não descafeinado (exceto em cápsulas) – de 9% para 0%.
- Café não torrado, não descafeinado, em grão – de 9% para 0%.
- Carnes desossadas de bovinos, congeladas – de 10,8% para 0%.
- Milho em grão, exceto para semeadura – de 7,2% para 0%.
- Massas alimentícias não cozidas, nem recheadas – de 14,4% para 0%.
- Bolachas e biscoitos – de 16,2% para 0%.
- Azeite de oliva extravirgem – de 9% para 0%.
- Óleo de girassol, em bruto – de 9% para 0%.
- Outros açúcares de cana – de 14,4% para 0%.
- Preparações e conservas de sardinhas – de 32% para 0%, com cota de 7,5 mil toneladas.
- Óleo de palma – cota ampliada de 60 mil para 150 mil toneladas, com alíquota de 0%.
Por que então o café não baixa?
Fato é que, com a redução do Imposto de Importação, a população esperava que o custo de aquisição do café importado diminuísse. O que, em teoria, poderia contribuir para a estabilidade ou redução dos preços ao consumidor. No entanto, não foi isso que aconteceu. Pelo contrário. Inclusive, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o preço do café no Brasil subiu 80% entre abril de 2024 e abril de 2025.
E, agora, passados três meses da publicação da norma do Gecex, uma pesquisa da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic) mostra que a alta de preços está resultando na queda no consumo do café pelos brasileiros. Para se ter uma ideia, na comparação entre o quadrimestre de 2024 e o de 2025, há uma diminuição das sacas vendidas de –5,13%. De janeiro a abril de 2024, a entidade registrou vendas de 5.010.580 sacas. Já na comparação com os quatro primeiros meses de 2025, a comercialização caiu para 4.753.766 sacas. O pico da diminuição no comércio do produto foi em abril.
Na comparação com abril do ano passado, o consumo caiu 15,96%. Importante ressaltar que os dados da Abic dizem respeito ao consumo do café no varejo, o que representa de 73% a 78% do consumo interno do País.
As causas para o aumento
O aumento expressivo dos preços do café tem sido impulsionado por uma combinação de fatores estruturais e conjunturais. Em primeiro lugar, estão as mudanças climáticas severas que têm impactado as regiões produtoras. Secas prolongadas vêm afetando a produtividade e ciclo das lavouras; as geadas, como a de 2021, danificaram milhões de pés em Minas Gerais, São Paulo e Paraná; as chuvas irregulares prejudicaram floração, colheita e pós-colheita; e a temperatura média mais elevada acelerou a maturação dos frutos e reduziu a qualidade do grão, especialmente nas altitudes mais baixas.
“São fatores que continuam a ocorrer e tornam a produção mais arriscada e custosa, além de impactarem diretamente a oferta global”, cita Lucas Santiago, sócio-associado da consultoria Mirow & Co.
Ele conta então que produtores tiveram que recorrer à irrigação para driblar a irregularidade das chuvas, com um custo que pode passar de R$ 1,3 milhão por fazenda. Para se uma ideia do impacto, nesse aspecto, o número de sistemas de irrigação por pivô central aumentou 14% no Brasil entre 2022 e 2024, conforme a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Ademais, a colheita de café demanda intensiva mão-de-obra, que tem sido cada vez mais cara e escassa, assim como a logística também encareceu, em função de transporte, armazenamento e exportação. O mercado internacional também pesou, puxando as cifras de defensivos agrícolas, fertilizantes e combustíveis, especialmente após a guerra na Ucrânia.
Consumo mundial de café
Noutra frente, o consumo mundial de café cresce a passos largos. E hoje está a 2,25% ao ano, segundo a Organização Internacional do Café (OIC), que vem tracionando os preços. Na China, na esteira da urbanização e ocidentalização de hábitos, o consumo de café vem aumentando 21% ao ano desde 2011, aponta a OIC, e o país já possui mais cafeterias que os Estados Unidos, de acordo com o World Coffee Portal: 49,6 mil em 2023, contra 42,7 mil pontos em solo americano, no ano de 2025.
Índia, Sudeste Asiático e mesmo países do Golfo também têm puxado o crescimento. Em mercados maduros, como o dos Estados Unidos e da Europa, a tendência é de sofisticação do consumo, com valorização de cafés especiais e sustentáveis.
