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CM Entrevista: “Existem muitos Brasis quando o assunto é consumo”

CM Entrevista: “Existem muitos Brasis quando o assunto é consumo”

Juliana Pereira destaca que, quando o assunto é consumo, cada região tem suas próprias necessidades, e entender essa diversidade é crucial.

Juliana Pereira é advogada especialista em Direito do Consumidor e mentora da plataforma Consumidor.gov. Com uma bagagem repleta de experiências em Políticas Públicas, Estratégias de Comunicação e no delicado equilíbrio das Relações entre Empresas e Clientes, ela se destaca como uma voz ativa neste universo dinâmico.

Em uma conversa com a Consumidor Moderno, Juliana Pereira revela os desafios mais prementes que os consumidores enfrentam atualmente, trazendo à tona questões que vão além do simples ato de comprar. Na visão da especialista, as relações de consumo hoje envolvem uma série de complexidades que requerem atenção especial. Juliana aponta que a falta de transparência na publicidade e a proteção contra práticas enganosas são somente algumas das principais preocupações. Além disso, a ascensão do comércio eletrônico trouxe à tona novos desafios, como a segurança dos dados pessoais e o direito à privacidade.

Nas nuances do consumo contemporâneo, a proteção dos direitos do consumidor se entrelaça com as expectativas de um mercado em constante evolução.

Os Brasis do Brasil

Consumidor Moderno: Quais são as principais dificuldades enfrentadas pelos consumidores atualmente?

Juliana Pereira: Baseando-se nos indicadores públicos que acompanho, é possível observar uma variedade de dificuldades, reflexo da diversificação socioeconômica que caracteriza o Brasil. Portanto, existem muitos e diferentes “Brasis”. E cada um desses “Brasis” apresenta desafios únicos, contudo persistem obstáculos estruturais básicos. Entre eles, estão:

  • A falta de acesso à água potável e ao saneamento básico;
  • Interrupções frequentes no fornecimento de energia elétrica – um problema que se estende até grandes centros urbanos, como São Paulo;
  • A precariedade do transporte público, que afeta milhões de consumidores.
  • A dificuldade de acesso a uma internet de qualidade;
  • Os altos preços dos alimentos, impactando de forma significativa os consumidores de menor renda.

Além dessas questões, nota-se a insatisfação dos consumidores com o aumento constante dos planos de saúde, os altos custos da educação e da moradia digna, assim como a crescente preocupação com a proteção da privacidade, especialmente diante da proliferação de golpes e fraudes em diversas formas. Em síntese, as dores dos consumidores são variadas e heterogêneas.

Inteligência Artificial

CM: As novas tecnologias estão, de fato, apoiando as relações de consumo?

Com certeza. A evolução tecnológica ampliou o acesso à informação, tornando o processo de registrar reclamações, pesquisar preços e comparar produtos e empresas mais ágil e eficiente. Paralelamente, ofereceu às empresas a possibilidade de diversificar os canais de comunicação com seus clientes, aperfeiçoando o atendimento e a experiência do consumidor.

Nesse sentido, é fundamental destacar o papel crítico das redes sociais e das plataformas de resolução de conflitos, como o Consumidor.gov. Acredito que essas inovações serão ampliadas pelo avanço da Inteligência Artificial, tornando essencial que as empresas e os órgãos públicos se preparem para essa nova era.

Código de Defesa do Consumidor

CM: Como você vê a evolução da defesa do consumidor nos últimos 35 anos, desde que o Código de Defesa do Consumidor nasceu?

Essa análise poderia resultar em um tratado, mas destacarei aqui alguns momentos que considero significativos.

Nos últimos 35 anos, um dos marcos principais foi a privatização dos serviços públicos e o surgimento das agências reguladoras. Nos últimos 30 anos, por exemplo, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) ainda estava em seus primórdios. Dessa forma, existia uma falta de integração entre essas duas frentes. Acredito que não houve uma visão estratégica capaz de harmonizar a agenda regulatória e a proteção do consumidor, gerando consequências que ainda reverberam na atualidade.

