“O nome Brasil Invisível se dá porque, com essa pesquisa, nós pretendemos desmistificar algumas crenças sobre os consumidores das classes D e E. Nela exploramos o que significa ser invisível, ou seja, o que não se deixa ver e não aparece por estar no domínio da imaginação. Nosso objetivo é entender por que esses consumidores se tornaram e se tornam invisíveis, considerando que representam mais da metade da população brasileira”. Foi com essa fala que Fabrício Fudissaku, CEO do Data-Makers, iniciou a palestra de lançamento do estudo Brasil Invisível: Insights sobre o consumidor de baixa renda.
A abordagem do levantamento combinou três dimensões:
- A contribuição teórica e acadêmica da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM);
- A especialização em insights da Datamakers, instituto de pesquisa e agência de dados, parte do Grupo HSR;
- E o conhecimento prático da Gerando Falcões, que traz a experiência da interação com os consumidores no dia a dia.
Um retrato do consumo no Brasil
O estudo “Brasil Invisível: Insights sobre o consumidor de baixa renda” abordou os seguintes pontos:
- O perfil do consumidor, de uma maneira mais aprofundada.
- Em seguida, as crenças e valores desse consumidor.
- Depois, como e onde esse consumidor realiza suas compras e suas preferências nesse aspecto.
- Consumo de mídia: consiste verificar se o consumidor está online ou offline, o uso de redes sociais e TV, proporcionando uma visão geral de como essa população se informa.
- Por último, os desafios de conexão, identificando a lacuna entre a representatividade dessa audiência, as oferta das marcas e a atenção recebida pelos meios de comunicação.
Brasil: preço baixo ou qualidade?
Quando se fala em consumo no Brasil, há uma crença consolidada: o brasileiro é visto como um consumidor sensível a preço e qualidade. “Contudo, essa percepção mudou, especialmente após a pandemia, pois todos os brasileiros passaram a considerar uma gama maior de fatores ao tomar decisões de compra”, explicou Fabrício Fudissaku. “Hoje, o brasileiro não avalia apenas preço e qualidade, mas também uma variedade de outros elementos. Por exemplo, ele se preocupa com a forma como as organizações interagem com a comunidade, refletindo uma dimensão social, além de considerações sobre os recursos ambientais utilizados no processo de produção. Isso mostra que o consumidor de agora exige mais das marcas e do poder público.”
No quadro, estão listadas várias causas e tendências que são significativas para esse consumidor. Entre elas, os direitos dos idosos, dos PCDs, o bem-estar animal, apoio a causas sociais, sustentabilidade, diversidade e inclusão, além de produtos sem açúcar. “O interessante é que, dos sete elementos citados, seis deles superam a barreira dos 75%, destacando sua relevância para essa parcela da população. Então, a mensagem principal é que o consumidor de baixa renda não se restringe apenas ao preço”, frisa Fabrício Fudissaku.
Hábitos de compra e tendências
Sobre o tema hábitos de compra e tendências. Um aspecto fundamental da pesquisa foi questionar especificamente sobre a intenção de compra da população nos próximos 12 meses: “Você comprará mais, menos ou o mesmo?”. Nesse sentido, os pesquisadores notaram tendência de aumento na disposição para consumir.
O levantamento releva ainda que o consumo de mídia na periferia é digital e multiplataforma: 91% das pessoas das classes D e E acessam a internet diariamente, com destaque para as redes sociais Facebook (71%), Instagram (77%) e TikTok (50%), além da forte presença no YouTube (70%) e a manutenção do consumo diário de TV aberta (65%). A pesquisa também mostra o uso simultâneo de telas tradicionais e digitais, valorizando conteúdos que misturam informação, entretenimento e identificação cultural.
“Desta forma, a comunicação eficaz para a periferia exige estratégias que respeitem a rotina multiplataforma desse público, conectando TV, redes sociais e aplicativos de forma integrada. Esse público está conectado, atento e ávido por ser reconhecido em todas as telas que fazem parte do seu dia a dia”, afirma o CEO do Data-Makers.
Preferência do canal de compra
Sobre as lojas físicas, os pesquisadores perceberam que a classe A prefere comprar em estabelecimentos físicos ou pelo computador, enquanto o uso da internet via desktops ou notebooks é bem menor nas outras classes, especialmente entre os de baixa renda. Isso revela um processo acelerado de digitalização entre os consumidores. Um ponto importante é a combinação de dois aspectos: primeiro, o consumidor de baixa renda é extremamente ativo no acesso à internet, permanecendo conectado o tempo todo, especialmente por meio de celulares.
Ademais, essa população tende a realizar compras com maior frequência. Essa disposição para consumir está ligada a diversas ações e fatores que influenciam sua decisão de compra. Entretanto, fundamentalmente, deve-se à facilidade transacional que o celular oferece. Para Fabricio, o celular está redefinindo a maneira como a classe baixa realiza transações no Brasil. E isso, por consequência, torna tudo mais fácil, rápido e, muitas vezes, mais econômico.
