Nos últimos anos, a tecnologia tem sido o grande setor do momento. É ela que gera profissionais capacitados e valiosos, um espaço imenso de vantagens, um avanço em constante progresso. E apesar de ser ela quem abre muitas das portas a quase todos os segmentos, a tecnologia também fecha oportunidades por ter um perfil de profissionais bastante excludente. E tudo isso ocorre pela falsa impressão de que esse setor é muito mais complexo do que parece.
De fato, não é do dia para noite que os programadores e desenvolvedores nascem. É preciso uma base de capacitação para que esses profissionais se desenvolvam, o que pode ser mais simples do que se pensa. E ela precisa vir à galope: estima-se que em poucos anos o mercado de tecnologia enfrente um gap imenso por falta de profissionais qualificados, com milhares de vagas em aberto.
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E essa situação, apesar de ser uma deficiência do setor, também se apresenta como uma grande oportunidade para as pessoas de baixa renda. Uma chance de se reerguer e encontrar trabalho em um cenário que necessita, com urgência, de profissionais. E, além disso, de levar a tecnologia a quem mais precisa.
A busca das empresas em geral por profissionais de tecnologia e a oportunidade de trabalho foi assunto central de um dos mais esperados painéis do primeiro dia da Expo Favela. Com o tema “Educação em Tech – coletivizando o futuro do trabalho”, o evento contou com um importante debate entre Fabíola Machiori, Vice Presidente e General Manager de Engenharia do Nubank; Karen Santo, CEO de User Experience do Minas Pretas; João Pedrosa, ex-BBB, professor e apresentador do Trace Trends, e Emicida, rapper, escritor e proprietário da empresa Laboratório Fantasma.
“Tenho pensado ultimamente que nosso dilema não é só tecnológico, nós temos um dilema ético, humano. Em termos de tecnologia, conseguimos colocar um chip até dentro de um cachorro para não perder ele. Mas essa tecnologia tá transformando a gente em uma sociedade melhor? Está dando oportunidades a quem precisa?”, indagou o rapper.
Uma oportunidade em meio à fuga de cérebros
Hoje, além do gap de falta de funcionários qualificados para tecnologia, o Brasil ainda enfrenta uma situação chamada fuga dos cérebros. Ela ocorre quando os profissionais que já estão aptos e atuantes na profissão não se contentam mais com as oportunidades do país em que vivem e partem em busca de vagas internacionais.
Esse cenário dificulta ainda mais a necessidade por profissionais de tecnologia e abre espaço para que mais pessoas comecem a entrar nessa área, como explica Fabíola. “Só para vocês terem uma ideia, uma série de pesquisas indicam que vai ter mais de 1 milhão de vagas de tecnologia no Brasil nos próximos anos. Ou seja, precisamos ocupar esses espaços a qualquer custo”, explica a executiva. “Porque, no fundo, fazer um software é sentar com um monge de galera para tentar programar junto. É um lugar de trocar ideia, é para todos. Temos que desmistificar a ideia de que esse espaço não é para todos”, completa ela.
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Na mesma linha de raciocínio, Karen destaca a importância de se lembrar que a tecnologia é feita por humanos, portanto, nada mais justo do que trazê-la a uma realidade mais social.
“Algoritmo vem da tecnologia, não é feito do nada, tem sempre alguém que cria isso, que programa isso. Para todas as interações que temos dentro da tecnologia, existe uma cadeira com alguém sentado, programando. E isso traz uma oportunidade grande”, argumenta a executiva. “É pegar uma pessoa com renda baixíssima e promover a ela, por meio do trabalho em tecnologia, uma ascensão financeira. É esse o nosso desafio, não é só formar para o mercado, mas dar essa área como uma imensa oportunidade de vida. No fim, a gente precisa parar de pensar somente em suprir um gap no mercado. Essa galera vem para melhorar a vida dessas pessoas a partir desse gap também”, acrescenta.
A educação em tecnologia e o papel das empresas nesse cenário
Para preencher essas duas lacunas — tanto o gap de profissionais qualificados quanto a capacitação de pessoas diversas em tecnologia —, é necessário um esforço coletivo das contratantes. Ou seja, é pensar que não adianta ter uma área de atenção no mercado e não pensar em formas criativas de resolvê-la, levando em conta que esse setor pode ser muito mais colorido do que é hoje.
“Pensar em tecnologia como profissão é pensar em homens brancos. Quantas vezes já não ouvi gente falar que trabalhar com tecnologia não é para aquele tipo de pessoa? Mas a real é que temos que trazer a tecnologia para nossa realidade”, complementa João. “É até engraçado, porque hoje, temos tecnologia suficiente para combater a desigualdade. Acaba sendo uma questão muito mais humana do que tecnológica”.
Assim, é também preciso que as empresas compreendam, destaca Emicida, que a revolução tecnológica só virá, de fato, quando houver uma maior inclusão de uma força de trabalho que vem das favelas. A exclusão, para ele, não é a linguagem de programação e sim a capacitação. “Hoje, vivemos mais uma revolução tecnológica. E não tem como falar sobre dignidade e possibilidade se você não fala sobre acesso. A tecnologia possibilita sonhar e realizar os nossos sonhos, mas precisamos estar atentos ao acesso a ela”, aponta o rapper. “Eu sou um realista esperançoso. Penso que a inteligência humana é uma dádiva. Mas o que fazemos com ela vai definir nos próximos anos se ela é mesmo uma dádiva ou se está mais para maldição”.
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A pressão, conclui Fabíola, precisa vir de uma compreensão por parte das corporações. “As empresas têm essa responsabilidade de formação, da habilidade técnica. Tudo em tecnologia é construído em conjunto. E a linguagem da programação, gente, muda. É preciso saber o básico e querer aprender. Ou seja, tudo gira em torno do acesso, é bem mais sobre isso do que saber a linguagem técnica e o gap não vai sumir sem que as empresas entendam isso”, finaliza.
Ao fim do debate, Emicida deixou um importante questionamento sobre o tema principal do debate: a oportunidade mediante à educação.
“Quando eu falo sobre democratização, isso é mais do que a inclusão e a diversidade dentro das universidades. As ações afirmativas, antes de qualquer outra coisa, elas afirmam o que queremos e podemos ser enquanto País. A pergunta é: quem a gente quer ser enquanto sociedade? A gente precisa construir oportunidades, mas precisa se comprometer com o tipo de sociedade que a gente quer, e isso não vem do individual, isso vem do coletivo, de todo mundo junto”, conclui.
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