Economia digital: Para onde vamos?
- Por Jessica Chalegra
A digitalização bancária no Brasil tem sido um dos principais motores da inclusão financeira e da modernização da economia. Desde a implementação do Plano Real, em 1994, que estabilizou a economia e fortaleceu o sistema financeiro, o setor Bancário passou por inúmeras transformações tecnológicas.
Hoje, o País é conhecido por ter uma das tecnologias bancárias mais avançadas do mundo. E assim como há 30 anos o Plano Real fez nascer um novo consumidor, mais consciente e com poder de decisão, as inovações impulsionadas pela digitalização incentivam o consumo com uma jornada financeira mais segura, fluida, acessível e personalizada.
Em 2020, o Banco Central deu um passo fundamental nesse sentido com o lançamento do Pix, um sistema de pagamentos instantâneos que permitiu transferências e pagamentos em tempo real, 24 horas por dia e sem custos para pessoas físicas. O serviço não apenas aumentou a conveniência para os usuários, mas também ampliou a bancarização no País, integrando milhões de brasileiros ao sistema financeiro formal.
Paralelamente, a implementação do Open Banking aumentou a concorrência entre as instituições financeiras ao permitir o compartilhamento de dados bancários entre as instituições. Isso abriu caminho para serviços mais personalizados e melhores condições de crédito, estimulando a inovação no setor.
Agora, o Brasil prepara-se para mais um salto tecnológico com o Drex, a moeda digital do Banco Central baseada em tecnologia blockchain. O sistema promete aumentar a segurança, a transparência e a eficiência das transações financeiras, impulsionando ainda mais a digitalização da economia e facilitando novos modelos de negócios, como contratos inteligentes e tokenização de ativos.
Ivo Mósca, diretor de Inovação, Produtos e Serviços da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), destaca que esse avanço tem raízes históricas. “Nosso setor Bancário sempre esteve à frente de outros mercados mundiais. Isso começou há bastante tempo, quando trouxemos a TED – o grande ponto de inovação – porque permitiu a transmissão de recursos interbancários em até 2 horas”, explica. No entanto, o grande salto ocorreu com a chegada do Pix.
“Sem TED, o Pix não existiria. Essa experiência foi sendo aperfeiçoada até chegarmos ao modelo atual”, pontua Ricardo Humberto Rocha, professor de Finanças do Insper. “E o mais interessante é que o Pix foi criado pelo Banco Central. Ele não apenas promoveu um avanço tecnológico e uma transformação digital, mas também ajudou a eliminar o risco de compensação nos pagamentos”, acrescenta.
Quem começa a receber e a pagar por Pix precisa ter, no mínimo, uma conta de poupança, o que significa que passa a existir para o sistema financeiro formal. “Isso é um avanço extraordinário. O que vem pela frente? Uma digitalização ainda maior”, destaca Rocha.
O queridinho dos brasileiros
UTILIZAM O PIX…
… por gênero
… por faixa etária
... por faixa de renda
Meios de pagamento preferidos
Fonte: Banco Central do Brasil
A jornada financeira do consumidor
Tantas inovações beneficiam a parte mais importante da equação: o consumidor. As tecnologias implementadas no segmento Financeiro resultaram em novos produtos e soluções, oferecendo mais variedade e, principalmente, liberdade de escolha.
“O número médio de contas por cliente aumentou significativamente, passando de aproximadamente 1,2 para cerca de 4 ou 5 contas. No fim, ele centraliza suas transações em uma instituição que oferece mais confiança e uma melhor experiência”, destaca o diretor da Febraban.
“Antes, havia uma grande resistência à troca de banco. No passado, manter uma conta por muitos anos era visto como um sinal de estabilidade financeira. Isso mudou. Hoje, as pessoas migram com muito mais facilidade em busca de melhores condições e serviços”, explica.
Outro impacto importante foi a redução dos custos repassados ao consumidor. Na economia digital, as taxas de transações e de gerenciamento de contas foram anuladas. Além disso, como destaca Ivo Mósca, os canais de autoatendimento reduziram o custo operacional das instituições.
“Essa redução pressionou os preços dos serviços financeiros, trazendo mais benefícios, agilidade e comodidade”, reforça.
Todo o potencial trazido pela economia digital é, ainda, arrefecido pela carência de educação financeira. No último estudo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que avalia o letramento financeiro dos estudantes, o Brasil registrou 416 pontos – 82 abaixo da média da instituição.
A tecnologia, quando bem utilizada, é uma grande aliada para a educação e o planejamento financeiro
Lia Bandeira, Data Science & Analytics manager da Serasa
Economia democratizada
Tudo isso impacta diretamente a forma como os brasileiros gerenciam o dinheiro. Muito além do acesso ao crédito e da digitalização bancária, um dos maiores avanços proporcionados pela tecnologia é a democratização da informação financeira.
“Curiosamente, os bancos tradicionais estão ‘desbancarizando’ – diminuindo o número de agências e de bancários –, enquanto os clientes estão se ‘bancarizando’, ou seja, pessoas que antes não tinham acesso ao sistema financeiro agora têm”, comenta Humberto Rocha.
Hoje, os aplicativos de bancos e instituições permitem que os consumidores acompanhem a própria situação financeira em tempo real. Isso dá ao usuário um maior controle sobre as finanças, ajudando-o a tomar decisões mais conscientes, como explica Lia Bandeira, Data Science & Analytics manager da Serasa.
