A loja, recém-inaugurada no Barra Shopping, na cidade do Rio de Janeiro, havia aberto as portas há pouco mais de meia hora e a promoção exibida na vitrine contemplava dois ou três modelos de shorts e bermudas da linha Tropical. No mesmo dia, na hora do almoço, o alvo dos descontos era a linha Navy. A mudança é resultado de uma nova estratégia adotada pelo empresário Michel Lassner, que viajou aos Estados Unidos para analisar in loco como os americanos atraem os consumidores para os shoppings e outlets. ?A grande diferença é que no Brasil as promoções e os métodos de atração são estáticos, parados no tempo. O varejo adesiva a vitrine com descontos em duas etapas, o que leva o consumidor a esperar o desconto principal chegar para ir às compras?, afirma o fundador da Shorts.Co, especializada em shorts e bermudas, com duas lojas em operação. ?Lá, ao contrário, eles estudam e segmentam o público, alinhando os resultados da loja por quinzena, em decorrência das promoções segmentadas em função do tempo e comportamento de compra de cada grupo de clientes?.
Inspirado nesse modelo, o fundador da Shorts.Co fez um trabalho de segmentação dos frequentadores do Barra Shopping com a ajuda de sua equipe de vendas. Constatou a existência de quatro grupos distintos em quatro diferentes horários: pela manhã, predominância de mulheres das classes A/B; na hora do almoço, executivos; à noite, casais, e nos finais de semana, consumidores das classes B/C/D. ?Para cada grupo, criamos um banco de promoções, com destaque para os finais de semana, na hora do rush, período que conta com cinco diferentes ofertas?, relata Lassner. ?O modelo de operação começou a ser adotado no início de agosto e já gerou resultados, com aumento de cerca de 20% nas vendas.?
A estratégia adotada pela Shorts.Co é bem diferente da praticada pela grande maioria dos varejistas. Mas, surpreendentemente, antecipa um comportamento que deverá virar rotina daqui para frente. Isso mesmo, com a disputa do bolso do consumidor cada vez mais acirrada e com a confirmação de que os brasileiros chegam a frequentar até sete vezes o mesmo mall em um único mês, insistir em ferramentas de marketing e descontos que duram mais de uma semana significa perder vendas e deixar de chamar a atenção da clientela.
Essa é a conclusão a que se chega diante dos dados revelados, em setembro, pelo estudo O Perfil do Frequentador dos Centros De Compra no Brasil, feito pela empresa de pesquisa GfK, a pedido da Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce). O levantamento, realizado em Brasília, Salvador, Porto Alegre, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Belém e São José dos Campos, tinha por meta conhecer o perfil demográfico e as características de hábitos e atitudes de quem visita os shopping centers brasileiros.
Como já era esperado, o interesse da classe média pelas compras nesses estabelecimentos cresceu nos últimos anos. O porcentual de frequentadores pertencentes às classes C/D saltou de 24% para 30%, entre os anos de 2012 e 2014. Os consumidores da classe B respondem por 53% do volume e os da classe A, por 22%. A cidade que apresentou maior índice de classe C foi Salvador, seguida por Belém e Brasília. Essas capitais também respondem pela presença do público jovem, com menos de 29 anos, em maior volume pelos corredores. Ir ao shopping, seja para fazer compras ou em busca de serviços, alimentação ou lazer, indiscutivelmente faz parte da rotina do brasileiro. Segundo o estudo, 63% dos entrevistados vão a um mall ao uma vez na semana e 37% fazem visitas quinzenais ou mensais. A média é de sete visitas por mês.
E engana-se quem acredita que as visitas são rapidinhas. Pelo contrário, o tempo médio gasto dentro do shopping é de 76 minutos, três a mais do que em 2012. De acordo com a pesquisa, a principal motivação ainda são as compras (40%), seguidas pela busca por serviços, lanchonetes, restaurantes e cafés (12%), ver vitrines (11%), encontrar pessoal (9%), pagar contas em lojas (7%), ir ao cinema (4%) e outros motivos (5%).
