Procura-se inverno desesperadamente
- Por Jacques Meir
- 6 min leitura
Janeiro deste ano, em Boston, em meio a uma nevasca impressionante, pude realmente sentir o que é um inverno real. Isso porque aqui, no nosso país tropical, falar em inverno é quase como mencionar um artigo raro, bicho em extinção, ganhar na loteria (ou nas Bets): ele está permanentemente em férias, dando um sopro aqui, outro ali.
Alguém, por favor, me diga por onde anda o inverno brasileiro? Durante anos, me acostumei a ver os dias curtos e cinzentos, o vento de gelar espinha que fazia tirar aquelas roupas pesadas do armário para ter a sensação de que nem só de calor era feito o Brasil tropical. Havia dias, semanas e, ora vejam, até meses com solzinho que lembrava lâmpada de geladeira. Dava luz, mas não esquentava nada.
De uns anos para cá, lentamente, essa incidência do inverno foi se reduzindo. Um ano ou outro, reaparecia com força, mas na média, nos últimos 15 ou 20 anos (nas minhas impressões e na minha memória climática, que é precisa como o ataque da seleção brasileira desde a malfadada Copa de 2022…), o inverno resolveu hibernar por períodos cada vez mais longos. Este ano, ele reapareceu, glorioso, com um jeitão diferente: fazendo cosplay de verão.
Como assim? Em pleno mês de junho, temperaturas ali em torno dos 25, 26 graus, em agosto, o deboche completo: mais de 30 graus quase que todos os dias do mês. De vez em quando, o inverno trocava de fantasia e aí a gente sentia um friozinho besta. Mas, logo, voltava para o calorzão de verão fora de época.
Bom, o fato é que a mudança climática parece ter feito o Senhor Inverno assumir uma nova roupagem, o que podemos depreender olhando para as vitrines. Uma famosa rede fast fashion veio a público declarar que “refez os catálogos do Dia das Mães, que estavam com imagens de roupas pesadas e trocou para mostrar coleções mais leves, com blusinhas e shorts”… Obviamente, ninguém responde mais rápido que a Zara, com seu modelo de logística azeitado, para abastecer lojas que vendem em qualquer condição climática. E é correspondida pela ultraeficiente Shein, a qual, com seu modelo, combina doses fartas de dopamina, estoque infinito, nudges e carrinhos de compra virtuais abastecidos pelos clientes (é quase um jogo – o cliente adora ir colocando coisas no carrinho e, quando volta para ver o que separou, recebe uma oferta esperta).
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Mas, no geral, o varejo do Sul-Sudeste deve ter caído em pegadinha de meteorologistas. Vi lojas abastecidas com jaquetas, plushes e cachecóis, como se houvessem se transportado para Seattle repentinamente. Vi supermercados hiperabastecidos de fondues, que não devem ter sido os hits da estação entre os loucos por calorias. Vi também as lojas de eletro exibirem seus aquecedores e, depois, recolhê-los para qualquer canto disponível, humilhados pelo calor seco implacável. Gostaria de saber o que aconteceu em Campos do Jordão. Talvez por lá o pessoal deva ter usado as pantufas mais como forma de sentir o clima ligeiramente menos abrasador que na cidade de São Paulo. Enquanto escrevo, a Alexa me informa que, em Campos do Jordão, a temperatura ostenta vistosos 25º C.
Bom, nem tudo mudou completamente. Felizmente, tivemos a presença de um fenômeno comum ao inverno: mais gente espirrando, um vírus de gripe circulando e derrubando o pessoal na cama, inflamando gargantas e triturando corpos. Talvez a febre possa ter feito um pessoal sentir o frio que o termômetro esqueceu de anotar.
O inverno que se fez passar por verão embaralhou muitas decisões de negócios. Será que trouxe mais gente para os bares? Lotou mais os hotéis praianos que do interior? Levou mais gente para a academia para um projeto verão de 12 meses? Reduziu as faltas e trouxe mais alunos para o Beach Tennis? Fez mais gente querer sair do home office para sentir a luz do sol? Melhorou o humor de consumidores que normalmente ficam mais amuados no inverno? Em médio e longo prazo, quais serão as consequências de uma redução da temporada de inverno e o aumento dos dias quentes? Como isso vai impactar lavouras e culturas de café, soja, milho, arroz, feijão, frutas e a pecuária?
Vale lembrar que o Brasil ardeu em chamas por conta de queimadas que, por sua vez, provocaram muita fumaça, chegando a afetar o ar de muitas cidades. Aliás, por conta desses tristes episódios, foi decepcionante ver que, em meio ao calorão fora de época, o deserto de ideias prevaleceu. Fiquei esperando por ideias, produtos, campanhas e novas experiências que utilizassem as altas temperaturas como elemento de geração de valor. Nada. Apenas o vazio e as mesmas mensagens de qualquer período de junho a setembro de qualquer ano passado.
Entre tantas mudanças que vieram para chegar, inclusive o irresistível avanço da Inteligência Artificial, os comportamentos fluidos, a descentralização financeira, os criptoativos e os novos formatos de trabalho, temos também uma mudança climática que já está condicionando mudanças sociais, econômicas e competitivas. Bom, vai um palpite aqui: o mundo não vai esfriar. Logo, é bom começar a pensar em como vamos nos adaptar e como vamos reinventar negócios para um mundo mais quente e consumidores idem.
Só espero que o verão que chega não resolva entrar na brincadeira e posar como cosplay do inverno. Ou será bem complicado explicar para as crianças da Geração Alpha o que Tom Jobim quis dizer com “são as águas de março fechando o verão”.
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