Jogo de “perde-perde”
- Por Melissa Lulio
- 3 min leitura
Em 2023, os brasileiros gastaram aproximadamente R$ 100 bilhões em apostas on-line. Isolado, esse número faz parecer que todos os problemas financeiros do Brasil estão resolvidos e, enfim, sobrou um dinheirinho para brincar na Las Vegas da internet. Mas a realidade é que são poucos os brasileiros que veem sobrar dinheiro no fim do mês.
A verdade é que 72,5 milhões de brasileiros estão inadimplentes. Ainda há outros milhões que estão endividados (mas pagam em dia) e, entre eles, alguns já veem, no fim do túnel, a palavra “inadimplente” piscando, vermelha, ou seja, daqui a alguns meses, a tendência é que aumente o número de pessoas com dívidas atrasadas.
E então, não satisfeito em pagar juros no cartão de crédito e fugir do leão (dos impostos), o brasileiro resolveu ter problemas com o tigrinho (símbolo do jogo Fortune Tiger, um dos mais famosos no segmento de apostas on-line).
Apesar da brincadeira sobre a selva de gastos (que permanece válida, em respeito ao infalível humor do brasileiro), o fato é que o assunto é sério. Afinal, como sempre, a parcela da população com menor poder aquisitivo é quem mais sofre nesse cenário (para a surpresa de ninguém).
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É claro que muitas pessoas tendem a pensar, automaticamente, que esse é um problema de educação financeira ou de simples irresponsabilidade. Mas essa é uma perspectiva simplista, afinal, a decisão de “tentar mais uma vez” (em qualquer jogo, seja na internet, seja no bingo) é muito pouco racional.
A verdade é que atividades agradáveis provocam, no cérebro, a liberação do neurotransmissor responsável por sensações de prazer e recompensa: a dopamina. É o que acontece com os jogos, mesmo ao perder: a antecipação de uma possível vitória já é capaz de ativar o sistema de recompensa do cérebro, o que cria um ciclo de desejo e recompensa que pode, sim, ser viciante.
Ainda que a reação a uma substância química possa ter efeitos mais críticos nesse sentido, o vício em dopamina pode estar relacionado a muitas atividades, como explica a psiquiatra Anna Lembke, e pode trazer prejuízos semelhantes. O cérebro pode desenvolver tolerância e precisar de um volume maior de apostas ou de riscos maiores para obter o mesmo nível de excitação e prazer. Além disso, a retirada ou a impossibilidade de apostar pode levar a sintomas de abstinência.
O cenário assusta, mas a boa notícia é que a saída existe. Como em qualquer outro vício, esse caso também requer um esforço consciente, além de estratégias de gestão do comportamento – como evitar gatilhos, buscar outros tipos de atividades recompensadoras e até mesmo apoio psicológico individual ou em grupos de suporte.
A dica de ouro, sobretudo, é nem começar. Na dúvida, é melhor investir em criptomoedas. Neste caso, perder é um risco; com o tigrinho, perder é uma certeza.
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