No setor bancário, as instituições financeiras utilizam a Inteligência Artificial (IA) para oferecer serviços personalizados, antecipando as necessidades dos consumidores e melhorando a sua jornada. Ademais, a IA permite a análise de dados e, por consequência, bancos e instituições financeiras têm a oportunidade de compreender melhor o comportamento e as preferências de seus clientes. E se hoje o consumidor tinha apenas o horário do expediente bancário, das 10 às 16 horas, para pagar uma conta, por exemplo, ou fazer uma transferência, hoje ele pode realizar operações a qualquer momento e em qualquer lugar.
Entretanto, na jornada do consumidor bancário, ainda são muitos os desafios. Entre eles, a digitalização, o suporte ao cliente, o avanço dos crimes virtuais, a segurança dos dados e a transparência na contratação de produtos e serviços. Isso sem contar que, embora a tecnologia facilite operações, muitos ainda enfrentam problemas com aplicativos e serviços online. Nesta seara, seja por conta do acesso à internet que não é possível para todas as pessoas, seja pelos aplicativos que consomem muita memória, a pergunta é: o consumidor bancário está preparado para o avanço da IA e a digitalização das operações?
Obstáculos
Os palestrantes sanaram todas essas dúvidas no Seminário Febraban de Relacionamento com o Consumidor (Semarc Nacional). Neste ano, o evento chegou a 20ª edição.
A abertura do 20º Semarc foi feita por Isaac Sidney, presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), que comentou a postura da entidade no que tange à conscientização dos consumidores contra fraudes e golpes. Prova disso está na campanha “Pare e Pense: Pode ser Golpe“, que chegou à 4ª edição. Em um país em que há 8 mil de tentativas de fraudes online, e com a maioria das transações financeiras ocorrendo pela internet, “a ideia é levar orientações para que os consumidores bancários se protejam. É uma grande satisfação contar com o apoio do Ministério da Justiça, do Banco Central e dos Procons de todo o Brasil nessa luta”.
Setor bancários versus fraudes
Em sua fala, Isaac comentou sobre o recém-lançado “Selo de Prevenção a Fraudes”, uma importante iniciativa do setor financeiro para fortalecer a integridade das operações no Brasil. A Febraban lançou o selo em parceria com a Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF).
Nas palavras de Isaac Sidney, o selo é uma medida de combater tentativas cada vez mais complexas de golpes digitais, sendo uma medida proativa para reconhecer e certificar as instituições financeiras que se destacam no cumprimento de rigorosos requisitos de prevenção, repressão e conscientização das fraudes. “Isso está dentro de outro ponto que eu considero importantíssimo, que é a vulnerabilidade do consumidor, em especial no que tange aos riscos do superendividamento.
Superendividamento
Outro desafio exposto na abertura do 20º Semarc é o superendividamento, agravado pelas apostas esportivas. Impulsionadas pelo acesso através de aplicativos e plataformas on-line, as bets, como são conhecidas, permitem que as pessoas façam suas apostas qualquer hora, de qualquer lugar.
“Durante anos, as bets se aproveitaram para navegar no vazio regulatório e, por isso, a Febraban foi uma das vozes a se posicionar por um freio de arrumação. Há muito ainda o que fazer, sob a ótica da regulação e da supervisão. O cenário de hoje é de preocupação, em especial, por essa questão do endividamento que pode afetar as classes menos favorecidas da sociedade. São pessoas que têm menos recurso, menos informação e pouca educação financeira. Nós entendemos que cabe ao Poder Público estar na linha de frente em todo esse processo de funcionamento das bets, garantindo sua capacidade de legitimar essa mercado, com todas as suas implicações”.
E para que essas ideias não fiquem só na Teoria, a Febraban propôs ao governo um Grupo de Trabalho setorial. O objetivo é aprofundar, em primeiro lugar, os estudos. E depois, com avaliações mais precisas em mãos sobre os impactos das atividades de bets no Brasil, a meta é traçar dois caminhos Em primeiro lugar, evitando o superendividamento das famílias. E, em segundo lugar, coibir o uso ilícito do mercado de apostas para lavagem de dinheiro.
