Causou certo alvoroço nos últimos dias: o aplicativo Tik Tok, chinês, criado pela Byte Dance, já é o segundo mais baixado do mundo, atrás apenas do WhatsApp.
Febre entre os mais jovens, pertencentes à Geração Z, o Tik Tok é a consagração do efêmero, do descartável, da falta de conteúdo. O app permite que se façam vídeos curtos, com bastante nonsense. Os, digamos, videomakers, filmam situações bizarras, dançam hits e exploram efeitos engraçadinhos em vídeos muito curtos de 1, 2 minutos. A graça é que o app não pede cadastros para a audiência, somente para quem posta.
É evidente que há um lado nada divertido e “fun” no app. O estímulo ao uso dominante de imagens e de vídeos está em linha com os softwares de reconhecimento facial onipresentes na China de hoje. Um incauto pode achar que o aplicativo traz uma experiência descompromissada, sem desconfiar que na verdade há uma chance considerável do app ser um banco de dados de expressões faciais que se multiplica exponencialmente.
Essa “função” do Tik Tok ganha ainda outros contornos justamente pelo seu lado irreverente. O app é um exercício de “soft power” esperto, sorrateiro no limite. Desestimula a linguagem verbal, inibe o conteúdo reflexivo, a troca de ideias, limita até mesmo a raivosa polarização estimulada pelas monopolistas de dodos – outrora conhecidas como “redes sociais” – em favor de imagens “engraçadinhas”.
Criado na China, o Tik Tok não exige que o usuário saiba mandarim, inglês ou espanhol. Basta filmar qualquer situação excêntrica ou histriônica, aplicar filtros e esperar pelas visualizações. Uma plataforma dedicada ao vazio do sentido, simulacro mais leve dos gatinhos fofos que fizeram a primeira história do YouTube, antes que a rede se profissionalizasse como território dos influenciadores.
Claro que já surgiram os “influenciadores” do Tik Tok. É de se pensar qual influência exercem tais personalidades, em um ambiente dedicado a ser válvula de escape, conteúdo essencialmente descartável para uma geração que já se mostra radicalmente contra o consumo descartável.
Combatam-se os canudos plásticos, as sacolinhas, o fast fashion que alimenta os famélicos de Bangladesh, Tailândia, Indonésia, mas riam vigorosamente dos vídeos caricatos que são esquecidos 15 segundos depois de vistos.
O plástico que polui os mares é problema mais agudo que as tolices que enevoam a mente e a impedem de refletir, de pensar com maior densidade, mais consistência e qualidade. Essa falta de densidade intelectual acaba por tornar rasa a busca de soluções para problemas sérios como a poluição ambiental, o desmatamento e o aquecimento global, para ficarmos apenas nesses.
Esse espaço vazio ocupado pelo conteúdo efêmero, pueril, carente de significado é um paradoxo diante da busca infatigável por uma vida mais longa. Queremos viver mais e já se afirma que o humano capaz de viver 1000 anos já nasceu, como garante o historiador Yuval Noah Harari.
Uma vida de 100 anos desperdiçada em vídeos de 1 minuto sem qualquer ideia ou conceito que valha a pena ou que permita um enriquecimento pessoal? É disso que se trata nossa saga digital?
Não resta dúvida de que a vida é excitante quando passamos por momentos de pico, experiências memoráveis, que rompem com a rotina e a previsibilidade do cotidiano. Mas o momento de pico é muitas vezes a porta de entrada para provocações que mexem com nosso íntimo, que nos inspiram e nos levam a superar desafios.
O que a cultura evidenciada pela superficialidade deliberada do Tik Tok (e da recorrência dos Stories e Snaps) expõe é a renúncia da discussão, do debate, do exercício do contraditório. Nada de momentos de pico, nada de adrenalina em excesso, nada de ambição e exigência por mais ideias e provocações.
Daniel Kahneman e Amos Tversky mostraram de que modo a nossa tomada de decisões se divide em duas formas de pensar: o sistema 1, intuitivo e direto, rápido e instintivo e o sistema 2, que consome energia excessiva para tomar decisões conspirando diversas opções e variáveis.
Mas a lógica da era digital está nos estimulando cada vez mais a priorizar unicamente o sistema 1. Prazer momentâneo é o novo normal. Reprimir a razão e abrir mão do que nos torna melhores e mais maduros é apenas descartável.
Quem diria: a vida longa que tanto almejamos tornou-se um exercício de fugacidade.
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