A lei define como superendividamento a situação em que o consumidor de boa-fé assume sua impossibilidade de arcar com todas as dívidas que contraiu, sem comprometer o mínimo para sua sobrevivência. Por sua vez, a mesma legislação estabelece que é dever dos fornecedores informar corretamente o consumidor sobre custo, taxas, encargos e tudo o que puder influenciar para elevar o preço final do produto ou serviço ofertado, bem como atuar de forma ostensiva, assediando ou pressionando o consumidor para sua contratação.
Essas diretrizes estão na Lei n.º 14.871/2021, que completará três anos no dia 1º de julho. No entanto, as notícias não são positivas para comemoração. Prova disso está no relatório de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), realizado pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). A pesquisa mostra que 2023 fechou com 77,8% das famílias endividadas.
Por outro lado, o salário médio do trabalhador brasileiro alcançou R$ 2.979 em 2023, representando um aumento de 7,2% (R$ 199) em relação ao ano anterior. Tais dados são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua).
Estratégias para superendividamento
Levando em consideração realidades, será que é possível criar, no Brasil, estratégias que atendam a população e, ao mesmo tempo, evitem a inadimplência?
Sobre a Lei do Superendividamento, o advogado Jefferson Luiz Maleski, do escritório Celso Cândido de Souza Advogados, ressalta a sua importância. “Trata-se de uma legislação positiva, que modificou o Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto do Idoso. Ela estabeleceu o que é superendividamento e o que é o mínimo existencial. Além disso, alterou as regras para oferta de crédito, cobrança e renegociação de dívidas“.
Ademais, um dos pontos de destaque, para o especialista, é que a nova lei do superendividamento proporciona ao consumidor a oportunidade de renegociar suas dívidas sem comprometer toda sua renda. No entanto, ele ressalta: “nem todos os tipos de dívidas são contemplados pela lei”, diz o palestrante pela Escola Superior de Advocacia (ESA Goiás).
Em suma, as dívidas passíveis de renegociação pelo superendividamento são as relacionadas a consumo, como faturas de cartão de crédito, parcelamentos, financiamentos, compras a prazo e empréstimos. Por outro lado, a lei menciona os débitos que não podem ser renegociados, como aqueles vinculados a bens de luxo de alto valor, as dívidas contraídas de má-fé por meio de fraude, os empréstimos com garantia, bem como o financiamento de bens móveis, crédito rural.
Vulnerabilidade
Recentemente, o caso sobre um idoso falecido levado por sua sobrinha a um banco repercutiu nacionalmente. Paulo Roberto Braga, de 68 anos, foi levado por Erika de Souza Vieira Nunes, de 42, para obter um empréstimo em uma agência bancária de Bangu, zona oeste do Rio de Janeiro. O crime, de vilipêndio a cadáver (artigo 212 do Código Penal Brasileiro) gerou comoção em todo o país e alertou para casos de fraudes contra pessoas com mais de 60 anos.
Neste sentido, Jefferson Luiz Maleski chama a atenção que, mesmo sendo proibida a publicidade destinada a idosos por diversas leis, incluindo a Lei do Superendividamento, muitas instituições financeiras ainda desrespeitam as normas ao conceder empréstimos com altas taxas de juros. O advogado destaca a importância de ficar alerta para não se envolver em um círculo vicioso de endividamento.
Círculo vicioso
Nessa questão do superendividamento, muitas vezes, idosos e até mesmo analfabetos acabam sendo prejudicados e se enredam em dívidas atraídos pelo “dinheiro fácil”. “Não são poucas as pessoas que têm dificuldades para compreender suas ações, focando apenas no dinheiro a ser recebido no momento, sem considerar o prazo de pagamento”, afirma.
Alguns são pressionados por familiares. No final, o idoso acaba destinando a maioria de sua renda para quitar dívidas que acabam se tornando um círculo vicioso, impossibilitando o pagamento completo”, alertou Maleski.
Causa do endividamento
A causa principal do endividamento está geralmente relacionada a gastar mais do que se ganha. Situações inesperadas como perda de emprego, problemas de saúde, viagens não planejadas ou outras emergências podem levar a despesas imprevistas, resultando em desequilíbrio financeiro. No entanto, em alguns casos, o endividamento é crônico e independe de eventos extraordinários. Isso ocorre quando a pessoa ou família mantém um padrão de vida acima de sua renda.
Entender o próprio padrão de vida é essencial para revisar os gastos e garantir estabilidade financeira até o final do mês. Assim, é possível investir em produtos financeiros para construir uma reserva de emergência e se preparar para imprevistos.
Como identificar meu padrão de vida?
O padrão de vida refere-se à quantidade e qualidade de serviços que uma pessoa pode manter sem se endividar. Embora não seja sinônimo de qualidade de vida, é crucial para o bem-estar financeiro e, por consequência, para a saúde mental e emocional.
É possível detectar um padrão de vida inadequado ao observar o uso constante do cartão de crédito para despesas básicas ou quando a receita é menor que as dívidas. Outros indícios incluem dificuldades em poupar, recorrer a créditos frequentemente e não conseguir pagar integralmente a fatura do cartão.
