Diversidade e inclusão tornam-se essenciais para CX
- Por Danielle Ruas
- 17 min leitura
As abordagens tradicionais de Customer Experience (CX) não são suficientes em um país como o Brasil, que possui um mercado cada vez mais competitivo e consumidores cada vez mais exigentes e diversos. Nesse sentido, estratégias focadas em Diversidade, Equidade, Inclusão e Acessibilidade (DEIA) têm-se mostrado ferramentas poderosas para criar conexões e fortalecer o relacionamento com os consumidores.
A importância da incorporação desses valores ao CX torna-se ainda mais evidente quando alguns relatos vêm à tona. Regina Lane, head de Ouvidoria do C6 Bank, tem uma filha com deficiência auditiva. “Ela enfrenta barreiras ao tentar entender informações sobre produtos, serviços e promoções que não estão traduzidos em Libras.” Já a dor de Thaisy Payo, atriz e influenciadora da comunidade surda brasileira, é constante e praticamente diária em diversos setores. “As instituições financeiras, por exemplo, utilizam-se de termos técnicos muito profundos [no atendimento] e eu tenho dificuldades para entender”, conta.
E, neste exato momento, existem várias mulheres no Brasil que estão sendo vítimas de violência doméstica. Mas as que têm surdez ou mudez têm muito mais dificuldade de pleitear uma medida protetiva nas delegacias.
Fato é que, no Brasil, as Pessoas com Deficiência (PCDs) têm ainda muita dificuldade em se comunicar. E elas são 18,6 milhões, segundo o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Desse total, mais da metade são mulheres, com 10,7 milhões. Isso equivale a 10% da população feminina com deficiência no País. O Nordeste foi a região com o maior percentual de PCDs, com 5,8 milhões, o equivalente a 10,3% do total. Na região Sul, o percentual foi de 8,8%. No Centro-Oeste, 8,6% e no Norte, 8,4%. A região Sudeste foi a que teve o menor percentual, com 8,2%.
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Na Constituição Federal, o Direito do Consumidor está elencado no artigo 5º. O dispositivo diz o seguinte: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.” Por sua vez, o Código de Defesa do Consumidor, no artigo 2º, aponta que consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. “E a população com deficiência consome de tudo, assim como a que não tem deficiência”, alerta Edy Pereira, head de CS do ICOM, empresa que provê soluções de acessibilidade para organizações de diversos segmentos.
Assim, tem quem aposte na experiência do cliente (CX) para um mercado mais inclusivo e equitativo, especialmente para PCDs. Ao assegurar que todos os consumidores, independentemente de suas limitações físicas ou cognitivas, tenham acesso igual aos produtos e serviços, as empresas não só cumprem a legislação, mas também demonstram seu compromisso com a responsabilidade social. E é nesse aspecto que a inclusão de estratégias focadas em DEIA tem ganhado força.
“Isso não apenas fortalece o relacionamento com os consumidores de diferentes perfis, mas também impulsiona a inovação e a sustentabilidade nos negócios”, explica Patrícia Santos, CEO e fundadora da Empregue Afro Equidade Racial, que aposta na liderança para mudar o cenário de fato.
Carolina Videira, CEO da Turma do Jiló, é defensora da mesma ideia e enfatiza não só o engajamento, mas o exemplo que vem do alto. Ela acredita que, para transformar teoria em prática, “a liderança deve estar em constante desenvolvimento e adaptada às demandas das novas gerações; caso contrário, permanecerá estagnada”. Quem tem a mesma linha de pensamento é Ana Minuto, CEO da Minuto Consultoria Empresarial & Carreira. Em sua visão, a saúde mental deve estar no cerne quando o assunto é implementar a diversidade nas empresas. “Isso porque, para que uma liderança possa entender a diversidade, ela precisa primeiro olhar para dentro.”
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O papel das lideranças
A liderança também é peça fundamental quando o assunto é encabeçar mudanças. Para Gabriela Augusto, CEO da Transcendemos, transformações exigem um comprometimento claro e uma visão compartilhada. A liderança, ao ser proativa e engajada, deve não apenas inspirar, mas também ouvir e integrar as diversas vozes presentes na organização. “Isso garante que as decisões não sejam impostas, mas que fluam de um consenso construído coletivamente.”
