Boomers são ultrapassados e controlam toda a grana do mundo. Millennials só pensam em experiências e reclamam da vida. A Geração Z é desinteressada e não quer trabalhar. Esses rótulos, repetidos à exaustão, moldam a forma como a sociedade – e as marcas – enxergam as diferentes gerações. Mas será que esses estereótipos e rótulos realmente refletem a realidade? No SXSW 2025, um painel mediado pela Edelman teve a missão de desconstruir esses mitos e revelar como cada geração influencia a cultura e a economia de maneiras inesperadas.
O debate reuniu Jackie Cooper, Global Chief Brand Officer da Edelman, Gabe Gomez, diretor de Estratégia Social, Mathew Knowles, fundador da Music World Entertainment, e Kelsey Russell, influenciadora de letramento midiático, representantes de diferentes gerações, gerou uma discussão direta sobre como as pessoas enxergam o mundo e o que realmente esperam das marcas. A discussão trouxe insights valiosos para profissionais de marketing e de CX que buscam entender não apenas as diferenças, mas as oportunidades de conexão genuína com consumidores de todas as idades, cada qual com suas expectativas e ansiedades.
A Edelman, uma das mais respeitadas e maiores empresas de reputação corporativa do mundo, mantém ativo um laboratório de estudos sobre Geração Z e estuda intensamente os impactos da mais influente geração da história. Não por acaso, a empresa conseguiu mapear os mitos e preconceitos que cercam a Geração Z e também rótulos que se associam a outras gerações. A beleza do debate foi trazer esses pontos e as opiniões dos painelistas, representando cada qual uma geração, e que, em sua atividade profissional, têm a necessidade absoluta de entender o comportamento humano, livre dos vieses (na medida do possível), para assegurar comunicação original e gerar engajamento real.
O que une e o que separa as gerações?
Não são poucas as questões que envolvem nosso olhar geracional. Por que nos deixamos enganar pelos estereótipos e acreditamos em respostas fáceis para um assunto tão complexo como o comportamento humano? Na verdade, há mais objetivos que nos unem, qualquer que seja nossa “geração”, do que ideias e aspirações que nos separam. Ou alguém duvida que a busca de todas as gerações é sempre por bem-estar, ainda que o caminho escolhido por cada pessoa, independentemente de sua idade (mas alinhada ao seu contexto), para chegar ao bem-estar é que é diferente? E conforme a vida acontece, os anos passam, essa perspectiva é ajustada.
Evidentemente que não se pode dizer que as características de cada geração se estendem para todos os seus integrantes de forma homogênea e universal. Sempre há condicionantes sociais, sentimentos e visões de mundo particulares.
O fato indiscutível é que, por força das circunstâncias e da habilidade digital, a Geração Z tem valores diferentes, e hoje pauta as discussões sociais e econômicas como nenhum outra geração na história humana. A impressão é que a macroeconomia e suas implicações são o assunto mais valorizado e debatido pelas populações. Mas qualquer análise do Google Trends revela que os pontos de interesse das pessoas reais, aquelas que se preocupam com a janta, não passam nem perto desses assuntos.
Sim, o desapego da Geração Z pelo consumo intenso é real. Sim, eles são mais frugais e se preocupam mais em consumir informação rápida do que produtos rápidos. Um bom produto pode ser relevante para qualquer pessoa, de qualquer idade, mas não necessariamente consegue ser tão plural. Estão aí os jornais de papel para ilustrar essa afirmação.
Erráticos, curiosos e inseguros
A complexidade que envolve a convivência de quatro ou cinco gerações nos diferentes espaços sociais passa pela inabilidade de conversar de modo adequado com cada uma delas em particular e com todas simultaneamente. Essa inabilidade atinge empresas, governos e instituições em geral. Durante o debate, Matthew Knowles, o “boomer” entre os palestrantes, manifestou várias vezes sua inquietação com a Geração Z: a forma errática de consumo de música, a falta de compromisso com o lucro e os resultados no trabalho, as diferenças e a visão da cultura, fragmentada e estranha. Por outro lado, manifestou entusiasmo ao ver a curiosidade sempre ativa e a vontade de aprender que os jovens apresentam naturalmente.
