“Leva a comida, mas devolve meu Tupperware”. A empresa que virou sinônimo de pote de plástico reutilizável e que esteve presente nas cozinhas e lares de tantos consumidores por praticamente 80 anos está vivendo um processo de falência.
Após anos de dificuldades financeiras, no último dia 17 de setembro, a companhia comunicou ao mercado que entrou oficialmente com um pedido de recuperação judicial. É o chamado Chapter 11 da Lei de Falência dos Estados Unidos, uma etapa anterior ao pedido de falência definitivo que permite que a empresa em dificuldades tenha maior flexibilidade para reorganizar suas operações.
Em nota, a presidente e CEO da Tupperware, Laurie Ann Golgman, justificou a medida: “nos últimos anos, a posição financeira da empresa foi gravemente impactada pelo desafiador ambiente macroeconômico. Como resultado, exploramos diversas opções estratégicas e determinamos que este é o melhor caminho a seguir”.
Diante do cenário adverso, as ações da empresa caíram 74,5% só em 2024. Há futuro possível para a Tupperware?
Tupperware inaugurou categoria de consumo
A Tupperware foi criada em 1942 pelo engenheiro Earl Tupper. Os primeiros produtos chegaram ao público em 1946. Algo tão banal para os dias de hoje, no seu portfólio havia itens que transformaram o dia a dia da cozinha, como a Tigela Maravilhosa, primeira a ter uma tampa para conservar os alimentos por mais tempo.
O professor de Marketing e Branding da ESPM, Marcos Bedendo, resgata que a Tupperware praticamente inaugurou essa categoria de consumo, crescendo na visão que tiveram de melhorar a vida das pessoas no lar.
“Um grande diferencial foi a qualidade de seus produtos, tanto pelos formatos que atendiam um conjunto amplo de utilidades domésticas, quanto pela integridade física. Tem gente que comenta que ainda tem potes dos anos 70 sendo utilizados”, diz.
Outro fator de sucesso foi seu modelo de venda inovador para a época. A venda direta permitia demonstrações da qualidade dos produtos, tanto porta a porta quanto com as famosas “festas da Tupperware”, em que grupos de mulheres vizinhas se reuniam para testar e comprar os utensílios. A companhia chegou a ter 300 mil vendedores independentes.
No Brasil, a Tupperware aportou em 1976. Segundo a presidente da Tupperware Brasil, Paola Kiwi, as operações por aqui estão saudáveis: em 2016, o país se tornou o maior mercado consumidor da marca.
Motivos para o fim do sucesso da Tupperware
O professor Marcos Bedendo explica que a Tupperware teve um longo sucesso por conseguir se modernizar junto com a cozinha: “eles tiveram, por um bom tempo, a capacidade de entender as necessidades específicas dos seus consumidores, se alinhar a isso e fornecer produtos com uma qualidade melhor do que a média”.
Por isso, a falência de uma empresa antiga e icônica como ela acende o alerta de que o sucesso não é garantido para sempre a ninguém, em especial quando se deixa de acompanhar com cuidado as mudanças do mercado. No caso da Tupperware, dois pontos principais parecem ter contribuído para a situação atual.
O primeiro deles foi a entrada de concorrentes que, segundo o especialista, trouxeram produtos “copiados” dos originais Tupperware com um preço menor. “Tivemos a proliferação de produtos mais baratos, mais simples e menos duráveis, sem dúvidas, mas que no fundo estavam suportando a necessidade do consumidor, que muitas vezes buscava a flexibilidade de dar comida no pote e o pote não precisar voltar depois. Assim, vai ficando mais difícil mostrar seu diferencial”, afirma.
Na sua visão, para mitigar esses efeitos, a marca poderia ter entendido que conta com um produto de nicho e optado por trabalhar com o conceito de compra premium, competindo não com os potes de plástico de qualidade inferior, mas com os utensílios de vidro, por exemplo.
Já um segundo ponto é que o processo de venda direta da Tupperware ficou obsoleto, deixando de atender a praticidade exigida do dia a dia moderno. Para se ter uma ideia, seus produtos começaram a ser vendidos na Target, grande varejista americana, apenas em 2022.
“Eles poderiam ter tido uma capacidade maior de reinventar seu canal de venda, como outras marcas que trabalhavam com revendedores, por exemplo Natura e Avon, fizeram. Isso acabou travando o modelo de negócio e ajudou a piorar a situação”, complementa.
Também são citados como fatores para o fim do sucesso da marca a entrada dos chineses no mercado, a falta de rentabilidade de seus produtos no e-commerce e a dificuldade em se conectar com os hábitos de consumo das gerações mais jovens.
E agora, Tupperware?
A Tupperware vem enfrentando anos de dificuldade financeira e queda de demanda. Hoje, sua dívida soma mais de US$ 700 milhões. Além disso, desde 16 de setembro, dia anterior ao anúncio da recuperação judicial, as negociações de suas ações na NYSE estão suspensas – nessa data, os papéis perderam 50% do seu valor diante da possibilidade de falência. A última vez que foram negociados estavam custando apenas US$ 0,51.
A empresa afirma que irá tentar manter suas operações durante todo o processo de recuperação judicial, tanto para consumidores quanto para os consultores que vendem os produtos por meio de catálogo ou pronta entrega. No entanto, as perspectivas não são promissoras.
Ano passado, a empresa já havia feito movimentos para tentar reverter esse quadro, como trocar sua diretoria e contratar consultores para ajudar na reorganização de suas operações. Contudo, ainda em 2023, comunicou aos investidores que poderia entrar com um pedido de falência. Alguns meses depois, chegou a um acordo com seus credores, que não foi cumprido e resultou no pedido de recuperação judicial deste mês de setembro.
Além disso, no campo produtivo, a Tupperware fechou sua única fábrica nos EUA, na Carolina do Sul, este ano, o que resultou em 148 demissões.
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