Ao analisar consumo de mídia, os pesquisadores chegaram a conclusão que mais de 90% da população das classes D e E acessa a internet diariamente. Isso reflete a popularização dos dispositivos móveis. Apenas 6% utilizam a internet várias vezes por semana, enquanto 3% têm uma frequência reduzida. “Quase toda a população está conectada o tempo todo. Essa realidade transforma o comportamento de compra, óbvio. Mas também altera a forma como as pessoas se comunicam, se informam e tomam decisões em diversos aspectos da vida”, enaltece Fabricio.
Consumidor e influencer
A busca por reconhecimento, respeito e identificação tem crescido nas classes D e E, assim como a possibilidade de estabelecer conexões profundas. Prova disso está no aumento do interesse das pessoas de baixa renda por interações digitais autênticas com marcas, instituições e o setor público. “Em relação aos desafios comunicativos, é fundamental destacar que utilizamos uma metodologia para analisar influenciadores e figuras públicas. Recentemente, realizamos um estudo que abarcou as 100 principais figuras públicas brasileiras, levando em conta aspectos de rejeição, aceitação e reconhecimento, bem como a capacidade dessas figuras de gerar associações positivas com marcas e incentivar os consumidores a comprarem. Após três anos aplicando essa metodologia, verificamos que todas as classes sociais são igualmente influenciadas por influenciadores”, afirma Fabricio.
Os pesquisadores então vêm notando um fenômeno recente no marketing de influência que se relaciona aos micro-influenciadores. Os micro-influenciadores, que têm uma audiência a partir de 10 mil seguidores, apresentam um alto nível de relevância e potencial de recomendação de compra, especialmente em comparação aos grandes influenciadores. Esses, por sua vez, apesar de adquirirem status de celebridades, perderam a proximidade genuína com o público.
Classes baixas e publicidade
No que tange à publicidade, o estudo “Brasil Invisível: Insights sobre o consumidor de baixa renda” trouxe à tona a eficácia da comunicação das marcas e empresas com o público. Os pesquisadores questionaram sobre a representação das marcas na publicidade.
O resultado é preocupante: 60% das classes D e E não se sentem contempladas.
Em contraste, na classe AB, essa cifra é de 50%, evidenciando uma disparidade significativa.
Assim, existem barreiras relacionadas às características e à autenticidade esperadas nessa comunicação, além de obstáculos ligados a crenças, valores e tradições.
Em outras palavras, muitas vezes, o consumidor não se vê refletido em um anúncio de uma marca, mesmo sendo um de seus clientes, criando essa barreira. E os três aspectos principais que causam rejeição nas classes menos favorecidas são
- anúncios com conotação sexual;
- campanhas que utilizam figuras públicas controversas, o que gera aversão;
- desrespeito a valores éticos.
O consumidor invisível
Os pesquisadores então chegaram a conclusão o público D e E apresenta uma característica conservadora. Ela não está relacionada à orientação política, mas a um conjunto de crenças que muitas vezes se baseiam na religião. Em outras palavras, esse consumidor tem grande apreço pela religião, pela prática, pela origem e pela forma como a marca se comunica com ele e com a comunidade.
Por fim, o levantamento “Brasil Invisível” apontou a invisibilidade seletiva, que eles chamam de paradoxo do consumidor invisível. Um dos dados mais preocupantes é que mais da metade da população do Brasil não se reconhece nas comunicações. Embora estejam na internet, assistindo à TV e utilizando redes sociais, lhes falta uma conexão representativa. “Por isso buscamos o termo Brasil invisível, referindo-se a esse Brasil que não se manifesta, que permanece fora da visão comum, e que se encontra no campo da imaginação das empresas”, declara Fabricio.
Para Sérgio Rocha, CMO da Gerando Falcões, a pesquisa ajuda a desmistificar a forma de consumo da população que mora, principalmente, nas favelas e periferias do país. “O estudo mostra que o público de baixa renda é moderno, conectado, influente e aberto ao consumo. Marcas que desejam conquistá-lo devem investir em representatividade, comunicação inclusiva e estratégias digitais otimizadas, indo além dos estereótipos e construindo pontes culturais autênticas. Pesquisas mostram que as favelas brasileiras movimentam mais de R$ 200 bilhões anualmente, mas esses consumidores, muitas vezes, ainda são invisíveis para as marcas”, afirma Rocha.
Mais sobre a pesquisa
A pesquisa que embasa “O Brasil Invisível” foi realizada entre abril e maio de 2025. A Data Makers utilizou uma metodologia quantitativa, com 2.465 entrevistas online, das quais 1.331 foram direcionadas especificamente a consumidores das classes D e E, conforme os critérios da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP). A amostra é representativa da distribuição regional do Brasil: Sudeste (38%), Nordeste (25%), Sul (16%), Centro-Oeste (12%) e Norte (9%), abrangendo apenas pessoas maiores de 18 anos.