Hugo Rodrigues, presidente do Conselho da WMcCann Worldgroup, sublinha que a transformação começa internamente e deve envolver um processo em três fases: atração, inclusão e aceleração de carreira. “Ela não se limita a um momento isolado, mas se torna um processo permanente, impulsionando inovação e melhor desempenho empresarial em longo prazo.”
Além disso, é crucial que os líderes atuem como facilitadores, promovendo um ambiente no qual a troca de ideias e a coragem para inovar sejam valorizadas. “Incentivar a participação ativa dos colaboradores é uma estratégia eficaz para identificar desafios e oportunidades que podem passar despercebidos pela alta gestão”, enaltece Arlane Gonçalves, CEO da AGC, pontuando que a transparência não apenas fortalece a equipe para as estratégias de DEIA, mas também assegura que a organização se mantenha adaptável e resiliente perante todos os desafios.
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Mudança na prática
A partir do momento em que as empresas entendem que o sucesso dos negócios está intrinsicamente relacionado ao entendimento profundo das pessoas, fica claro que incorporar a DEIA nas práticas empresariais e na experiência do cliente não é apenas uma questão ética, mas uma estratégia inteligente.
“Empresas que priorizam a diversidade e a inclusão são capazes de compreender melhor as necessidades de uma base de clientes diversificada, ampliando assim suas oportunidades de mercado”, garante Fábio Uzunof, senior Business partner da Equalweb.
Exemplo disso é a ALLOS, plataforma que decidiu, há quatro anos, que a sustentabilidade seria um pilar estratégico, com metas definidas para serem atingidas até 2030. Uma delas era tornar os shoppings mais acessíveis. “Por se tratar de uma companhia que tem o objetivo de conectar pessoas, negócios e sociedade, o acolhimento torna-se essencial”, explica Paula Fonseca, diretora-executiva jurídica da ALLOS. “Nos próximos anos, queremos construir 46 mil metros de calçadas acessíveis no entorno dos shoppings. Temos que estar prontos para isso, e nossos colaboradores preparados para receber as pessoas em nossos espaços de forma acolhedora e correta”, completa.
Já a LATAM, em parceria com o ICOM, desenvolveu um projeto para melhorar a comunicação entre os atendentes de balcão e os clientes surdos. A ideia foi capitaneada pela liderança em inovação da companhia aérea e incluiu a participação de pessoas surdas, resultando em avanços significativos na comunicação.
No entanto, surgiram desafios para expandir a solução para o Contact Center, principalmente devido à falta de conhecimento sobre como atender esse público, já que a maioria dos surdos é analfabeta em português. Apesar das dificuldades, Gercino Soares, líder em Inovação Corporativa da LATAM, destaca que os esforços da empresa em promover inclusão têm sido bem-sucedidos, “gerando fidelidade entre os clientes que percebem o compromisso da marca”.
Danilo Ferreira Julio, diretor de CX da Quero Passagens, também contou com as soluções do ICOM para adaptar o e-commerce da empresa, que atua como um marketplace de passagens rodoviárias. O objetivo era melhorar a comunicação com clientes PCDs de forma mais respeitável e acessível. Segundo Julio, essa foi apenas a primeira etapa, e a empresa já está avançando em projetos de inclusão e acessibilidade, como a adaptação de comunicação em redes sociais e mídia out-
of-home. “A sala VIP no Terminal Rodoviário do Tietê foi modificada e, agora, os consumidores surdos podem acessar atendimento em Libras por meio de um QR Code que permite videochamadas”, conta.
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Vencendo desafios
Mas nem tudo são flores nesse cenário. Na área de Educação, por exemplo, José Carlos de Souza, reitor do Centro Universitário Instituto Mauá de Tecnologia, fala das dores de lançar uma pós-graduação em diversidade e inclusão, especialmente na área de Engenharia, na qual pessoas com deficiência visual enfrentam dificuldades. Ele destaca que o envolvimento da equipe, incluindo professores e colegas, é fundamental para o sucesso dessa iniciativa.
