Em 1999, o sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman desenvolveu o conceito de “modernidade líquida”. O termo retrata a dinâmica dos líquidos, com alto poder de adaptabilidade, que permite às substâncias fluir, escorrer, esvair, respingar, transbordar, vazar e inundar. Para Bauman, são movimentos com diversas facetas, que permitem metáforas com a natureza do atual momento da sociedade globalizada. O próprio sociólogo desdobrou o termo em outras dimensões humanas e, com a mesma desenvoltura que os líquidos têm ao avançar por uma superfície. Uma análise segmentada permite também aproximar o conceito de movimentos mercadológicos.
Assim, tomo a liberdade de extrapolar essa definição de Bauman para o varejo. Trata-se de uma das áreas que passa com maior intensidade por muitas transformações ao mesmo tempo. Desta forma, não à toa, ganha corpo o conceito de varejo líquido, ou liquid retail. Afinal, os consumidores também estão exigindo relacionamentos mais fluídos e somente o varejo líquido poderá atender essa demanda por completo, usando todas as ferramentas possíveis para quebrar barreiras entre ambientes físicos e digitais, aumentar o alcance, proporcionar melhor atendimento e oferecer experiências memoráveis aos clientes.
Novas estratégias
Essa visão se aplica de forma geral dentro do varejo, mas tomo como base para aprofundar o pensamento o segmento de houseware, dentro do B2B, no qual atuo. Atualmente, é imperativo permear todos os pontos de contato, desde os formatos de venda mais tradicionais do segmento, com representantes por catálogo, passando pelo espaço físico (se houver), feiras e eventos. Nessa vertente, seguimos em frente no mix, avançando com geração de leads por meio de website, mídias sociais, CRM e showroom virtual, entre outras frentes.
Esse movimento exige muito esforço e retrabalho na concepção da estratégia e do investimento. Realocação de verba e custo de oportunidade são expressões das mais usuais nesses tempos.
Hoje há cada vez menos fronteiras para o B2B e cada vez mais ferramentas. Muitas compartilhadas do B2C. Quem não compreender esse cenário estará entrando na disputa por clientes com a rigidez de uma pedra. O modelo antigo funciona ainda, mas de maneira limitada (pela logística deficiente do Brasil e por fenômenos como a pandemia, por exemplo) e, diante de tantas ferramentas de automatização de processos, é difícil dizer quais elos desta cadeia produtiva simplesmente se tornarão desnecessários. De fato, o futuro já chegou e a revolução no varejo está aí, transformando formatos de contato já existentes e criando outros novos, por meio de estratégias mistas entre online e off-line, como na teoria de Bauman, mais fluídas e volúveis.
O ‘phygital’ já foi uma mudança importante, mas seu processo ainda não está maduro e a curva de aprendizado parece ser grande. As lojas físicas não acabaram, mas precisaram ser repensadas e ressignificadas. A loja física precisa oferecer mais do que o produto, pois ele pode ser adquirido a qualquer momento pela internet. A loja precisa oferecer a interação que o site (ainda) não oferece: contato humano, um pool de informações sobre os produtos e suas aplicações e, claro, o tasting. Nesse sentido, o varejo líquido vem para abarcar tudo isso em novas formas complementares de se pensar o negócio e seus objetivos.
A pandemia acelerou as mudanças. Se antes, elas aconteciam na tranquilidade de um cenário mais cômodo, o isolamento e distanciamento social mudaram as estruturas dos negócios. Somente com a fluidez de um líquido é possível passar por essa adaptação necessária, sem grandes perdas, e encontrarmos oportunidades jamais vistas antes.
É mandatório que empresas de varejo desconstruam velhos paradigmas e a era do varejo líquido apresenta horizontes importantes. Trata-se de tendência que não pode ser mais tratada como mera vantagem competitiva. O varejo tradicional deve observar com atenção os riscos de permanecer abraçado a práticas antigas. O varejo não deve mais pensar somente em um modelo sólido porque o relacionamento com os consumidores tem os contornos das formas líquidas.
* Paulo Fainzilber é gerente de Marketing da Full Fit
+ Notícias
Os impactos do distanciamento social nas tendências de consumo
Brasileiros adotam hábitos conscientes e priorizam a economia local
A necessidade de entender o perfil do consumidor para obter resultados