?Os números só traduzem o que vivenciamos na prática ? o shopping center se transformou em um espaço social, um hub social?, afirma Marcos Carvalho, copresidente da Ancar Invanhoe Shopping Center, responsável por 21 operações, distribuídas pelas cinco regiões do País. ?Vivemos um momento de transformações, no qual o shopping é um lugar da pessoa estar e não apenas da pessoa comprar.? Como consequência, o concorrente não é mais o varejo de rua, o shopping mais próximo, mas a praia, as outras formas de entretenimento, o varejo eletrônico. Daí a necessidade dos administradores ficarem ainda mais atentos ao perfil do público e aos costumes locais.
MUDANÇAS EXIGEM MUDANÇAS
Se o consumidor não é mais o mesmo e o papel doshopping center não é mais exclusivamente ser um centro de compras, o marketing também não pode ser mais o mesmo, assim como o comportamento do próprio lojista. ?As ações devem conversar não só com o ambiente do shopping, mas também com o estilo de quem o frequente?, admite Aline Zarouk, diretora de marketing do Iguatemi Empresas de Shopping Centers. ?Antes, pensávamos apenas no lazer infantil em espaços de conveniência. Hoje, precisamos pensar em todas as faixas etárias. Assim, parques temáticos infantis começam a dar espaço para ações de famílias.?
Conhecer a fundo os desejos e o comportamento de seus frequentadores pode ser a chave do sucesso ou do fracasso de toda a operação. No Shopping de Arapiraca, em Alagoas, administrado pela Ancar Ivanhoe, por exemplo, foi preciso criar atrativos para que as pessoas visitassem a praça de alimentação, já que comer fora não é um hábito e nem uma necessidade por lá. A saída encontrada foi instalar um palco com atrações na Praça de Alimentação. A resposta não demorou a aparecer.
Inaugurado em 1976, o Ibirapuera é o segundo shopping mais antigo da capital paulista. Ao longo das últimas décadas passou por intensas modificações, foi ampliado e ganhou um conjunto de 435 lojas. A última transformação, que consumiu um investimento de R$ 95 milhões, poderá ser conferida em dezembro, quando todas as obras serão concluídas. O projeto de revitalização do centro de compras buscou atualizar todas as áreas internas do shopping onde os clientes têm acesso. As praças de alimentação, por exemplo, receberam um forro importado acústico em tons de madeira e diversificação de mobiliário, a fim de criar diferentes áreas que proporcionarão momentos mais prazerosos durante qualquer refeição.
Além da parte estética e de mobilidade, o Ibirapuera também investiu na criação de um ambiente cômodo e prático para as necessidades dos visitantes. Um dos novos serviços disponíveis é a conexão gratuita de banda larga e internet Wi-Fi, que pode ser encontrada em todos os pisos de lojas, além de pontos de recarga para dispositivos móveis. ?Recebemos uma média de dois milhões de pessoas e precisamos criar ações que estimulem ainda mais a visitação ao ponto de venda?, afirma Ricardo Portela, diretor de marketing do Shopping Ibirapuera. ?Além da repaginação dos espaços, temos o objetivo de ampliar as atividades de lazer por meio de ações de entretenimento com apelo educacional e cultural?. Nessa linha, o shopping aposta em apresentações de teatro e exposições, como a Retratos da Copa, que apresentou 80 imagens, com foco jornalístico, de diferentes profissionais do mundo.
Na visão de Cesar Garbin, diretor de operações da 5R Shopping Center, o crescimento da praça de alimentação foi um dos principais responsáveis pela mudança do perfil do público há pouco mais de uma década e ainda hoje tem um papel importante na atração do público. ?Mais do que em qualquer outra época, as pessoas vão ao shopping para resolver a vida?, afirma. ?Isso significa ter acesso rápido à academia às 6 horas da manhã, frequentar a universidade à noite, ter o horário do cabeleireiro expandido, da lavanderia e uma boa oferta de alimentação que não passe apenas pelo fast-food.?
