Por Vasco Simões, líder de Estratégia da Accenture América Latina e Costanza Gallo, diretora executiva líder de Estratégia de Varejo da Accenture América Latina
Muito se fala sobre os dias do varejo terem chegado ao fim: reestruturações, falência dos varejistas, imóveis vazios, shoppings centers fantasmas. Para nós, essa é uma visão muito apocalíptica do mundo que não nos leva a lugar algum. Devemos nos preparar e aceitar que o modelo tradicional de negócio não se sustentará por muito mais tempo.
O que os varejistas têm de muito valor são toneladas de dados primários de que precisam aproveitar ao máximo para criar novos fluxos de receitas.
No modelo de negócio tradicional de varejo (e simplificando ao extremo), os varejistas ganhavam dinheiro comprando a mercadoria a preços baixos e vendendo a preços mais altos, cuidando da execução com um foco rígido em cada detalhe para garantir eficiência operacional.
Infelizmente, no novo ambiente competitivo, isso não basta: as margens vêm sendo reduzidas, ao mesmo tempo em que as expectativas dos clientes e os custos de atendimento estão aumentando. Dependendo do setor ou da geografia, o nível da “dor” dos varejistas varia.
Contudo, o impacto do e-commerce, da Amazon, do Cash & Carry (conhecidos no Brasil como atacarejos), dos Discounters (mercados focados em preços baixos) e dos modelos DTCs (Direct to Consumer, isto é, venda direta) é real e veio para ficar.
Se esse modelo tradicional de varejo não é mais suficiente para gerar lucros crescentes e saudáveis, o que os varejistas devem fazer? Para onde eles devem olhar?
First Party Data
Existem outras fontes de geração de valor incremental. Algumas, como Real Estate e serviços financeiros, já vêm sendo exploradas há muito tempo. Há outra que pouquíssimos varejistas estão explorando ao máximo: First Party Data.
Milhões de clientes deixam que os retailers, às vezes de forma semanal, enxerguem perfeitamente o que eles consomem, além dos seus hábitos e informações demográficas. Mesmo os todo-poderosos gigantes da internet, que usam bem esses dados, ainda podem inferir, mas nunca vão saber exatamente o que o consumidor comprou, especialmente em lojas físicas. No mundo de hoje, esse é um ativo essencial que poucas empresas têm e que os varejistas devem nutrir e extrair o máximo valor.
A maneira tradicional que esses dados podem ser usados é para tornar o varejista verdadeiramente focado no cliente. Com ciência de dados e algoritmos é possível entender quem são os principais e mais lucrativos clientes, o que eles querem e quando eles querem – para, com a combinação dessas informações, tomar decisões sobre a localização do ponto de venda, o store flow, o sortimento, os preços e as promoções.
Tudo isso com base nas informações e não mais utilizando valores absolutos de faturamento ou simplesmente a intuição. O uso dos dados do cliente é chave, não apenas para tornar a operação mais eficiente ou para aumentar o share of wallet, mas principalmente para buscar a fidelização dos clientes, de modo que os varejistas possam continuar a coletar cada vez mais dados.
Monetização dos dados
Uma nova forma de extrair valor das informações é por meio da monetização dos dados, por meio da criação de novos fluxos de receita a partir da venda para outros players ou para a indústria de insights ou canais de comunicação.
A Amazon, por exemplo, criou um negócio de mídia aproveitando o relacionamento com os clientes com mais de US$ 10 bilhões de receita em 2018. Em poucos anos, tornou-se o terceiro maior player de publicidade digital nos EUA, atrás apenas de Google e Facebook. Outros varejistas deveriam também buscar uma fatia desse bolo.
Varejistas, especialmente os que comercializam produtos alimentícios, estão numa posição privilegiada para entrar no mercado de mídia. Primeiro porque eles contam com grande volume de dados dos milhões de clientes que os visitam com uma alta frequência, tanto na loja física quanto na online. Segundo porque possuem a capacidade de entregar campanhas de marketing 360, incluindo um ponto de contato na hora da verdade, ou seja, no momento da compra na loja.
ROI
Por fim, os varejistas também podem medir o verdadeiro retorno do investimento de uma maneira muito precisa, com base em compras reais e não em inferências.
Muitos outros grandes varejistas também estão se organizando e seguindo o exemplo da Amazon, como é o caso do Walmart Media e Target Roundel, que relançaram seus negócios de mídia. Esta nova fonte de receita pode ser reinvestida em logística e preço, ou simplesmente para gerar um aumento de retorno aos acionistas.
Investimentos necessários
No entanto, por mais atraente que pareça, iniciar um negócio de publicidade não é uma tarefa nada fácil. A entrada nesse mercado requer ativos de investimento significativo e que são muito novos ao conjunto das habilidades do varejista tradicional.
Para criar um negócio de mídia escalável e de alto impacto os varejistas precisam investir em competências analíticas (estrutura de dados e modelos analíticos que permitam segmentação, atribuição e medição de ROI), em tecnologias que viabilizem a expansão do negócio (como plataformas de venda de mídia e de atendimento self-service) e na reestruturação do seu modelo de governança para definir os limites entre trade marketing e mídia (haverá uma resistência natural das áreas internas que já vendem mídia por temor a uma canibalização nas vendas, mesmo se tratando de um ativo novo e diferenciado).
Ao mesmo tempo em que o mercado de publicidade se caracteriza como um negócio desafiador para os varejistas, ele também é uma oportunidade que deve ser avaliada e buscada rapidamente. Cada dia que passa sem maximizar as vendas de mídia é um dia de negócio perdido. Esse dinheiro vai para outros concorrentes, que vão se aproveitar desse fluxo de receita lucrativa para se fortalecer.