Antes de mais nada, “Wakanda para Sempre” é um filmaço. Tirando o óbvio apreço deste colunista pros personagens da Marvel (e de vários universos oriundos da HQ e do cinema), “Wakanda” tem um roteiro inteligente, uma edição vertiginosa, atores legais e uma direção que faz bela homenagem a Chadwick Boseman, ator que vestiu o Pantera Negra em outros longas da Marvel e morreu prematuramente, vítima de câncer, há dois anos.
Longe de mim querer fazer analogias ou análises psicológicas e sociológicas do filme. Quero apenas compartilhar minha leitura deste filme que considero fácil um dos 5 melhores do Marvelverso no cinema (a lista fica para outra oportunidade ou para um papo de bar com os chegados). Então, tentem encarar como um texto de um fã, e que sinceramente mergulhou em uma história que se propôs a abordar questões incômodas, com uma inteligência que talvez falte aos cineastas mais “autorais”.
O que “Wakanda para Sempre” me trouxe, na essência? Uma história que prioriza inversões para fazer a audiência encarar o que seria estranho, inusitado ou mesmo impensável. Tudo é muito sutil, construído entre dois eixos narrativos clássicos, os estágios do luto (negação, raiva, depressão, barganha e aceitação) e a jornada do herói (bom, é um filme de heróis, nada mais natural). Luto porque ondulem assumiu a morte de Chadwick como a morte do próprio Pantera Negra. E Jornada do herói, porque o manto do Pantera está sem sono e alguém terá de assumi-lo.
Mas de que inversões falo aqui? Imagine duas nações, uma africana, outra latina, com poder militar, científico e tecnológico para rivalizar com os EUA e China da nossa realidade.
Imagine que os protagonistas são negros e latinos, não exatamente o clássico anglo-saxão branco (normalmente protestante). Aliás, acrescente que há muito protagonismo feminino (como assim? Negra e mulher? Exatamente), demonstrando poder e princípios firmes. Para temperar com mais pimenta, as nações democráticas são aquelas que afrontam nações muito poderosas e de governos monárquicos. Outra inversão ou leve subversão é o fato de o grande protagonista pairar permeando o filme, mas sem aparecer de fato. Tudo isso para ver a morte celebrar a vida.
É tudo muito estranho, ainda que envolvido em cenas de ação espantosas, de grande esmero técnico e dentro de um argumento baseado na busca por um recurso natural raro, escasso e alienígena (Vibranium). O filme joga com polarização, criando oposições entre motivações políticas, pessoais, crenças e ciências, razão e emoção, democracia e autocracia, justiça e vingança, o que é submerso com o que está na superfície é assim por diante.
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As questões incômodas partem dessas inversões, onde nações que procuram se manter à margem dos “colonizadores”, são elas também potências, e que querem manter sua integridade, suas tradições e sua cultura. O choque entre civilizações é inevitável e causa tensões geopolíticas e temores.
As fraturas e contradições surgem a todo momento. O divertido é que tudo isso está ali na tela, enquanto a história de Wakanda e Talokan se desenrola. Talokan é uma saída Marvel para enfocar Namor, o arrogante, ultrapoderoso e déspota esclarecido monarca de uma nação submersa (aliás, o “príncipe submarino” nem sempre foi bem trabalhado nas HQs, mas faz uma estreia digna e impetuosa na telona).
Sua nação seria a Atlântida naturalmente, mas no Marvelverso não fazia sentido criar um ruído com a DC e seu Aquaman. Logo, na ótica da Marvel, explorar lendas e mitos meso-americanos fazia mais sentido e permitiria dar mais substância para esse jogo de inversos.
Assim, “Wakanda para Sempre” permite que vejamos uma história de heróis como a conhecemos, de uma forma que em princípio iríamos refutar. Ryan Coogler, o diretor, faz isso com amplo domínio da narrativa. E consegue realmente mostrar ideias estranhas (para aqueles que têm seus preconceitos enrustidos ou inconfessados) como elas devem ser: perfeitamente naturais.
Porque “Wakanda para Sempre” é um elogio aquilo que nós faz humanos: histórias, legados, amor, perda, amizade, morte, renascença, arte, guerra, ciência, paz e misericórdia. É nesse oceano de contradições e paradoxos que a humanidade aprendeu a seguir em frente. Sempre há dor na jornada da vida, guerra, fome, intolerância, violência e barbaridade. Esgotadas todas as alternativas erradas, sempre haverá uma narrativa e uma inspiração capaz de nos levar ao caminho certo.
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