A falta de incentivo a pesquisa por parte das grandes indústrias sobre produtos alternativos para saúde e bem-estar tem reativado inúmeros debates sobre o quão importante é o financiamento para o surgimento de novos produtos para o cuidado e manutenção da nossa vida.
Um dos campos que ganha destaque nesse cenário o uso da cannabis como elemento de resposta à indústria tradicional. No SXSW 2023, um painel procurou lançar luzes sobre essa questão e acerca da importância das pesquisas sobre o uso medicinal da cannabis.
Há um crescimento ano após ano das publicações de pesquisas, mas a quantidade total ainda está sofrendo e necessitamos de muitos esforços e investimentos
Nos EUA, a produção de cânhamo foi legalizada a nível federal em 2018. Hoje, canabinoides são largamente utilizados no tratamento de doenças. Por lá, o uso medicinal da cannabis é permitido em 36 dos 50 estados norteamericanos, 4 territórios, além da capital Washington DC. Vale lembrar que no Texas, onde acontece o SXSW, comercialização de produtos derivados de cannabis só é permitida com níveis de THC (princípio ativo da cannabis) inferiores a 0,3%. Ou seja, produtos acima dessa porcentagem se tornam ilegais.
Para Harold Han, Co-Fundador e Diretor de Ciência da Vertosa, participante do painel “Acelerando a ciência da cannabis”, no SXSW, mesmo com todos os avanços há ainda um longo caminho para um maior entendimento, incentivo e popularização de pesquisas sobre o tema: “Sinto que há um crescimento ano após ano das publicações de pesquisas, mas a quantidade total ainda está sofrendo e necessitamos de muitos esforços e investimentos”, avalia Han.
Dado o alto custo e o longo cronograma dos ensaios clínicos tradicionais, além da aversão das instituições em trabalhar com empresas de CBD (como também é conhecido um dos canabinoides presente na cannabis), os painelistas entendem que estamos perdendo pesquisas críticas e dados objetivos sobre a eficácia e a segurança de produtos à base de cannabis.
“Interessante é notar é que o CBD e o THC ainda tendem a dominar essa área de pesquisa, mas há muitos outros canabinoides menores que merecem pesquisa e atenção e, portanto, isso faz parte do que fazemos”, diz Júlia Bramante, Gerente de Laboratório de Referência de Cannabis, do Departamento de Saúde Pública e Meio Ambiente do Colorado.
CBD e o THC ainda tendem a dominar essa área de pesquisa, mas há muitos outros canabinoides menores que merecem pesquisa e atenção
Cannabis e seus desafios
“O que as partes interessadas da cannabis precisam entender é que a cannabis e seu sucesso no mercado legal não são nada sem a cultura e as pessoas por trás dela”, disse Andrea Baillo, cientista experiente com um histórico comprovado de trabalho em pesquisa, desenvolvimento e fabricação de cannabis, pesquisa de câncer e indústrias de alimentos e bebidas a cannabis.
Julia Baramante salienta que as dificuldades quando o assunto é financiamento para pesquisas são um dos grandes desafios da indústria da cannabis: “Dependendo do estado em que você está nos Estados Unidos, você pode ter considerações muito diferentes para quais produtos da cannabis e regulamentos que você deve seguir em suas pesquisas, e isso é algo que não existe para muitos outros setores”, comenta.
Arian Roman, cientista e Co-Fundador e CEO da Pivital Participações explica que como todo as empresas, o mercado de pesquisa tem um ônus nisso. “É um mercado movido a dinheiro também, e neste momento em que o dinheiro não está tão fácil, você sair por aí investindo em pesquisas não é fácil. Embora você saiba que existem empresas como Open Book e Vertossa, que estão investindo com qualidade e trazendo resultados, você sabe que sempre será um desafio, mesmo com coisas boas acontecendo”.
Os dados, assim como em todas as outras indústrias, são uma fonte de informações substanciais para a evolução de produtos e mercados, e com a cannabis não pode ser diferente
Sobre a importância da tecnologia nesse campo, os participantes reforçam que compartilhar conhecimento do que se tem pesquisado é fundamental hoje. Os dados, assim como em todas as outras indústrias, são uma fonte de informações substanciais para a evolução de produtos e mercados, e com a cannabis não pode ser diferente. “Isso remonta ao conceito de compartilhamento, porque precisamos compartilhar esses dados em vez de ‘cinco’ pessoas diferentes repetindo o mesmo experimento, que custa muito de dinheiro”, contextualiza Andrea Baillo.
Por fim, o valor da cannabis para impulsionar um novo caminho na saúde – e em diversas outras indústrias e mercados – tem se revelado a cada ano um assunto em potencial. Mas como todo mercado existe especulações, regulamentações e desafios que requerem investimentos e, em alguns casos (ou na maioria deles, como nos EUA) muito lobby.
Estabelecer mais confiança de investidores – e do consumidor – sobre pesquisas para o uso medicinal da cannabis é fundamental, mas não é tarefa fácil. Criar uma indústria ampla, robusta e popular da planta, é tão o mais difícil ainda.
No entanto, levar ao debate público, em um evento de magnitude e impacto global como é o SXSW, se revela um passo acertado e com potenciais de desdobramento em toda a sociedade. Seguir fomentado ideias e ideais disruptivos segue sendo um dos objetivos do SXSW.
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