Os estudos da Edelman mostram que esses jovens buscam constantemente estabilidade e segurança e não conseguem suprir essas necessidades com as estruturas sociais e corporativas existentes. O jovem Z cresceu observando os padrões dos pais e dos avós e, com a lente aberta pelo espaço digital, muitas das estruturas ordenadas que caracterizaram as gerações anteriores perderam o sentido. O significado do trabalho, o escopo das atividades, a forma de viver e se apegar aos ambientes, tudo isso se desfez com a desmaterialização da realidade trazida pelo digital e é dessa forma que os jovens enxergam e compreendem o mundo, mediados por telas.
Um dos pontos positivos da troca entre gerações nos ambientes de trabalho, quando bem estruturados, segundo a Edelman, é a energia que conseguem transmitir uns aos outros. A forma com que enxergam a paixão pelas atividades e a busca por experiências construtivas unem todos em torno de propósitos válidos. Educação, experiência, conhecimento e sabedoria são, pela ordem, elementos que as empresas precisam cultivar, para que possam manter o contato e a relevância com todos os consumidores e com sua própria força de trabalho.
Outra característica que permeia todas as gerações é a curiosidade. E as empresas que conseguem manter essa busca por saber, descobrir e se surpreender, aumentam as chances de serem mais competitivas e romperem as bolhas que as mantém apegadas a consumidores nichados ou homogêneos. Fazer perguntas e trabalhar em ambientes onde as perguntas são bem-vindas é essencial para manter acesa a chama que forma espírito de time em pessoas de diferentes idades.
Segurança psicológica e saúde mental, assuntos que ficaram no armário por décadas, agora estão na agenda do dia. Simplesmente, encarar um mundo onde as pessoas conseguem viver para além da luta pela sobrevivência, faz com que queiram discutir aquilo que as incomoda e as limita. O que faz uma pessoa ser confiante? O que faz uma pessoa ser resiliente? O que faz uma pessoa vencer a introversão? Como lidamos com a nossa exaustão e o overload cognitivo? Somente com uma atitude proativa, onde as pessoas possam falar sobre seus fantasmas na busca de soluções comuns, é que a vida se torna menos pesada. Ao contrário de poucas décadas atrás, muitos de nós, com o passar do tempo, não sentimos mais o peso dos anos. Antes sim, sentimos o peso da vida que acontece, das circunstâncias, dos imprevistos, da estupidez política.
Sai a riqueza financeira entra a riqueza de bem-estar
Há uma mudança de perspectiva e de expectativa: trabalhar duro para ganhar dinheiro faz menos sentido do que trabalhar para se sentir bem consigo mesmo. E mesmo representantes das gerações mais seniores compartilham dessa motivação. Porque o fazer dinheiro agora não inclui o sucesso pessoal, mas envolve cumprir fases, como em um game. “Ganhar dinheiro para a viagem? Check”. “Ganhar dinheiro para a casa? Check.” “Comprar o novo iPhone? Check.” Nada disso envolve ser mais rico que as gerações anteriores. Exatamente por isso, a riqueza de bem-estar “tomou o espaço da riqueza financeira”, e é isso que nos leva a entender porque produzir e consumir conteúdo em diversos formatos ganhou tanta evidência.
Como vimos em outros momentos do SXSW, a Geração Z quer liderar, mas quer fazer junto. É provável que novos formatos de liderança ganhem espaço aqui e ali. A consciência hoje é de que não se deve almejar a perfeição. A convivência entre as gerações mostra que somos falhos e que essa característica é o que nos diferencia dos robôs. A obsessão pela perfeição absoluta é a inimiga da lucratividade e da saúde financeira. Não há caso de sucesso no mundo corporativo de empresas devotadas à perfeição que tenham se tornado perenes e lucrativas. Por outro lado, somente times bem treinados e com uma liderança plástica e inspiradora entendem que a busca pelo aperfeiçoamento é que aumenta as chances de sobrevivência.
E o que essa afirmação tem relação com os conflitos e o relacionamento entre gerações? Simples. Rotular e se deixar levar por vieses e rótulos cria empresas apáticas, arrogantes e autocentradas. Essas organizações certamente saberão sempre o que fazer para grupos de consumidores cada vez mais restritos, a um passo da irrelevância.
O que o choque de gerações nos ensina é, na verdade, um alerta: quantas empresas podem dizer hoje em dia que se mantiveram relevantes para cinco gerações em sequência e para todas elas de uma vez?