A pandemia do novo coronavírus acelerou a transformação digital e mudou as formas de consumo. Nesse cenário, a defesa do consumidor também ganhou o seu “novo normal”. Como lembrou Armando Rovai, sócio titular da Armando Rovai Advogados, ao mediar painel do evento “A Era do Diálogo”, foi criada uma série de leis e medidas provisórias na tentativa de atenuar os impactos da Covid-19. Mas, qual é o impacto dessas medidas legislativas? Qual deverá ser a postura das empresas diante deste novo normal?
Sophia Vial, assessora legislativa do Procon no Senado Federal, explica que “a resposta que o executivo precisou dar, não só aos consumidores, mas a todos os contribuintes, passava por uma produção legislativa. Isso porque estamos experimentando uma pandemia, uma crise não só social, mas também política e econômica, e os instrumentos existentes não eram suficientes para as respostas e necessárias”. Porém, ela afirma que tais medidas não estão atendendo ao que a população necessita. “Não teve uma análise do impacto regulatório. Temos grandes, micro e pequenas empresas pedindo socorro, e o consumidor pedindo socorro. Nesse momento, o equilíbrio está muito difícil de ser encontrado. Talvez a solução não precisasse ser do modo como foi feito, ainda que a pandemia tenha pressa, não podemos alterar estatutos jurídicos de forma perene. As medidas provisórias vieram para atacar um problema momentâneo e o resultado disso nós vamos experimentar ao longo do tempo.”
Nesse cenário de incertezas, as empresas precisaram agir rapidamente e encontraram a solução para garantir a boa relação com o consumidor na simplicidade. É o que conta Elen Souto, diretora jurídica de rel. com consumidores e ODCS da OI. “Tivemos que olhar para os nossos consumidores de forma muito rápida e dinâmica para dar um start. A maior preocupação, além da saúde de todos, era garantir serviços de dados, televisão e telefonia fixa. Assim, logo num primeiro momento, as operadoras se uniram em prol dos consumidores. Houve uma necessidade de deixar a concorrência de lado e criar um comitê para decidir em conjunto a melhor forma de atender o público consumidor. E isso acabou sendo feito com muito sucesso, todas conseguiram responder aos anseios dos clientes de uma forma muito positiva.”
Dentro do departamento jurídico de relação com o consumidor da OI, o prazo de suspensão foi utilizado para reencontrar o caminho de conversa com os consumidores. “Nos organizamos para realizar mutirões e audiências virtuais. Conversamos isoladamente com todos os Tribunais de Justiça do País e conseguimos muitas inovações. Toda a equipe foi treinada no sentido de ter muita calma, muito respeito com o consumidor ao fazer uma ligação para propor uma conversa sobre um processo que já estivesse em juízo, para finalizarmos o mesmo através de acordo, – e fomos muito bem recebidos, os consumidores estavam totalmente abertos a esse novo mundo. Com respeito e muita cautela nós conseguimos obter esse resultado final de continuar dando a satisfação ao consumidor”, conta Elen.
O exemplo do consumidor.gov
Tal caminho da simplicidade foi utilizado por Juliana Pereira, presidente do IPS Consumo, na época em que foi responsável pela criação do consumidor.gov. O canal de resoluções de conflitos, inclusive, é visto por Armando como “uma luz no fim do túnel” para a produção “açodada de algumas normas”. “A ajuda de mecanismos de inteligência artificial para facilitar o meio de soluções alternativas de conflitos, também na defesa do consumidor, para mim é um futuro sem volta”, afirma o advogado.
Juliana corrobora. “Nós fomos criando tanta complexidade, buscando tanta sofisticação, que são necessárias também do ponto de vista normativo regulatório, mas, às vezes, a gente podia dar um passo atrás e resgatar coisas como diálogo, pactos, acordos. O consumidor.gov foi uma ideia simples de criar em um ambiente digital a possibilidade dos consumidores exercerem o seu direito de reclamar. Para criar uma aderência para as empresas, nós propusemos, e até hoje isso está como diretriz, que o pacto que se fizesse ali seria, eventualmente, auditado por um órgão de defesa do consumidor ou outro, mas em regra se basearia na premissa da boa-fé e da transparência. E é bacana de ver como a plataforma, com a popularização dos smartphones e da internet, é um mecanismo de exercício de direito.”
Com a pandemia, além de ajudar a manter as pessoas em casa, a plataforma também pode servir de base para o futuro. “A defesa do consumidor se reinventou durante a pandemia. Se o consumidor.gov já era necessário e auxiliava os órgãos de defesa do consumidor, o judiciário e o próprio consumidor, ele ganhou ainda mais força. Aquele Procon que deixava o consumidor esperando atendimento por 40 minutos, duas horas, sentado entendeu que isso não funciona mais. E isso aconteceu também porque o consumidor mudou, ele quer a resposta rápida, a resposta simples”, explica Sophia.
O novo normal das relações de consumo
Todos os acontecimentos recentes devem voltar o foco para a solidariedade. “Estou vendo várias lideranças globais, intelectuais, falando no novo modelo capitalista. A pandemia fez com que várias pessoas exercessem de uma maneira muito bacana a empatia. Olhando para os consumidores, o novo normal é mais simples, é de mais qualidade, é mais empático e é mais solidário. Estamos vendo que as marcas que mais tem se destacado na atual conjuntura são aquelas que se importam genuinamente com os outros, as omissas ou que estão se valendo para outras finalidades vão pagar um preço sobre isso porque nós estamos dando um passo estratégico para a volta de valores humanos”, disserta Juliana sobre o novo normal.
Ellen concorda e afirma que “nada funcionará sem empatia, sem simplicidade, sem verdade”. “É preciso apoiar o consumidor em tudo que ele precisar, inclusive, ligar o computador, entrar numa sala virtual. O respeito ao consumidor sob um ponto de vista mais humano é necessário. A OI já vem trabalhando sempre com o acordo, em estar próximo ao seu cliente. Cada vez mais é utilizar ferramentas simples, com responsabilidade e sinceridade”, completa.
Para finalizar, Juliana faz um alerta: “A solidariedade a gente também exerce quando atende bem o consumidor, quando ouve, trata adequadamente a demanda e apresenta uma solução. Nenhum consumidor vai por livre e espontânea vontade para um judiciário buscar uma demanda, ele vai muitas vezes porque faltou a empatia e a solidariedade nos canais de atendimento”.