Mais crédito sustentável, menos inadimplência
- Por Roberto Meir
- 7 min leitura
Foram poucos os períodos da história do Brasil em que o consumidor teve a oportunidade de adquirir produtos e serviços com a segurança de que poderia pagar por eles sem enfrentar problemas financeiros. Esses momentos, quando existiram, não perduraram.
Com frequência, o dinheiro que o brasileiro recebe no mês não corresponde aos gastos. A realidade é semelhante à de quem tenta dormir com um cobertor curto em um dia frio: precisa escolher o que cobrir ou, no caso, o que pagar (e o desconforto é garantido). As necessidades básicas (energia elétrica, água, alimentação e alguma forma de entretenimento, como streamings) tendem a vencer essa batalha.
Como resultado, o que se tem é uma população inadimplente (ou “com o nome sujo”, como tende a dizer o brasileiro, que vive “sem grana”, “duro”, “liso” e “sem um tostão”). Por mais que os números mostrem que a renda do brasileiro cresceu, é visível que o custo de vida subiu muito mais.
Quem perde, como sempre, é a parte mais frágil da equação: o cidadão com menor poder aquisitivo. Constantemente bombardeado por ofertas tentadoras (inclusive direcionadas ao que ele deseja, orientadas por algoritmos), ele se sente impelido a consumir. E como essas compras acontecem? Essa é a cereja do bolo ou, no caso, a jabuticaba: em 10x sem juros no cartão de crédito. Não por acaso, o valor das faturas é o principal fator de inadimplência atualmente.
O problema nesse caso começa no “parcelado sem juros”, um absurdo que faço questão de ressaltar. É fácil comprovar que esse modelo não é viável: basta ir ao banco e solicitar uma linha de crédito para pagar parcelado e sem juros. Há quem diga que essa é a única forma de dar acesso ao consumo a quem tem menos poder aquisitivo, mas a verdade é que o consumidor acaba comprando mais do que pode pagar – inclusive porque o limite do cartão de crédito, muitas vezes, é mais alto do que a renda mensal.
O Brasil tem, hoje, um saldo total de crédito bancário de R$ 6 trilhões – pouco mais de 50% do PIB, muito menos que o da China, dos EUA e até mesmo que o do Chile. E, mesmo assim, há 72,5 milhões de brasileiros endividados. Então, é óbvio que a equação precisa realmente ser modificada.
O que nos falta é acesso a um crédito sustentável, ou seja, que movimente a economia, acelere a geração de empregos, facilite o empreendedorismo e que, em última instância, provoque o crescimento do PIB
Roberto Meir, publisher
O que nos falta é acesso a um crédito sustentável, ou seja, que movimente a economia, acelere a geração de empregos, facilite o empreendedorismo e que, em última instância, provoque o crescimento do PIB. Um país sem crédito é um país sem consumo; um país sem consumo é um País sem PIB; um país que não tem PIB traz instabilidade e insegurança à integridade emocional, econômica e física do consumidor.
Para além disso, há o impacto nos negócios: Qualquer plano estratégico, ao início de cada ano, prevê um crescimento de dois dígitos. Mas, em um País com um desenvolvimento pífio, para que uma empresa possa crescer, outras têm que ficar estagnadas. Como em um jogo de Rouba Monte, a competição pelo escasso dinheiro do consumidor vai além da preferência por uma empresa em detrimento de outra do mesmo segmento de mercado, afinal, ao mesmo tempo em que recursos são limitados, novas necessidades e desejos entraram, inclusive, na lista de itens básicos (streamings, por exemplo). Isso tudo sem nem citar que os brasileiros gastaram absurdos R$ 100 bilhões (no mínimo) em apostas on-line em 2023.
Nesse contexto, é inútil falar em educação financeira: o consumidor honra as dívidas mais urgentes, ao mesmo tempo em que cede a determinados produtos e serviços para ter prazeres imediatos e algum entretenimento. Em resumo, faz o que pode com o pouco que tem.
A solução estaria em liberar as amarras que fazem com esse País seja tão caro, tão ineficiente, tão improdutivo. E isso só será possível se o Brasil fizer mais com menos, utilizando muita tecnologia. Mas, como sabemos, a realidade hoje é a escassez também de acesso a tecnologias de ponta, inclusive com um considerável abismo digital.
Diante disso, a saída é de fato conceder crédito sustentável não apenas ao consumidor, mas também a empresas, ao desenvolvimento de novos negócios. Para isso, é essencial que haja outro elemento: confiança. Afinal, crédito e confiança são sinônimos. Sem confiança no governo, nas pessoas, nas empresas e no Judiciário, o crédito não será eficaz. Não há uma única motivação para isso; é uma sequência de fatores, não um fato isolado.
No fim das contas, tudo isso termina em litígio. E quem paga a conta no final? O consumidor. Entender essa experiência, essa rotina do consumidor brasileiro, é um ponto imediato para quem busca dinamizar uma sociedade de consumo totalmente paralisada.
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