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A receita da C&A para usar e abusar dos dados

A receita da C&A para usar e abusar dos dados

Em entrevista exclusiva, Paulo Correa, CEO da C&A, fala sobre os esforços da marca para nunca perder relevância diante do novo perfil de consumidor

Este ano, a C&A “usou e abusou” do conceito de “customer centered”. Ao todo, 80 lojas foram reformadas para embarcar a transformação digital. Em breve, as mudanças serão replicadas nas 200 demais. Elas envolvem desde a implementação da omnicanalidade e a disponibilização de consultores de provador até o lançamento de um programa de relacionamento inédito – o C&A&VC – e parcerias com marcas internacionais. A última delas reuniu quatro grandes nomes de beachwear – Água de Coco, Blue Man, Cia. Marítima e Lenny Niemeyer – que, juntas, fizeram uma coleção exclusiva para a C&A. O lançamento reforça a plataforma de Collections da C&A, que já apresentou mais de 60 coleções exclusivas em parceria com grifes nacionais e internacionais, como Alexandre Herchcovitch, Stella McCartney, Iódice e, a mais recente delas, Missoni. Outra novidade é o projeto Mindset, que lançará coleções-cápsulas semanalmente inspiradas nas ruas e nas redes sociais. As iniciativas fazem parte de um movimento de digitalização do varejo para acompanhar os desejos de um novo consumidor. Em uma entrevista exclusiva, Paulo Correa, CEO da C&A, falou à Consumidor Moderno sobre os esforços da marca para nunca perder relevância diante do consumidor.

Como lidar com um público tão diverso?
Paulo Correa:
Quando você tem uma marca como a C&A, com 280 lojas no País inteiro, você tem uma diversidade brutal. São pessoas que fazem da moda uma forma de se expressar. Na hora de abrir o armário, elas pensam em como querem ser vistas, o que estão sentindo, qual é a mensagem que querem passar. O nosso cliente tem cada vez mais acesso à informação e está conectado na maior parte do tempo. É extremamente voraz nas redes sociais e se informa continuamente sobre moda. Segue ainda uma série de pessoas em quem confia e que o influencia, sejam elas celebridades, sejam amigos.

Como vocês traçam a jornada do consumo de moda no Brasil?
Lá atrás, o que as marcas falavam duas vezes por ano ditava o que seria moda no mundo inteiro. Isso evoluiu e hoje temos não só um processo mais rápido como uma moda desenvolvida e estabelecida por cada pessoa. E as empresas, independentemente do seu formato, se grande, pequena ou média, precisam construir histórias que interessem a cada uma das pessoas, com muito mais velocidade e muito mais relevância. Essa massificação se tornou o “segmento de um”. A beleza do futuro é personalizar e customizar para uma pessoa.

Muita gente enxerga a C&A como uma marca brasileira. Como isso é visto pelo Grupo?
A gente morre de orgulho disso. De verdade. Eu, como líder aqui no Brasil, e com o nível de autonomia que tenho, seja de posicionamento da marca e estilo, seja do modelo de loja, do sortimento e da precificação, acho muito legal quando as pessoas confundem ou nem sabem que a C&A é holandesa. Isso mostra que estamos conseguindo atender esse público do nosso jeito brasileiro. A C&A Brasil, inclusive, é a segunda maior do mundo em faturamento. Só perde para a Alemanha.

Alguma iniciativa que tenha surgido aqui e depois se expandido para outros países?
As Collections são um exemplo. Fizemos Stella McCartney aqui e a C&A México fez depois. A gente também tem acesso aos “best-sellers” em vários países do mundo, o que nos permite enxergar produtos de fora que podemos trazer para cá. Essa troca acontece o tempo inteiro.

As parcerias com estilistas ou marcas de grife têm tido uma boa aceitação?
Sim, porque, no fim das contas, é a chance de o consumidor ter um “armário grifado” a um preço acessível. É também uma forma de fazer com que um novo público visite nossas lojas e conheça não apenas a Collection, como experimente nossos produtos. A ideia é trazer uma coleção internacional por ano. No mês passado, lançamos a Dress To e agora, no fim de novembro, a coleção de moda praia.

A C&A está passando por um momento forte de transformação digital. Quais têm sido os principais desafios da empresa nesse sentido?
O maior desafio para uma empresa tão consolidada como a C&A é a transformação cultural que isso implica. A parte da tecnologia, em si, é mais fácil e rápida. A beleza de verdade vem quando você consegue mudar a forma como você pensa. O nosso lançamento semana passada, o Mindset, vem daí. (Toda semana, a C&A lança uma coleção-cápsula que traduz comportamentos e desejos de moda que estão acontecendo no mundo).

