A transformação do mercado de consumo das favelas é um fenômeno que merece atenção. O crescimento da digitalização e a ascensão das plataformas online têm reconfigurado a relação entre consumidores e empresas, criando novas dinâmicas de acesso a produtos e serviços que antes eram restritos a grandes centros urbanos.
Neste contexto, a Consumidor Moderno conversou com Emília Rabello, CEO e fundadora da NÓS – Inteligência e Inovação Social, que fala sobre as mudanças no comportamento do consumidor nas favelas, especialmente em um período tão significativo como a Black Friday.

Emília, especialista no tema, analisa como o consumo nas favelas se tornou predominantemente mobile, ressaltando a importância das redes sociais e da influência comunitária nas decisões de compra. Segundo ela, a digitalização não apenas empoderou pequenos empreendedores, mas também transformou o celular em uma ferramenta vital para o consumo, promovendo uma autonomia econômica sem precedentes. Durante a entrevista, ela traça uma jornada dessa nova realidade, na qual a inclusão financeira e o acesso à informação se tornam essenciais para o fortalecimento da economia local.
Além disso, a entrevista explora como as empresas podem utilizar eventos como a Black Friday para contribuírem com o desenvolvimento das favelas. Emília ainda destaca que a reputação e a confiança são fundamentais nessa relação, e que ações autênticas e bem-intencionadas podem criar um legado positivo, beneficiando tanto os consumidores quanto as marcas. Acompanhe a seguir o bate-papo que traz à tona as oportunidades e desafios que permeiam o consumo nas comunidades populares.
Black Friday nas favelas
Consumidor Moderno: Quais são as principais mudanças que você nota no comportamento do consumidor nas favelas para a Black Friday 2025?
Emília Rabello: O consumo nas favelas é totalmente voltado para o mobile. Com 80% dos lares sem computador, o smartphone se torna o principal meio de acesso, compras e relacionamento. O uso da internet é intenso, com muitos passando mais de 10 horas online, especialmente em redes sociais, onde se informam, se conectam e consomem.
Durante a Black Friday, as decisões são rápidas e feitas pelo celular. Portanto, a influência da comunidade – vizinhos, familiares, amigos e micro influenciadores locais – é essencial. O morador pesquisa, compara e realiza suas compras no ambiente digital, priorizando marcas que compreendem sua realidade e se comunicam de forma próxima.
Os impactos da tecnologia
CM: De que forma a digitalização tem impactado pequenos empreendedores e consumidores nas favelas?
A digitalização transformou a economia popular. Pequenos negócios nas favelas agora utilizam maquininhas, terminais financeiros (TPAs) e também fazem vendas pelas redes sociais e marketplaces, convertendo o celular em uma verdadeira vitrine de produtos e serviços locais.
Esse impacto não se limita apenas aos empreendedores; os consumidores também foram beneficiados. O Pix eliminou o uso de moeda física nas comunidades, acelerando as transações e formalizando a economia. Simultaneamente, as fintechs democratizaram o acesso a serviços bancários, permitindo que milhões de pessoas que estavam fora do sistema financeiro agora realizem compras online. Essas duas tendências – digitalização do dinheiro e inclusão financeira – tornaram o consumo digital mais acessível e conveniente para uma parcela crescente da população. Mesmo com limitações de infraestrutura, os moradores se adaptam trocando de chip, utilizando Wi-Fi público e optando por aplicativos com dados ilimitados.
Assim, o celular se transforma em uma ferramenta de trabalho, geração de renda e consumo, conectando empreendedores e clientes das favelas a um novo nível de autonomia econômica.
Democratização
CM: Como as plataformas online podem contribuir para democratizar o acesso a produtos e serviços?
Plataformas como Shopee e Mercado Livre são fundamentais na democratização do consumo nas favelas. Elas possuem alta visibilidade e uso, com grande adesão entre mulheres e jovens, dois públicos-chave para o crescimento do e-commerce popular. Essas plataformas promovem inclusão digital e econômica, permitindo que os moradores tenham acesso aos mesmos produtos e marcas disponíveis nos grandes centros, mas com comunicação, atendimento e logística adaptados à sua realidade.