Com esse conceito, os centros de compra voltados mais às classes A/B investiram na atração de restaurantes para suas áreas e os mais frequentados pela nova classe média a uma diversificação de mix de operações de alimentação, privilegiando, inclusive, a comida saudável. Independentemente do perfil, contudo, todos repaginaram seus espaços, instalando área de bem-estar, com sofás confortáveis e bancos maiores em vários pontos. Aos cinemas, muitos dos novos shopping centers que acabam de entrar em operação somam espaços multiuso e teatros. ?Na década de 70, cinema era visto como uma operação menor, instalada em um espaço não otimizado?, lembra Tonny Bonna, coordenador administrativo da AD Shopping, com 31 shopping centers em operação e nada menos do que cinco mil lojas. ?Hoje, sem cinema, o mall não vinga.? As pesquisas comprovam. Segundo o estudo da GfK, oito em cada dez frequentadores (83%) têm o hábito de ir ao cinema no shopping. A maioria vai à praça de alimentação (72%) e 40% passam em lojas, mostrando a força da relação lazer e alimentação para o sucesso de toda a operação.
VAREJO ATENTO
Jeff Bezos, criador da loja on-line Amazon, costumava frisar em suas entrevistas que ?nenhuma loja física será capaz de competir por preço. E preço pressupõe valor. É preciso agregar às experiências físicas ativos que sejam tão valiosos ou mais que os encontrados no ambiente virtual?. Entre os exemplos de ativos, ele aponta entretenimento, atendimento, conveniência, o imediatismo da compra e o alinhamento da marca no mundo físico e no mundo virtual. Isso porque hoje o consumidor tem novas etapas no ciclo de compra ? ele pesquisa, mas antes de comprar ele compartilha nas redes sociais sobre essa experiência. Assim, todo o ciclo tem de ser satisfatório, da pesquisa ao retorno dos comentários. ?O mundo físico passa a disputar atenção com o mundo on-line e mobile no qual ocorrem milhares de experiências de compra. É preciso ser muito relevante para chamar a atenção?, observa a consultora Martha Gabriel, em palestra durante o Fórum Internacional de Shopping Centers, em São Paulo.
É em busca dessa relevância que a rede de franquias Mr. Beer, com mais de 80 quiosques em operação e um faturamento estimado de R$ 60 milhões para 2014, intensificou a oferta de novidades em seus pontos de venda. ?Nosso principal público é o jovem, entre 25 e 35 anos, da classe C, que cada vez mais é visto nos corredores dos shoppings centers?, afirma Humberto Ribeiro, diretora da rede. ?É um público ávido por novidade, que nos levou a firmar o compromisso de oferecer a cada 20 dias um lançamento, seja um rótulo novo dentro da gama que procuram, como cervejas com mais aroma e sabor mais marcante, seja um acessório?.
Em setembro, por exemplo, a rede importou 11 novos rótulos. A próxima novidade será o lançamento do aroma de lúpulo para ser usado em casa ou no carro. Ciente de que para atrair ainda mais os consumidores da classe C, Ribeiro conta que a rede criou um novo formato de negócio, mais enxuto, direcionado ao universo das microfranquias, com investimento a partir de R$ 70 mil. A proposta é multiplicar as ofertas, marcando presença em áreas de supermercados, como a rede Extra, com quem já fechou parceria. ?O tíquete médio desse perfil de público gira em tonos de R$ 45 a R$ 50, um pouco abaixo da média, que é R$ 70?, declara Ribeiro. ?Mas eles marcam presença o que faz com que o volume de vendas seja maior.?
Foi também de olho no aumento da presença do consumidor da classe C que a Pizza Hut lançou, em agosto, porções de pizza individual, de 60 gramas e 9,5 cm de diâmetro, batizadas de Sliders, a R$ 4,90 a unidade. ?Além de ser acessível e poder ser consumida a qualquer hora, as novas pizzas contaram com uma campanha com apelo bem jovem?, afirma Granciane Kerbey, gerente de marketing da marca Pizza Hut. ?O resultado foi uma alavancagem da linha como um todo e a expectativa é que as vendas cresçam cerca de 20%.? Com 87 lojas no Brasil, a rede faturou US$ 130 milhões no ano passado.