Marcia Moro, presidente da Associação Brasileira de Procons (Procons Brasil), ressalta que o acúmulo de dívida no cartão de crédito é um convite para a desestabilização da vida financeira. “O cartão de crédito é uma comodidade, por um lado, por oferecer a chance do parcelamento ou o poder de compra para quem não tem um determinado valor na hora. Entretanto, não pagar a fatura completa faz com que o cidadão entre no rotativo”.
E, vez que a modalidade de pagamento tem juros exorbitantes, tanto do rotativo, quanto de mora, não pagar a fatura é sinônimo de aumento de dívida – o princípio da bola de neve do superendividamento.
Como alcançar o equilíbrio financeiro
Mesmo endividado, é viável ajustar os gastos para melhorar a saúde financeira, mantendo um padrão de vida abaixo da capacidade real. Registrar todas as despesas ajuda a identificar onde o dinheiro está sendo gasto e possibilita cortar gastos desnecessários para economizar.
Investir o dinheiro poupado e separar uma quantia mensal para a reserva de emergência auxiliam na prevenção de impactos negativos causados por imprevistos financeiros. Além disso, adquirir conhecimentos em educação financeira facilita a tomada de decisões mais acertadas no campo dos investimentos.
Trabalhadores endividados
Dentre os trabalhadores com contrato formal em empresas, 63% não possuem dinheiro suficiente para cobrir suas despesas básicas. Essas informações foram reveladas pela 3ª edição da pesquisa “Hábitos e Impactos da Saúde Financeira dos Trabalhadores”, realizada pelas fintechs Zetra e SalaryFits em parceria com a On The Go, empresa de pesquisa de mercado.
O estudo também aponta como a situação financeira do trabalhador afeta sua saúde física e mental. Mais da metade dos entrevistados relataram sentir estresse (58%) ao lidar com a falta de dinheiro no final do mês, o que é uma reação natural do corpo humano em situações de ameaça ou perigo. Outras consequências incluem aumento da irritabilidade em casa (44%), diminuição da atenção (44%) e menor produtividade (34%).
Saúde pessoal e profissional
Assim, os problemas financeiros impactam tanto a vida profissional quanto pessoal dos trabalhadores, bem como a saúde financeira das empresas. A pesquisa indica que a situação financeira dos trabalhadores pode afetar diretamente o sucesso (ou fracasso) dos negócios. Portanto, a conclusão é: se os funcionários enfrentam dificuldades financeiras, as empresas também sofrem com redução da produção e dos lucros.
Para chegar a essas conclusões, a Zetra e a SalaryFits entrevistaram indivíduos empregados na iniciativa privada, funcionários públicos e empresários de todo o Brasil. Os entrevistados têm idade igual ou superior a 22 anos e são pertencentes às classes A, B e C.
Dentre todos os entrevistados, 63% afirmaram não possuir recursos suficientes para adquirir ou pagar o básico. No entanto, esse índice mostra uma leve melhora em relação a dois anos atrás, em 2021, durante a pandemia. Na época, 66% das pessoas enfrentavam essa situação difícil. Em 2019, o percentual era de 58%.
Mulheres e mais jovens
A pesquisa aponta a falta de planejamento financeiro entre os estratos sociais mais elevados. Ao todo, 55% daqueles com renda familiar superior a 20 salários mínimos, equivalente a R$ 26.040, enfrentam dificuldades para fechar o mês com dinheiro disponível. Além disso, o problema afeta principalmente as mulheres (66% dos casos) e os jovens com até 30 anos (47%).
Quando os 63% dos trabalhadores entrevistados se veem sem recursos para comprar ou pagar o básico, a alternativa é recorrer ao cartão de crédito (24%). A mesma quantidade de pessoas também opta por fazer trabalhos freelancers. Por sua vez, 16% recorrem ao cheque especial, que possui uma taxa média de juros de 7,96% ao mês, para complementar a renda. E 10% dos empregados utilizam empréstimos bancários para cobrir suas despesas.
Defronte esse quadro, a pesquisa aponta também que as empresas demonstram preocupação em ajudar seus funcionários a não contrair dívidas. Isso porque os empresários sabem que chegar no fim do mês sem dinheiro para pagar o básico afetará, cedo ou tarde, o trabalho. E, por consequência, os prejuízos se alastrarão para os demais colegas da equipe.
“Para auxiliar nessas questões, 87% dos trabalhadores consideram que os RHs podem ajudá-los em assuntos econômicos”, explica Délber Lage, CEO da SalaryFits. “De acordo com a pesquisa, a maioria (29%) acredita em programas de educação financeira. Na sequência há o interesse em crédito com juros mais baixos (28%), e acompanhamento psicológico (16%)”.
CCX
No dia 6 de agosto, o Credit and Collection Experience (CCX) reunirá especialistas, lideranças e empresários. A ideia é propor soluções para os desafios da jornada dos consumidores brasileiros no acesso ao crédito e na resolução de dívidas.
Diante de transformações no setor, motivadas por tecnologias recentes como a Inteligência Artificial generativa, Big Data e Machine Learning, chega o momento de aprofundar conhecimentos para construir a sustentabilidade financeira e econômica do país.
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