Austin, Texas, EUA – Como um jornalista avalia o risco de suas reportagens? Como saber qual fato colocará em perigo comunidades diferentes? É possível colocar mais ciência na cobertura dos fatos pelos jornalistas, para informar corretamente quais os riscos que realmente são relevantes para o público?
É fato que os jornalistas caminham sempre atrás do fato inusitado – como ataques de tubarões ou massacres com armas de fogo – e não olham o que afeta sensivelmente as comunidades locais dia após dia. O fato – e fatos são teimosos – é que há muito mais riscos em nosso cotidiano do que em eventos extraordinários. Trevor Knoblich, diretor da área digital e on-line da News Association – ou simplesmente journalists.org – resolveu enfrentar a questão e trouxe o resultado de sua investigação para o SXSW. Uma metodologia que concilia dados, probabilidades e riscos de danos no cotidiano capazes de afetar nossas comunidades. Knoblich falou sobre “Carros X Tubarões X Revólveres: riscos e dados nas notícias”.
Trevor Knoblich, diretor da área digital e on-line da News Association (Foto: Jacques Meir)O jornalista definiu risco a partir de uma fórmula. Risco = probabilidade x consequência. Claro: a probabilidade do evento extremo (risco) se concretizar em comparação com a consequência que vai gerar.
Se a fórmula faz sentido, infelizmente não podemos dizer o mesmo de como o avaliamos. E o quanto somos ruins na mensuração dos riscos.
Knoblich desafiou a plateia ao mostrar duas dezenas de fotos de animais – selvagens como leões, rinocerontes e elefantes, insetos como mosquitos e aranhas, répteis (cobras), aquáticos como o tubarão, domésticos como os cachorros, um bebê e assim por diante. Então, perguntou quais os 5 animais que representam risco mais elevado, considerando o número de mortes que causam nos seres humanos.
A resposta foi surpreendente: o bebê, que representa o próprio ser humano, é imbatível. Humanos matam uns aos outros em larga escala. Mas daí para frente, a letalidade maior é causada por mosquitos, aranhas, cachorros e cobras. Sim, cachorros matam mais gente que tubarões. Mas basta um acidente com um surfista para que a mídia dedique-se a “informar a população dos riscos de tomar um banho de mar”… Mais prudente seria alertar dos riscos de não cuidar bem dos cães. O melhor amigo do homem andou convivendo demais com os humanos…
A sua mobília é um perigo
O terrorismo é uma chaga assustadora. Ela choca-se contra os princípios da civilização ocidental, a democracia, a liberdade de expressão. O governo americano gastou US$ 16,6 bilhões com segurança anti-terror em 2013. E ainda assim, ser morto por um terrorista é um risco infinitamente menor do que ser vítima da própria mobília. Acidentes domésticos, principalmente na população sênior fazem muito mais vítimas ao ano que os 260 americanos vítimas de ataques terroristas ano passado.
Claro que Trevor não defende a extinção dos investimentos em defesa contra o terror, mas antes preconiza que os meios de comunicação precisam saber dimensionar corretamente o que efetivamente é um risco cotidiano para a população, por pura falta de informação. Tapetes em residências de idosos causam fraturas de fêmur, traumatismos cranianos e mortes a rodo, ano após ano. Mas quem sabe disso?
Há uma inclinação natural das pessoas a subestimar riscos, principalmente quando eles são familiares, relacionam-se a tarefas que estão sob controle pessoal, são voluntários (quando assumimos que uma determinada ação é “segura”), não são devidamente abordados pela mídia ou então já são supostamente bem compreendidos.
Ops! Então a mídia pode fazer riscos parecerem maiores do que são realmente. Um bom exemplo é o alcance e a amplitude da cobertura de tragédias de avião. Não se trata de diminuir a dor de famílias que perderam entes queridos em acidentes aéreos, mas sim a de repercutir extraordinariamente um tipo de acidente que é raro, em detrimento de acidentes que são corriqueiros. E quanto mais nos interessamos por acidentes aéreos, mais trabalhamos para distorcer nossa percepção de risco.
Ou seja, a mídia falha em prover contextos e adota falsos equivalentes. Ou seja, nada em tese pode causar tanto alarmismo quanto um acidente de avião. Mas qual é a repercussão de mordidas de cachorro, choques elétricos e quedas de escada?
Por que somos ruins com dados?
Pense na demografia: a mídia faz constantemente infográficos errados. Pior que isso: publica! Não entendemos exatamente o que os dados querem dizer, o que nubla nossa percepção de risco. Outro exemplo: os EUA receberam nos últimos anos mais de 794 mil refugiados da Síria. O número provocou uma histeria apoplética na mídia, com âncoras neuróticos dizendo que o governo americano abriu as portas para terroristas travestidos de refugiados. Uma tolice exponencial. Dos quase 800 mil refugiados que entraram nos EUA, apenas 3 foram detidos por atividades terroristas prévias. Talvez menos do que aqueles que moram no seu prédio.
Sendo assim, a mídia pode se dedicar a prestar um serviço mais qualificado para sua audiência. Trevor Knoblich enumera as melhores práticas para que isso aconteça:
– Ideias práticas – pensar no que acontece nas redondezas, nas comunidades. Ser prático com o que a realidade apresenta;
– Falar sobre riscos – jornalistas precisam conversar entre si para avaliar se um fato traz risco real e possível para afligir a população;
– Conhecer a incerteza, saber que acidentes extemporâneos são exatamente isso: fora de época, incomuns;
– Priorizar a qualidade dos dados;
– Melhorar as decisões editoriais, de preferência com o auxílio de bons analistas e cientistas de dados.
Ele recomenda que as redações pensem dessa forma, antes de saírem vociferando contra o uso de armas de fogo a cada massacre cometido por jovens desajustados. Isso porque esses massacres são a minoria absoluta nas mortes derivadas do uso de armas de fogo. Por que simplesmente, nós, jornalistas, não olhamos para as demais?
*Jacques Meir é Diretor de Conhecimento e Plataformas de Conteúdo do Grupo Padrão