Contar histórias é um hábito antigo da civilização. Os primeiros conhecimentos da humanidade eram passados pela oralidade. Diversos contos, narrativas, histórias de terror já foram contados para crianças e adultos. Tal hábito, tão importante para nosso desenvolvimento, foi abraçado pelos publicitários. Hoje ele é definido como storytelling – e pode fazer toda a diferença para encantar os consumidores.
Durante o Whow! Festival de Inovação, Stalimir Vieira, diretor da Base de Marketing, lembrou como o storytelling está em voga. “Ele é um revival de um procedimento, de uma atitude do mercado publicitário. A criação publicitária baseada na naturalidade, na verdade da realidade, fugindo de padrões artificiais e modelos distantes da nossa sociedade”, aponta. A “família margarina”, por exemplo, não é um bom modelo de storytelling.
Como fazer isso?
“Storytelling para mim é a história das pessoas e não das marcas. As marcas entram como coadjuvante”, destaca. “Temos que tomar cuidado quando queremos se aprofundar nesse conceito e estudamos comerciais. A base está no dia a dia, na convivência com as pessoas, na atenção que você dá ao que acontece à sua volta”, aponta.
Ele brinca e conta que sua mulher costuma brigar com ele porque ele presta atenção na conversa das pessoas. Esse hábito, conta, faz com que ele perceba a emoção das pessoas, o que elas passam quando dizem alguma coisa.
Nesse sentido, o especialista relembra quais foram as marcas da sua história – que levantaram grandes sentimentos em sua vida. “A primeira marca que me deparei, que se fixou na minha mente, foi Johnson e Johnson. Ela está, para mim, sempre associada a frio – porque eu estava pelado quando ela aparecia para mim, para tomar banho ou ser limpo”, conta. “Storytelling é a vida como ela é”.
Merthiolate estava relacionado a tortura – afinal, doía muito. A farinha láctea Nestlé estava relacionado aos momentos mais prazerosos e gostosos. Estrela trazia a magia dos brinquedos. Pepsi Cola (famosa no sul, onde o executivo viveu sua infância) foi a responsável por Stalimir sentir-se um cidadão do mundo – afinal, antes ele só bebia suco. Tudo está relacionado a momentos de vida. As marcas evocam sentimentos e sensações nos consumidores.
Questão interna
“O ser humano tem uma atração muito forte por histórias”, analisa Henrique Szklo, Sócio e CSO da Chichenz. “Existe um processo biológico no nosso cérebro, quando ouvimos uma boa história, isso provoca produção de dopamina que faz com que a gente se engaje melhor na história e que você lembre melhor”. Em muitos cursinhos pré-vestibular, por exemplo, os professores contam histórias para ajudar os alunos a memorizar assuntos aparentemente chatos, como formulas de matemática e física.
Os especialistas apontam que o próprio processo de criação envolve a história de vida dos profissionais responsáveis pela campanha. Isso faz toda a diferença para a identificação do público com aquele enredo – afinal, é de pessoas para pessoas. “A vida quente, pulsante, é a melhor inspiração para novas histórias. Temos que nos inspirar pelo que vem da natureza das pessoas”, destac Vieira. É uma questão de se abrir para a realidade. A criação não pode ficar presa a briefings e modelos pré-concebidos. É a inspiração de fora que traz o inusitado.
Sklo conta sobre um amigo que gostaria de vender um sítio há muitos anos atrás. Ele pediu para um outro amigo escritor produzir um anúncio para a venda. O resultado? O escritor conseguir vender o sítio para o próprio dono. “A forma como ele escreveu a história fez aquele homem ter uma nova visão sobre o seu próprio sítio”, conta.
E claro, é preciso ter apego a verdade. Não adianta inventar algo bonito para ter na história. Afinal, as pessoas descobrem a realidade e isso acaba com a visão sobre a marca. Fora isso, é fundamental que a mensagem passada por uma empresa tenha a ver com o seu próprio propósito. “Eu estranho um pouco marcas de cerveja vendendo filosofia para o público. A forma como ser feliz, como viver. Eu fico pensando se a empresa, lá no seu escritório, coloca isso em prática, se tem a ver”, exemplifica Henrique.
Aperfeiçoamento
Vieira destaca que não são títulos que garantem a qualidade de uma mensagem. “Nós geralmente nos apegamos ao número de leões em Cannes, mas a qualidade não é só isso. Precisamos entender o impacto das mensagens nas pessoas”, destaca.
Nesse sentido, Henrique também lembra a necessidade das empresas de querer impactar todo tipo de público. É importante segmentar. “Vamos chegar a um momento de inteligência artificial que a própria máquina vai criar campanhas personalizadas. Precisamos lembrar disso”, garante.
No fim das contas, a mensagem é bem direta: histórias precisam de um apelo humano. A inspiração para conquistar os clientes vem da vida cotidiana, de olhares, sentimentos, conversas. É esse o ponto que nunca pode ser deixado de lado. Histórias de pessoas para pessoas.