Direito do consumidor bancário
Na sequência, foi a vez de Marcelo Pimentel de Oliveira, assessor especial do Ministério de Estado da Justiça e Segurança Pública (MJSP) se pronunciar. Ele começou dizendo que o direito do consumidor está sempre presente, inclusive na vida do servidor público, “um garantidor de direitos”.
“A sua função básica é garantir que os direitos dos cidadãos sejam respeitados, independentemente do momento e da classe social da pessoa”, disse Marcelo, enfatizando, nesse sentido, o recém-lançado Acordo de Cooperação Técnica entre o MJSP e a Febraban, que tem como objetivo combater fraudes, golpes e crimes cibernéticos no setor bancário.
Por sua vez, Juliana Mozachi, chefe do departamento de supervisão de conduta do Banco Central, começou sua explanação tratando do tema do evento: “Avanços e desafios na proteção e defesa do consumidor: a tecnologia aplicada à experiência do consumidor bancário”. Em seu parecer, a temática central não poderia ser mais oportuna.
Linha do tempo
Voltando ao passado, ela expôs uma situação vivenciada no seu primeiro emprego, em um banco privado, há mais de 20 anos. “Um dia, um cliente chegou e pediu para ver o quanto ele tinha na conta. E eu fui no terminal, que não era nem computador nem desktop, e imprimi o saldo do valor. Ao passo que o cliente falou ‘você não entendeu, mocinha, eu quero ver o quanto eu tenho’. Claro que eu não obtive sucesso em falar para ele que o que estava no papel era o que ele tinha na conta. Então, eu pedi ajuda ao tesoureiro, que foi ao cofre e tirou bolos e mais bolos de dinheiro”.
Juliana Mozachi considera que a história, para muitos, que abriram suas contas via celular, parece uma anedota. Já para outros a narrativa é somente uma situação do passado. “Entretanto, para vários consumidores bancários de hoje, o relacionamento com a instituição financeira não veio por meio de uma tela. Ele veio da indicação de um gerente ou de um telefonema, por exemplo. Os consumidores que não nasceram no mundo digital tinham dois nortes para abrir uma conta: confiança, em primeiro lugar; e necessidade, em segundo. E fato é que o setor bancário hoje não pode prescindir desses dois atributos”.
Necessidade e confiança
Em que pese a tecnologia ter invadido e tomado conta da vida financeira dos cidadãos, o setor bancário segue precisando de confiança e atendimento das necessidades dos clientes e dos usuários para manter a credibilidade do sistema financeiro nacional.
Em síntese, o que Juliana quis dizer foi o seguinte: se em um passado não tão longínquo os consumidores mantinham um relação com a instituição financeira de pai para filho, hoje o relacionamento dura pouco. Na verdade, a durabilidade está atrelada ao fato de o concorrente mais próximo ofertar melhores condições com preços mais baratos.
“Certamente que o emprego da IA trouxe uma nova dinâmica para os produtos e serviços financeiros. Com muitas dificuldades sim, mas também diversos benefícios para os cidadãos. Passados esses 20 anos, hoje o desafio não é provar para o cliente quanto que ele tem na conta. Mas sim de promover que essas transações sejam seguras. E que o leque de opções de produtos e serviços tenham informações claras e transparentes”, enalteceu Juliana.
IA para bancos
Na esperança de que a IA vem para melhorar as práticas do setor bancário, ela destacou o Open Finance como um mecanismo de inovação e ofertas mais adequadas. “E, em contrapartida, a proteção do consumidor financeiro tem ganhado importância e maturidade, no Brasil e no mundo. Internacionalmente, nós podemos comemorar a criação de uma organização específica para cuidar desse assunto, que é a Organização Internacional de Proteção ao Consumidor Financeiro“.
A FinCoNet foi constituída no âmbito da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O Brasil é oficialmente membro desde 2015 e faz parte do Conselho de Governança desde 2019. E, por fim, Juliana citou a plataforma Consumidor.gov como uma conquista. Ou seja, como as reclamações são registradas em um canal do governo, há uma pressão sobre as instituições. Por consequência, elas são estimuladas a resolver os problemas dos consumidores de forma rápida e satisfatória.
O 20º Semarc foi realizado nos dias 29 (terça-feira) e 30 (quarta-feira), no Espaço JK Iguatemi, em São Paulo.