Não é de hoje que o consumo consciente tem ganhado destaque nas discussões sobre sustentabilidade e responsabilidade social. Neste tópico, o Brasil encara um desafio específico: conciliar a necessidade de preservar recursos naturais e promover práticas éticas com o desejo de consumo típico de um país emergente, em que boa parcela de seus mais de 200 milhões de habitantes teve acesso a diversos bens, serviços e produtos somente há pouco tempo.
Em uma tentativa de conciliar estes dois pontos, muitos defendem que é tendência cada vez mais forte, em especial dentro das gerações mais novas, a procura por produtos ecofriendly e por marcas que tragam práticas sustentáveis. Mas até que ponto esse discurso se traduz em hábitos concretos?
Divulgada em outubro deste ano, a pesquisa “Vida Saudável e Sustentável 2024”, elaborada pelo Instituto Akatu e GlobeScan em parceria com o Grupo In Press, busca responder exatamente isso. Considerando as proporções continentais brasileiras, ela qualitativamente tenta entender o quanto as diferenças regionais contribuem para um maior ou menor grau de adoção de práticas relacionadas à sustentabilidade.
Com uma melhor compreensão do cenário atual e de tais diferenças, seria possível não só valorizar as identidades locais, mas também fornecer insights valiosos para empresas e governos atuarem de forma mais eficaz nos diversos mercados. A seguir, você confere as principais percepções levantadas pelo estudo.
Percepções sobre o consumo consciente no Brasil
Para embasar suas conclusões, a pesquisa “Vida Saudável e Sustentável 2024” realizou entrevistas em grupo com brasileiros entre 22 e 37 anos, das classes B e C, de capitais das cinco regiões do país. Foram construídos grupos com diversidade de gênero, raça, religião, orientação sexual e ocupações, excluindo da seleção participantes que tivessem muita proximidade ou afinidade com temáticas sustentáveis.
A partir desta metodologia, chegou-se a cinco personas, ou seja, representações baseadas em características reais do público estudado. Elas ajudaram a sintetizar aspectos e particularidades observadas em cada local, evidenciando os desafios múltiplos de educar e engajar para a sustentabilidade no Brasil.
Além de particularidades de cada mercado, o estudo também destacou semelhanças entre as cinco regiões, que retratam uma população que ainda tem como prioridade sobreviver, prosperar e cuidar dos seus. Neste contexto nacional, aspectos relacionados a um consumo consciente ficam em segundo (ou terceiro, ou quarto) plano. Dentre as percepções gerais levantadas, algumas são particularmente relevantes:
Ser sustentável é caro ou privilégio dos mais ricos
O preço aparece como principal barreira para se ter uma vida mais sustentável em todos os grupos de todas as cinco regiões. Em um país onde, segundo o IBGE, apenas 8,1% da população recebe três ou mais salários mínimos por mês, não é de se espantar que a prioridade seja pagar as contas.
A pesquisa aponta que a percepção de valor de produtos ou serviços está diretamente – e na maioria das vezes somente – associada ao preço na etiqueta. Por isso, não há muito espaço para se perceber o valor embutido e os benefícios de produtos sustentáveis.
“Nem sempre é fácil achar produtos sustentáveis. E quando você encontra, são extremamente caros. É difícil falar de sustentabilidade com o salário da população. Na real, é insustentável ser sustentável”, é uma das frases que a pesquisa utiliza para sintetizar a ideia.
Consumo consciente exige muito esforço
Além de ser caro, os entrevistados apontaram que ser sustentável dá trabalho: demanda tempo e energia, sair do conforto e mudar o estilo de vida. Em resumo, a percepção do esforço necessário é maior do que a percepção dos benefícios que o consumo consciente gera para as pessoas e o meio ambiente, ainda mais na rotina atribulada das capitais.
A concepção individual é predominante
No mesmo sentido de que o consumo consciente perde força quando a maior preocupação das pessoas é dar conta das demandas imediatas de sobrevivência, a pesquisa sugere que a sustentabilidade é camuflada pelo foco em si mesmo e nas necessidades da família. O mais importante é garantir o próprio futuro e o sucesso pessoal ou familiar.
Enquanto soluções coletivas são pouco mencionadas diante das crises socioambientais, as possíveis ações individuais também recebem certo grau de desconfiança sobre sua efetividade. De acordo com o que foi levantado com os entrevistados, este aspecto traz inclusive uma sobrecarga psicológica, uma vez que aparecem sentimentos de culpa – por não saber o que fazer ou não conseguir encaixar a sustentabilidade na rotina – falta de motivação e até ansiedade climática.
“Acho que às vezes é o nosso próprio egoísmo, sabe? De não se conscientizar para fazer algo diferente, para melhorar”, foi um dos relatos ouvidos.
A crise climática se resume ao aumento da temperatura
Ainda que a instabilidade climática tenha sido percebida, a pesquisa aponta que ela já foi incorporada na rotina e vista como normal. Além disso, os entrevistados demonstraram pouco conhecimento dos impactos da crise climática para além do aumento das temperaturas e da incerteza das estações do ano, o que joga a urgência para a adoção de hábitos de consumo mais conscientes para o futuro.
Ilustrando o entendimento baixo dos brasileiros de que os impactos da crise climática já são algo do presente, pouquíssimos entrevistados souberam fazer uma relação direta entre tal crise com as enchentes que alagaram a região metropolitana de Porto Alegre entre abril e maio de 2024. Essa terceirização de responsabilidade também aparece em outras problemáticas socioambientais.
Uma vida mais sustentável: barreiras e tendências
Além da abordagem qualitativa, a pesquisa do Instituto Akatu e GlobeScan também realizou um levantamento quantitativo que trouxe dados sobre o consumo consciente no Brasil, revelando algumas tendências existentes.
Segundo apurado, entre 9% e 41% dos brasileiros compraram mais produtos ecologicamente corretos no último ano. As categorias onde houve maior percentual são aquelas mais cotidianas e de produtos com alto grau de visibilidade nas propagandas, como alimentos e bebidas frescos (41%), produtos de cuidado pessoal (28%) e produtos de beleza (23%).
Além disso, a grande maioria dos participantes (90%) deseja ver mais informações sobre o que as empresas estão fazendo para tornar seus produtos bons para o meio ambiente, inclusive em um índice superior à média global, que está em 72%.
No entanto, para que os hábitos sustentáveis de consumo se fortaleçam no país, algumas barreiras precisariam ser superadas. Além das percepções gerais verificadas na etapa qualitativa do estudo, como preço e necessidade de esforço, também apareceram como entraves a correria do dia a dia, a pouca infraestrutura que apoie hábitos sustentáveis, a falta de acesso a opções boas ao meio ambiente e a desinformação, que dificulta diferenciar o que de fato seriam ações de consumo consciente ou não.