Outro aspecto relevante é a atuação incansável dos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, que desempenharam um papel crucial na implementação do CDC. Muitos dedicaram suas vidas a essa causa, consolidando avanços significativos. Ademais, a criação do Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec) proporcionou um meio efetivo para amplificar a voz dos consumidores, possibilitando a elaboração de uma agenda estratégica para a Política Nacional das Relações de Consumo. Com os indicadores do Sindec, foi viável estruturar e abordar discussões cruciais no âmbito nacional, como a histórica regulamentação do Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC), ações coletivas contra empresas de telefonia e muitos temas financeiros, entre outros.

Além disso, é importante reconhecer a relevância da atuação do Poder Judiciário, do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, especialmente pelas respectivas Comissões Especiais, que tiveram um papel destacado na evolução da defesa do consumidor no Brasil.

Outros destaques

Destacam-se ainda:

  • A criação da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon);
  • A implementação do Plano Nacional de Consumo e Cidadania (Plandec);
  • A participação ativa do Brasil na atualização das Diretrizes das Nações Unidas para Proteção do Consumidor;
  • Assim como a realização do Congresso da Consumers International em nosso país. Importante destacar que esse evento consolidou o Brasil como referência internacional nos temas de consumo.
CM: Quais são os principais desafios das relações de consumo atualmente?

Apesar de os desafios serem complexos e multifacetados, creio que um dos mais urgentes seja a necessidade de resgatar a integração e o fortalecimento do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. A construção de uma agenda comum, debatida e implementada de forma colaborativa entre órgãos de defesa do consumidor, reguladores e representantes do mercado, é essencial para o progresso da proteção ao consumidor.

É importante ressaltar que não há soluções únicas ou simplistas para os desafios atuais. Diante da multiplicidade de questões envolvidas, é imperativo unir esforços para garantir que o consumidor brasileiro tenha acesso a um mercado mais justo e equilibrado.

Uma visão sobre o futuro

CM: Como você enxerga o cenário futuro?

Eu acredito que o futuro das relações de consumo será ainda mais desafiador e dinâmico do que hoje. O consumo está inserido em um contexto global, há muito transcendeu as fronteiras locais. A oferta de bens e serviços torna-se cada vez mais transnacional, desde a Inteligência Artificial generativa até acordos para sustentabilidade ambiental, incluindo serviços regulados prestados por conglomerados multinacionais.

Portanto, é fundamental aprimorar a capacidade de análise dos movimentos econômicos e das dinâmicas dos mercados globais. Estabelecer parcerias estratégicas e preparar-se para debates cada vez mais sofisticados serão fatores determinantes para o progresso da proteção ao consumidor.

Omnichannel

CM: Sobre os canais de comunicação ao consumidor: quais são os obstáculos atuais para um atendimento mais eficaz?

A multicanalidade já se firmou como uma realidade. Atualmente, a maioria das empresas disponibiliza aos consumidores diversas opções de contato, desde comunicação por voz até canais digitais. Entretanto, o grande desafio ainda é garantir um atendimento resolutivo. O consumidor atual é dinâmico, bem-informado e exige respostas claras, precisas e embasadas. Uma grande oportunidade ainda inexplorada pelas empresas reside na construção de confiança e consistência nos canais de atendimento. Essa é uma das formas mais eficazes de reduzir a judicialização de conflitos.

Adotar a centralidade no cliente, criando jornadas de consumo fluidas e transparentes, onde cada ponto de contato esteja preparado para fornecer suporte adequado à decisão, representa também um avanço crucial. Além da agilidade e assertividade, é necessário aprimorar a capacidade de análise das “causas-raízes” das reclamações, assim como fortalecer o papel das Ouvidorias, transformando-as em instâncias institucionais eficazes e empoderadas dentro das organizações.

Por fim, é fundamental que as Ouvidorias não se tornem meros “cartórios internos”, e que as áreas de atendimento não sejam avaliadas apenas por indicadores de tempo médio de resposta ou recidivas. Caso contrário, corremos o risco de transformar essas áreas em simples “ativações de pedidos”, prejudicando significativamente o relacionamento entre empresas e clientes, aumentando a insatisfação e promovendo a judicialização. Quando essa dinâmica se estabelece, todos os envolvidos saem perdendo.

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