A ideia de contratar pessoas influentes não é um conceito novo. Desde que o economista e sociólogo americano Thorstein Veblen escreveu sobre o consumo conspícuo, há mais de um século, os profissionais de marketing entenderam que os consumidores, muitas vezes, compram bens e serviços por emulação, ou seja, pelo simples desejo de competir com outras pessoas. Esse poder de influência é o grande trunfo das celebridades digitais para fisgar as marcas.
O Brasil tem a terceira maior população mundial em redes sociais, como Facebook e Instagram. Tamanho alcance fez com que nos tornássemos também o País com o segundo maior número de celebridades digitais, atrás apenas dos Estados Unidos. Hoje, o YouTube é uma das principais vitrines dos influenciadores. E não é à toa. Dados da consultoria Provokers mostram que, em 2014, os brasileiros assistiram a 19 horas semanais de vídeos on-line. Dois anos depois, esse número saltou para 31 horas. Criado em 2013 por Luanda Gazoni, o canal Torrada Torrada já fechou parceria com grifes de roupas, como a Farm.
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Tudo porque, entre uma receita e outra, as seguidoras não tiram os olhos dos looks usados por ela nas gravações. Já o canal infantil Ticolicos foi contratado pelo gigante do varejo Walmart para o lançamento de um brinquedo. “Com a proximidade do Dia das Crianças, a marca zerou o estoque dele”, garante Bruno Fiasqui, sócio-diretor do canal Ticolicos.
Falha coletiva
Apesar de termos de um lado marcas encantadas com o fenômeno dos influenciadores digitais e de outro agências dispostas a corroborar com o poder que eles são capazes de exercer, a dúvida é: até que ponto o investimento vale a pena e quais riscos ele envolve? Recentemente, a estratégia do governo federal de contratar influenciadores para elogiarem as mudanças promovidas no ensino médio desmoronou quando os seguidores descobriram que os elogios não haviam sido nem um pouco espontâneos. E até o youtuber mais famoso do mundo se envolveu em polêmica. Ao postar vídeos com conteúdo antissemita, o sueco PewDiePie, que soma mais de 50 milhões de seguidores e faturou, só no ano passado, US$ 14,5 milhões, viu seu canal sobre games ter o contrato com a Disney cancelado e a parceria com o YouTube prejudicada.
No Brasil, outro caso envolveu a Melissa, que, durante a estratégia de lançamento de um produto, em 2012, contratou influenciadoras que já haviam declarado, em suas redes sociais, que não gostavam dos calçados da marca. As fãs da Melissa ficaram indignadas, os seguidores se esvaíram e, em poucos minutos, viralizou na rede a hashtag #MelissaFail. Especialista em marketing digital, Kátia Damasceno diz que é muito comum, nesse universo, uma marca se deslumbrar com números e visualizações. No entanto, diz ela, alcance não é sinônimo de competência, tampouco de credibilidade. “Faça uma pesquisa sobre o passado do influenciador. Você vai descobrir se existe algum discurso contrário à visão da marca, mensagens de ódio, ou mesmo uma citação negativa sobre o seu produto ou serviço”, diz Katia.
Reflexão
Presidente da Troiano Branding, empresa especializada em consultoria de marcas, Jaime Troiano faz mais um alerta: “Youtubers e influencers nem sempre são influenciadores movidos por um princípio quase sagrado de credibilidade editorial que se alimentam de fontes confiáveis na construção do seu conteúdo”, diz ele. “Marcas não podem estar expostas à volatilidade muitas vezes inconsequente desses jovens”.
Segundo Troiano, a velocidade com que o conteúdo gerado pelos influenciadores é propagado pode até gerar a falsa impressão de que eles são capazes de acelerar o fortalecimento de uma marca. “Mas o que acontece, em muitos casos, é que provocam apenas um efeito fugaz, que pode conter equívocos que a velocidade não permite equacionar. As marcas de maior reputação e valor do mercado não cresceram da noite para o dia”, diz Troiano. Para o especialista, esse movimento digital se tornou complexo demais para aqueles que regem a comunicação que alimenta as marcas. “Marcas precisam de ‘maestros’ e não de ‘solistas’, como os especialistas em alguma atividade digital apenas”, afirma.
Engajados. De verdade?
No ano passado, antes de exibir seu comercial Super Bowl, a montadora Kia usou os poderes de computação do Watson, da IBM, para selecionar cem influenciadores de mídia social para que elas criassem e compartilhassem conteúdo antes e depois do jogo. Enquanto alguns dizem que essa estratégia dá às marcas a oportunidade de comprar a confiança dos consumidores, outros argumentam que a tática está sujeita a fraudes. Num universo que envolve tantas cifras, já existe um mercado paralelo de venda de seguidores falsos para turbinar os perfis de celebridades digitais. Essa é a primeira questão que coloca a sua eficiência em xeque.
A outra é que, quando o post ou o vídeo trazem uma propaganda explícita e, portanto, sem o endosso do influenciador, o engajamento é pifiamente menor. Um levantamento da consultoria Airstrip mostra que postagens acompanhadas de alerta de publicidade têm 25% menos comentários e 80% menos compartilhamentos. Isso explica porque algumas marcas vêm tentando conquistar a influência ao invés de comprá-la. É o caso da Friboi, que mantém um relacionamento próximo com canais de churrasqueiros tanto no YouTube quanto no Instagram, convidando-os para eventos, mas sem remunerá-los em dinheiro. “Optamos por uma estratégia que gere credibilidade e proximidade com o nosso público”, diz Maria Eugênia Rocha, gerente executiva de marketing da JBS Carnes. “Dessa forma, criamos relações mais legítimas e duradouras com nossos clientes e com nossos parceiros.”
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A precisão das métricas é mais um assunto em voga. No mundo fugaz do Snapchat, por exemplo, as marcas têm que confiar nos influenciadores para fazer uma captura de tela. O conteúdo publicado também não pode ser acompanhado por métricas tradicionais. E isso torna mais difícil o desafio de acompanhar a jornada do consumidor em sua plenitude. “No YouTube existe realmente uma proximidade, seja pelo tom do conteúdo ou no feedback dos comentários”, diz Thiago Aiami, diretor de mídia da agência Africa. “Entretanto, por ser um fenômeno recente no Brasil, ainda falta maturidade para algumas marcas trabalharem com um influenciador”. Cabe agora às marcas e às agências ponderar se elas estão, de fato, influenciando ou sendo influenciadas.