“Enquanto muitas empresas podem hesitar em investir em inclusão por razões financeiras, as instituições de ensino têm o dever de preparar profissionais conscientes da importância da DEIA”, afirma. Para ele, a questão não é a existência de pessoas com deficiência, mas sim a falta de um ambiente inclusivo.
O setor de Saúde, igualmente, enfrenta obstáculos. E, para remediar tais dores, é fundamental “ouvir as necessidades dos usuários e adaptar o ambiente de trabalho às realidades individuais”, pondera Gábrielà Zañinetti, Chief Growth and Marketing Officer do dr.consulta.
Quando quem entende dessas necessidades faz parte da equipe, as ações tornam-se mais assertivas. A trajetória de Marco Pellegrini comprova isso. Há 34 anos, quando trabalhava como analista de projetos do metrô de São Paulo, sofreu um acidente que o deixou tetraplégico. De uma hora para outra, ele teve que adaptar sua casa e reaprender a viver. Para andar nas ruas, não havia cadeiras de rodas motorizadas, muito menos transporte público acessível. Rampas de acesso, portas amplas e banheiros adaptados, fundamentais para garantir a dignidade e o conforto das pessoas nessas condições, nem eram cogitados. Naquela época, a perda da independência levava os indivíduos a quadros de depressão, ansiedade e isolamento social.
Hoje, Marco atua como coordenador de Mobilidade e Transporte na Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência, em São Paulo, e comemora os avanços, mas enaltece que ainda há muito a ser feito: “A conscientização e a educação da sociedade são úteis para desconstruir estigmas e promover um ambiente mais inclusivo. Hoje, o mundo não tem limites. Se o homem quer chegar a Marte, não é possível estarmos debatendo incluir PCDs.”
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Atender bem para atender sempre
Mas como atender mais – e melhor – PCDs? Carolina Ignarra, CEO e fundadora da Talento Incluir, responde que o primeiro passo é ter PCDs na equipe. “Não tê-los faz com que não nos lembremos de suas necessidades.” Para ela, a inclusão deve acontecer em todas as equipes, seja nos times de planejamento, seja nos de design ou de tecnologia. “Quanto mais diversas as pessoas, mais acessibilidade e inclusão teremos”, afirma.
Cid Torquato, CEO do ICOM, enfatiza que o segundo passo é promover a “escuta ativa” de PCDs. Ex-secretário municipal da Pessoa com Deficiência de São Paulo e um dos mais ativos representantes dessa população no País, enfatiza: “Não há nada sobre nós sem nós.” Ele alerta que, para promover a “escuta ativa”, é essencial abandonar o paternalismo e desconstruir preconceitos estruturais, “que afetam não apenas a percepção sobre as Pessoas com Deficiência, mas também grupos como a população negra e a diversidade sexual”.
Por sua vez, Ana Bavon, CEO e head de Estratégia da B4People, certifica: “Por mais que muitos digam que a experiência do consumo é universal, ela não é.” A personalização é o caminho. “Seja sempre flexível e aberto a aprender. O consumidor é único, e o sucesso de uma marca depende da sua capacidade de se adaptar.”
Olhar para todos os consumidores
Outro dilema quando o assunto é DEIA é o consumidor das favelas. Haja vista que o Brasil possui mais de 10 mil favelas, onde vivem 16,6 milhões de pessoas, representando 8% da população brasileira, conforme o Censo do IBGE de 2022.
Raul Matos, fundador e CEO da Biscoitê, enfatiza a importância de escutar as vozes das favelas, defendendo que “não é necessário tirar as pessoas de lá para oferecer emprego e educação”. Ele propõe que sejam criadas oportunidades dentro das comunidades, promovendo a geração de emprego e a renda localmente.
Hermes de Sousa, fundador e CEO do Instituto Nova União da Arte (NUA), concorda: “A favela tem grande potencial de consumo. E mais: as pessoas que lá estão desejam se envolver e se desenvolver.” Ao perceber essa dinâmica, Marina Pechlivanis, sócia-diretora da Umbigo do Mundo, especialista em posicionamento de marca, afirma ser “óbvio” que as empresas devem adaptar suas abordagens.
“O respeito e a valorização da cultura local são essenciais para conquistar o coração e a mente dos consumidores da favela. Iniciativas que promovem o engajamento com a comunidade, como eventos ou parcerias com empreendedores locais, têm um impacto positivo na percepção da marca”, diz Pechlivanis.