Vocês já estão conseguindo transformar dados em estratégia de negócios?
Há várias dimensões em relação ao uso de dados. Tem a forma analítica das performances de venda de produtos e suas características por loja, região e momento do ano. Ao entender isso, retroalimentamos nossas decisões na hora de construir coleções e distribuir estoques. Conseguimos, ainda, saber o número de pessoas que teremos em cada loja. Além disso, aproveitamos todos os momentos de interação com a empresa – site, loja, app, redes sociais e programas de relacionamento – para entregar ao consumidor cada vez mais relevância. O nosso programa de fidelidade, lançado em fevereiro, tem quase 4 milhões de clientes. Essa base de informações está gerando cada vez mais insights de como personalizar o app, a página, a experiência no ponto de venda, os posts nas redes sociais…

A última pesquisa Trust Barometer, da agência de comunicação Edelman, mostrou que, ao mesmo tempo em que caiu a confiança das pessoas em relação às empresas, aumentou, na mesma proporção, a confiança na figura do CEO. Como o senhor enxerga isso?
Cada vez mais as pessoas estão procurando uma identificação forte com autenticidade. Eu acho natural, porque a empresa não é uma pessoa. A empresa é resultado de várias pessoas juntas que acreditam num propósito similar e que se dispõem a dedicar boa parte da sua vida a construir essa história juntos. Eu tenho o privilégio de representar um grupo de pessoas que têm princípios muito fortes e que acreditam em coisas nas quais acreditamos. É um jogo de ganha-ganha. Quanto mais a gente se preocupa com a nossa relevância para o cliente, mais ele nos reconhece. É um círculo virtuoso.

Ao mesmo tempo em que as redes sociais aproximam os consumidores, também deixam as marcas mais sensíveis e expostas. Como administrar isso?
Não acho que exista uma fórmula. Temos que ter consciência de que controlar uma rede social ou o que as pessoas pensam é impossível. Hoje em dia está tudo cada vez mais transparente. O que a gente tem que fazer é sempre nos voltarmos para os nossos princípios e para aquilo que a gente acredita. Mas sempre teremos pessoas que pensam diferente – e ok. Não temos pretensão de sermos donos da verdade ou de termos todas as respostas, mas sim de fazer tudo com muita seriedade e autenticidade.

Esse é um dos pontos que motiva os fóruns com clientes que têm algo de negativo a dizer sobre a marca?
 Na vida real, se, por algum motivo, você tem um problema com uma pessoa e ela lhe chama para conversar isso é positivo.

O senhor costuma frequentar as lojas como cliente oculto ou como CEO mesmo?
Infelizmente eu não consigo mais ir como mystery shopper. Só se eu fosse disfarçado (risos), pois rapidamente me percebem. Mas eu sempre fiz isso. Sempre tentei vivenciar a experiência do cliente. Ia em horários fora de pico, como sábado à noite ou domingo, no início do dia. O que estou vendo na vitrine, o que está arrumado, como se circula pela loja, quem está falando comigo, como está o caixa… fico sempre tentando me colocar no lugar dos consumidores para pensar no que podemos melhorar e o que pode ser feito de diferente.

O projeto Mindset é reflexo dessa proximidade com o consumidor? De onde surgiu a ideia de trazer a moda das ruas e das redes sociais para as lojas?
Mindset é um projeto que está o tempo inteiro monitorando a moda que está na rua. É muito legal! Criamos um grupo multidisciplinar locado em uma sala ao lado da minha. Quem o acompanha semanalmente é o VP comercial, mas esse grupo não tem chefe. Ele se auto-organiza. Damos apenas as direções macro e ele tem, à disposição, muita tecnologia embarcada. Neste momento, por exemplo, tem alguém do grupo na Europa vendo o que está acontecendo por lá e postando em um app que desenvolvemos para nós. O fornecedor tem acesso a esse app e, ao receber a informação, em real time, já responde se tem materiais ou opções dentro da fábrica para desenvolver o protótipo. Quando esse colaborador volta, já tem o modelo na mesa dele. E aí o time decide se “sim, vamos fazer”, permitindo que a peça chegue de uma maneira muito mais rápida à loja. Quando lançamos o Mindset nas lojas do Iguatemi (São Paulo) e do Leblon (Rio de Janeiro), o time estava lá nas lojas, conversando e provando com os clientes, ajudando, explicando a coleção. É uma história de proximidade muito forte. Temos a expectativa de que isso mude a forma como a C&A se organiza.

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