Dos fatores climáticos e da alta demanda decorrem a migração de áreas produtoras, o que também insufla os preços das terras e do produto. A queda de produtividade em áreas tradicionais como o Cerrado Mineiro e o Norte de São Paulo, devido à maior incidência de calor e seca, já tem provocado abandono de cultura. Por outro lado, onde o microclima é mais estável para a espécie arábica, como Sul de Minas Gerais e regiões serranas do Espírito Santo e Santa Catarina, há maior procura pelo solo. “Essa migração eleva o preço das terras em regiões de ‘refúgio climático’, ao passo que pode depreciar as terras nas áreas tradicionalmente produtoras. Também gera deslocamento e requalificação da mão de obra, impactando o mercado local de trabalho”, explica o consultor.
Da terra para o supermercado
Dessa forma, toda essa movimentação reflete-se na gôndola também com produtos mascarados. E, agora , há os chamados cafés fakes, que têm sido intensificados para reduzir a pressão dos custos. Mistura excessiva de conilon com arábica sem a devida publicidade, inclusão de impurezas (como casca, milho, soja torrada ou outros subprodutos) e grãos de baixa qualidade e má torra são algumas táticas.
“O risco para o consumidor médio, que já enfrenta alta nos alimentos básicos, é consumir um produto de menor qualidade sem perceber. No longo prazo, isso pode comprometer a reputação da indústria e o consumo consciente do café”, alerta Lucas Santiago.
Resumo dos fatores para a alta do café
Resumindo, os principais fatores que estão contribuindo para a alta do café são:
- Volatilidade do mercado global de café. Os preços do café são influenciados por condições climáticas, pragas, e até mesmo por fatores econômicos em países produtores, como Brasil e Colômbia. Se houver uma colheita ruim nesses lugares, por exemplo, os preços podem continuar altos, independentemente das políticas internas de redução de impostos.
- Além disso, a questão da logística e transporte também desempenha um papel importante. Mesmo com a isenção de impostos, se os custos de transporte e distribuição aumentarem, isso pode se refletir nos preços finais. O aumento do preço do combustível e a escassez de contêineres, por exemplo, são problemas que têm afetado a economia global e a cadeia de suprimentos.
- Outro aspecto a ser considerado é a formação de preço do café pelos varejistas. Mesmo com a redução dos custos de importação, os comerciantes podem optar por manter os preços em níveis mais altos, visando compensar prejuízos anteriores ou simplesmente buscando margens de lucro maiores. Essa dinâmica de mercado pode ser especialmente forte em um cenário de alta demanda.
- Por fim, é importante também mencionar a dinâmica de consumo. O café é uma bebida popular e, por isso, sua demanda tende a ser inelástica; isto é, o consumo não reduz significativamente mesmo com aumentos de preço. Isso pode fazer com que os varejistas se sintam menos pressionados a reduzir preços, mantendo-os elevados diante de uma demanda constante. Nesse aspecto, a segmentação no mercado de café se aprofundará, criando mais categorias de luxo e pressionando os preços entre as mais populares.
Expectativas para o futuro
Segundo a consultoria Mirow & Co, o preço do café arábica pode cair até 30% até o final deste ano. Isso se a colheita brasileira se recuperar e os estoques globais se normalizarem. Entretanto, o cenário ainda é incerto, pois os fundamentos estruturais continuam pressionando o equilíbrio entre oferta e demanda, colocando em pauta o futuro do produto, sob o ponto de vista econômico, social e ambiental.
“Em um cenário pessimista, o café pode de fato se tornar um produto com perfil mais “premium”, especialmente os grãos especiais e puros, com o consumo se concentrando em grupos com maior poder aquisitivo”, garante Lucas Santiago.
O consumo per capita pode sofrer uma leve retração, principalmente entre os consumidores de baixa renda. Entretanto, o valor cultural deve preservar o volume total de consumo, o maior do mundo, segundo a Associação Brasileira da Indústria do Café: 5,01 kg de torrado e moído por habitante ao ano, o que rende 1.430 xícaras ao longo dos 12 meses (média de 3,9 xícaras por dia).
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