Semânticas do Letramento
- Por Cid Torquato
- 4 min leitura
Como bem disse Paulo Freire, “a palavra é um instrumento de transformação do mundo”.
Semântica, segundo o outrora muito famoso dicionário Aurélio, é a parte da linguística que estuda o significado das palavras e das frases. Já letramento, de acordo com a mesma fonte, vai além da simples decodificação da escrita, abrangendo a compreensão e o uso crítico da linguagem em diferentes contextos.
A união desses dois conceitos, semântica e letramento, convida-nos a refletir sobre a importância do uso preciso e consciente da linguagem na construção de uma sociedade mais inclusiva.
Palavras não são apenas ferramentas de comunicação; elas carregam consigo significados que podem moldar nossa percepção do mundo e das pessoas ao nosso redor. O uso incorreto de termos, muitas vezes carregados de estereótipos e preconceitos, pode perpetuar desigualdades e exclusões.
Um exemplo emblemático é a questão racial. A utilização histórica de termos ofensivos, politicamente incorretos e inaceitáveis nos dias de hoje, remete ao racismo estrutural, à escravidão e à desumanização do povo “afrodescendente”, termo que contempla a ancestralidade africana e sua rica história cultural.
Na luta pela igualdade dos gêneros, a linguagem também é crucial. Evitar termos masculinos genéricos, em favor de formas neutras, entre tantos outros exemplos possíveis, demonstra respeito pela diversidade. A sigla LGBTQIA+, por exemplo, abrange uma gama de identidades de gênero e orientações sexuais ou afetivas, reconhecendo a multiplicidade, mas, também, as singularidades de cada grupo.
Nesta mesma linha de raciocínio, a questão da deficiência exige atenção. Por serem inadequadas, não podemos mais usar expressões outrora oficiais, como “pessoa deficiente ou portadora de deficiência”, além de outras tantas claramente pejorativas. As terminologias corretas, “pessoa com deficiência visual” ou “pessoa com deficiência auditiva”, colocam foco na pessoa, sendo a deficiência apenas uma característica. A ideia aqui é combater o capacitismo, visão discriminatória da deficiência como incapacidade que define o indivíduo.
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A Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, de 2006, estabeleceu a atual nomenclatura, reconhecendo a dignidade e os direitos de todas as pessoas, independentemente de suas características físicas, sensoriais ou intelectuais.
Mas, ainda insatisfeitas com a semântica, já tem pessoas querendo mudar tudo de novo, substituindo deficiência por “habilidades diferenciadas” ou algo nessa linha, à medida que, cada vez mais, é o entorno que é considerado deficiente, não a pessoa, por falta de acessibilidade e de tecnologias assistivas adequadas.
Francamente? Acho a reflexão acima superválida, tendo em vista a conotação negativa que deficiência possui intrinsecamente. Digo brincando que, no meio de toda essa batalha semântica, preferiria ser chamado de “especial” ou, melhor ainda, “excepcional”, semanticamente mais positivas do que qualquer outra expressão.
Nesse contexto, o letramento assume um papel fundamental. É através da educação e da prática que podemos desenvolver o conhecimento sobre o poder das palavras e utilizá-las de forma responsável e inclusiva. Levar para as salas de aula, para os ambientes de trabalho e para a vida cotidiana a discussão sobre a semântica das palavras é a chave para conscientizarmos o maior número de pessoas possível sobre a importância de tentarmos construir um mundo melhor.
Resumindo, lembre-se: as palavras têm o poder de construir ou destruir. Usemos a linguagem com sabedoria para promover a inclusão, o respeito e a dignidade de todas as pessoas!
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