Uma parte significativa desse sucesso se deve à logística que se desenvolve dentro das comunidades: empresas de logística, lideradas por moradores, são cruciais para garantir a entrega na última milha, conhecendo as rotas e as particularidades de cada área. Além disso, pontos inteligentes de distribuição urbana têm ampliado o alcance e a conveniência, tornando as compras online mais rápidas, seguras e conectadas à vida cotidiana do consumidor nas favelas.
Dessa forma, o e-commerce deixa de ser apenas uma tendência e se consolida como um serviço essencial nas comunidades, fortalecendo a economia local e a presença digital dos territórios populares.
Causas sociais
CM: Você acredita que a Black Friday pode ser uma oportunidade para empresas se envolverem em causas sociais? Se sim, de que forma?
Sim, e na verdade, essa é a estratégia mais inteligente para as marcas. A Black Friday é um evento de vendas, mas também é uma oportunidade de visibilidade. É um momento em que o consumidor observa se a marca está apenas vendendo ou se realmente compreende o contexto em que atua.
Ações de impacto social, quando autênticas, elevam o valor simbólico e emocional das marcas. Tivemos experiências muito positivas com empresas que transformaram suas campanhas em plataformas de inclusão real. A Magalu, por exemplo, instalou pontos de Wi-Fi gratuito em comunidades como Heliópolis e Rocinha; a Avon cocriou espaços de maquiagem com consultoras das favelas; e o TikTok ofereceu capacitação gratuita para criadores periféricos.
Essas são iniciativas que vão além do discurso e proporcionam um legado. Elas demonstram que investimento social não é filantropia, mas uma estratégia de reputação e construção de marca com relevância cultural. Além disso, os dados do Tracking das Favelas mostram que as marcas com maior NPS são aquelas associadas ao atributo “me ajuda no dia a dia”. Ou seja, é fundamental gerar valor além do produto para conquistar e fidelizar os consumidores das favelas – um público que aprecia marcas que o respeitam e o reconhecem como parte de sua história.
Boas ações em prol do consumidor
CM: Quais iniciativas você considera inspiradoras em relação ao comércio e à inclusão social nas favelas?
O que mais me inspira são as iniciativas que reconhecem o potencial criativo e econômico das favelas. A periferia sempre produziu cultura, moda e estética – mas agora também gera economia e inovação. O TikTok, ao investir na formação de criadores das favelas, ampliou a representatividade e gerou oportunidades reais de monetização. A Avon, ao implementar ações locais com suas consultoras, fortaleceu o empreendedorismo feminino e a autonomia financeira dessas mulheres. Além disso, existem centenas de negócios originados nas favelas que já se tornaram cases de sucesso – desde marcas de cosméticos até pequenas confecções com alcance nacional.
Quando as empresas deixam de ver a favela como um nicho e começam a percebê-la como um target estratégico, não apenas expandem seu mercado, mas também ajudam a reverter a narrativa sobre esses territórios, reconhecendo que ali existe potência, criatividade e consumo de alto valor simbólico.
Desenvolvimento das favelas
CM: Como as empresas podem usar a Black Friday para promover causas sociais e contribuir para o desenvolvimento das favelas?
A Black Friday é o momento ideal para transformar visibilidade em vínculo. As marcas precisam compreender que estar nas favelas não é sobre oportunidades pontuais, mas sobre consistência e presença genuína. As ações mais eficazes combinam presença digital com presença física. Um post patrocinado não substitui a experiência local. É essencial marcar presença em eventos das comunidades, apoiar iniciativas culturais, capacitar empreendedores e gerar benefícios diretos. Essas conexões constroem reputação e demonstram um compromisso verdadeiro.
Além disso, o pós-venda é um componente social poderoso. Resolver problemas rapidamente, ouvir o cliente e oferecer alternativas são práticas que constroem confiança – e confiança, nas favelas, é a principal moeda. Ela determina se uma marca será lembrada, recomendada ou esquecida.
Os dados do Tracking das Favelas mostram que as empresas mais bem avaliadas em NPS são aquelas associadas à transparência e à confiança. Isso indica que tudo que se reverte em legado, clareza e coerência é um pilar essencial para construir um relacionamento com o consumidor popular. No final, a Black Friday é menos sobre preço e mais sobre presença com propósito e reputação verdadeira.
Recomendações para o consumidor
CM: Que recomendações você daria para os consumidores das favelas que desejam aproveitar as promoções de forma segura e consciente?