Mas, será que a miséria tem solução? Alcione Albanesi, presidente da Amigos do Bem, que desenvolve projetos educacionais, de geração de trabalho e renda no sertão do Nordeste, garante que sim: “A pobreza tem solução, e essa solução depende de nós. As marcas do futuro precisam priorizar sua responsabilidade social. O ESG não deve ser apenas uma formalidade, mas sim uma consciência genuína”, afirma Alcione.
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As faces da tecnologia
Uma aposta das empresas quando o assunto é DEIA é a tecnologia. Ela, inclusive, vem desempenhando o papel de “protagonista” na luta contra a pobreza. Quem assegura é Eliana Pinto, ouvidora do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome. Ela conta que a Ouvidoria do MDS tem servido como um canal de diálogo direto com os cidadãos, e os feedbacks têm melhorado a qualidade dos serviços públicos. “A Inteligência Artificial (IA) tem sido importante, haja vista que, desde 2023, houve uma redução significativa no tempo de resposta às manifestações, passando de 20 dias em 2021 para apenas 4 dias atualmente.”
Emauri Gaspar Junior, cofundador da Central IT, é defensor da IA para a modernização não somente das empresas, mas também dos processos administrativos de órgãos públicos. “Essas tecnologias permitem a otimização de serviços, reduzindo o tempo de espera para a população e aumentando a eficiência na execução de tarefas rotineiras”, afirma.
Mas, embora a IA possa aprimorar a experiência do usuário, as preocupações com a privacidade e a segurança de dados têm criado um ambiente de desconfiança. Além disso, o seu uso no atendimento gera desconfiança entre os consumidores brasileiros, com 51% das pessoas acreditando que a inteligência robotizada contribui pouco ou quase nada para a experiência. A informação consta na pesquisa Como os brasileiros veem a IA no atendimento – hoje e no futuro, da AntennasBI.
O levantamento mostra que 56% dos entrevistados sentem emoções negativas ao interagir com a IA, enquanto 34% têm emoções positivas. O atendimento humano é considerado superior, com nota 9,3 contra 7 para IA. Isso porque a percepção é de que a IA torna o atendimento mais frio e superficial, e 17% acham que as empresas não estão dando a devida atenção aos clientes.
A pesquisa também aponta que o público está polarizado: 49% veem a IA como uma ajuda significativa, enquanto 51% são céticos. “Isso é compreensível porque o brasileiro quer conversar, quer encontrar no atendimento um refúgio da experiência, por isso a predominância das emoções negativas”, explica Jacques Meir, Chief Knowledge Officer do Grupo Padrão.
Diante dos números, Gustavo Lotufo, COO da AntennasBI, aponta que o desafio é entender bem os cenários e avaliar os prós e contras de cada um para, então, “tentar encontrar um ponto de equilíbrio”.
Uma vez que o cérebro humano tende a buscar padrões de comportamento, isso pode estar acontecendo por conta de uma certa “resistência” ao novo. Paula Tempelaars, CEO da Neurowits, defende a busca por um equilíbrio para utilizar a IA. “A integração da IA pode otimizar processos e aumentar a eficiência, mas também levanta preocupações sobre a automação e a possível substituição de empregos. Além disso, questões éticas envolvendo privacidade e viés nos algoritmos precisam ser discutidas, já que decisões automatizadas podem reforçar desigualdades existentes”, alerta.
Consequentemente, a IA pode ser uma ferramenta valiosa para um futuro promissor, mas também pode aumentar desafios, dependendo de como é utilizada. “É vital promover um uso ético e responsável da tecnologia, transformando-a em uma força positiva. Assim, devemos nos tornar protagonistas de nosso futuro, garantindo que a IA atue como aliada e não como uma ameaça”, diz Paula.
Dessa forma, cabe às empresas atuarem com responsabilidade, mas principalmente, com base em valores e propósitos, criando experiências, processos e produtos que contemplem diversidade, equidade, inclusão e acessibilidade. Esse é o caminho para conexões significativas, relacionamentos próximos entre as marcas e os consumidores e, consequentemente, o crescimento dos negócios.
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