O consumidor da favela é bastante atento, mas é sempre bom relembrar: o cuidado começa na pesquisa. Sempre verifique se o site é oficial, leia as avaliações de outros compradores e desconfie de preços muito baixos em relação ao mercado. Dê preferência a plataformas que oferecem transparência, garantia e benefícios adicionais – como frete grátis, cashback e garantia estendida. Esses detalhes indicam seriedade e respeito pelo cliente.
E o mais importante: compre de quem tem boa reputação. O boca a boca digital é muito forte nas favelas – uma experiência positiva se espalha rapidamente, e uma negativa, ainda mais. Por fim, planeje suas compras e evite endividamento excessivo: avalie se o desconto realmente cabe no seu orçamento e se o produto é uma necessidade ou apenas um impulso. A compra consciente é uma forma de fortalecer a economia local e garantir tranquilidade financeira pós-promocões.
Os obstáculos
CM: Quais são os principais desafios que os consumidores das favelas enfrentam ao participar de promoções como a Black Friday?
Os principais desafios são ainda estruturais. Golpes digitais e desinformação continuam sendo preocupações, especialmente em períodos de alto consumo. A falta de crédito formal também limita o acesso a determinadas ofertas, o que enfatiza a importância de políticas mais inclusivas por parte das marcas e plataformas. Mesmo assim, existe um forte senso de adaptação e resiliência. O consumidor da favela cria soluções locais, apoia-se nas redes da comunidade e mantém o consumo ativo, informado e seguro.
Entretanto, o desafio vai além das barreiras técnicas: ele também reside na forma como as marcas se comunicam com esse público. Ao falarmos da classe C e do consumo popular, é necessário reconhecer que esse consumidor é diferente do restante do Brasil – possui outras referências, aspirações e hábitos. As plataformas e marketplaces que se destacam são aquelas que personalizam sua comunicação, utilizando uma linguagem próxima, cupons e descontos pensados para esse perfil de consumo, além de oferecer facilidades reais, como cashback, atendimento ágil e processos simples de devolução de produtos.
Tudo isso é parte de um conceito maior: transparência. Ser transparente é demonstrar clareza nas condições, respeito ao consumidor e coerência no pós-venda. É isso que gera confiança, e confiança é o verdadeiro motor do consumo popular.
Defesa do consumidor
CM: De que maneira as iniciativas de defesa do consumidor podem ser mais eficazes nas favelas, especialmente em períodos de intenso consumo?
O primeiro passo é reconhecer que o morador da favela já pratica, no dia a dia, a defesa do consumidor – ele é exigente e se manifesta. O que falta é aumentar o acesso à informação de maneira didática e contínua. Iniciativas de educação digital, campanhas de conscientização e comunicação em linguagem acessível são ações que tornam a defesa do consumidor mais eficiente.
Além disso, as empresas precisam compreender que oferecer soluções rápidas não é um custo, mas um investimento. Um cliente satisfeito se torna um divulgador da marca. Nas favelas, a reputação é formada de pessoa para pessoa, em tempo real.
Inovação nas favelas
CM: Há inovações que você considera fundamentais para facilitar o acesso dos moradores de favela a ofertas e produtos durante a Black Friday?
As inovações que realmente fazem a diferença nas favelas são aquelas que buscam resolver problemas concretos e respeitam a realidade local. A tecnologia, quando aplicada com propósito, aproxima marcas e consumidores populares. A programação para DOOH geolocalizada é um exemplo eficaz: ela permite enviar promoções em tempo real diretamente para as favelas, com comunicação pertinente e segmentada por área. Outro aspecto crucial é o microcrédito digital adaptado à renda informal, que amplia o poder de compra e possibilita que mais pessoas integrem as promoções.
O social commerce também vem se fortalecendo, possibilitando que moradores lucrem ao recomendar produtos, transformando o boca a boca digital em renda local. As ativações híbridas, que unem o online e o varejo local, aumentam a conversão e fortalecem a confiança do consumidor.
A inovação nas favelas é sempre simples, prática e inclusiva – é isso que torna o consumo popular tão poderoso e transformador. As marcas que compreendem essa dinâmica não apenas vendem mais, mas criam uma presença autêntica em um dos ecossistemas de consumo mais vibrantes do País.