“A digitalização veio para ajudar os clientes a se organizar melhor e a ter a informação na palma da mão”, destaca. “A tecnologia, quando bem utilizada, é uma grande aliada para a educação e o planejamento financeiro.”
O consumo e o segmento Varejista também agradecem. Como afirma Carlos Penteado Braga, professor associado da Fundação Dom Cabral: “A tecnologia sempre foi essencial no mercado financeiro, que está em constante evolução, especialmente no que diz respeito aos meios de pagamento, que facilitam a circulação do dinheiro. Esse avanço favorece tanto as fintechs quanto os varejistas mais digitalizados.”
O outro lado da moeda
Até aqui, tudo parece estar na mais perfeita harmonia. Contudo, do outro lado da moeda, está um País com 73,5 mil consumidores inadimplentes, com dívidas que somam mais de R$ 400 bilhões – segundo dados da Serasa. Ao mesmo tempo, o baixo volume de crédito disponível “dá um nó” na economia.
Todo o potencial trazido pela economia digital é, ainda, arrefecido pela carência de educação financeira. No último estudo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que avalia o letramento financeiro dos estudantes, o Brasil registrou 416 pontos – 82 abaixo da média da instituição.
O brasileiro e o cartão de crédito
Levantamento da Serasa Experian traz insights sobre os hábitos de consumo e o pagamento dos brasileiros no uso do cartão de crédito. O estudo, baseado em informações do Cadastro Positivo, analisou o ticket médio e a pontualidade de pagamento no período de março de 2023 a março de 2024, segmentando os dados por gênero, renda, região e idade.
Ticket médio em março/24
Até 1 salário-mínimo
R$ 417,51
De 2 a 3 salários-mínimos
R$ 1.071,05
Acima de 10 salários-mínimos
R$ 3.745,67
Pontualidade no pagamento
Pontualidade por faixa de renda
As apostas na educação financeira
Nesse cenário, a educação financeira tem-se tornado um dos pilares centrais da estratégia de relacionamento das instituições, a exemplo do Itaú Unibanco. O banco busca promover a inclusão financeira e fortalecer a segurança econômica dos brasileiros com iniciativas que abrangem desde conteúdos educativos até soluções digitais personalizadas.
Para Luciana Nicola, diretora de Relações Institucionais e Sustentabilidade do Itaú Unibanco, a educação financeira faz parte de uma agenda mais ampla de cidadania financeira, que também envolve inclusão e proteção ao consumidor.
“Nosso objetivo é promover a inclusão financeira dos nossos clientes, auxiliá-los na transição segura para o digital e protegê-los de golpes e fraudes”, pontua. “Queremos, cada vez mais, integrar o tema nas jornadas de nossos clientes e a sociedade em geral, usando diferentes formatos e canais para alcançar o máximo possível de pessoas, por meio de parcerias com outras entidades do setor Financeiro para fortalecer ainda mais nossos esforços. Além disso, pretendemos integrar ainda mais a educação financeira em nossos negócios, para ajudar a melhorar o bem-estar financeiro de nossos clientes”, completa.
Entre as iniciativas oferecidas pelo banco estão um blog com dicas financeiras, o curso Trilha Viver Mais e um curso via WhatsApp voltado para idosos, com informações sobre planejamento financeiro e prevenção a golpes. O aplicativo do banco também conta com funcionalidades para categorização de gastos e gestão financeira. Além disso, o Itaú promove palestras sobre saúde financeira e investimentos para empresas-clientes.
O reflexo dessas iniciativas pode ser visto na evolução dos indicadores de saúde financeira. Segundo Nicola, “o Brasil observou uma melhora na pontuação geral de saúde financeira em 2024, passando de 56 em 2022 para 56,7 em 2024, de acordo com o Índice de Saúde Financeira do Brasileiro (I-SFB)”. A melhora está associada a uma sensação reduzida de aperto financeiro e a um maior controle sobre pagamentos e despesas.
Mesmo assim, a inadimplência segue sendo um desafio no Brasil, e o Itaú tem apostado em soluções que ajudam os clientes a reorganizar as finanças. Luciano André Ribeiro, superintendente de Recuperação do Varejo do Itaú Unibanco, destaca a importância de um monitoramento contínuo.
“Acompanhamos o momento de cada um dos nossos clientes e como estão utilizando o seu crédito, por meio de dados, modelos, contextos e jornadas. Desta forma, quando os clientes começam a dar os primeiros sinais de inadimplência, atuamos com soluções preventivas e orientativas”, destaca.
Entre as ferramentas desenvolvidas pelo banco está o Perfil de Crédito, lançado em 2023. Disponível no aplicativo, a solução permite que os clientes acompanhem a situação de crédito em diferentes instituições financeiras, recebam orientação sobre dívidas e ajustem informações para melhorar a avaliação de crédito.
“O serviço possibilita consultar, em um único lugar e na palma da mão, eventuais pendências no Itaú e em outras instituições financeiras, além de permitir acessar dados em organizações responsáveis por positivar o nome do cliente, como o Banco Central, a Serasa, a Boa Vista e a Quod”, explica.
Em 2024, 32,8% dos brasileiros afirmaram que os gastos superaram a renda
Tecnologia a serviço da educação
A digitalização tem permitido ao Itaú oferecer uma experiência personalizada de educação financeira. “Hoje, a maioria dos nossos clientes acessa o aplicativo várias vezes ao dia. Cada uma dessas interações é uma oportunidade para fornecer orientação financeira, alertas ou conteúdo educativo”, afirma João Araújo, diretor de Negócios, Plataformas e Experiências Digitais do Itaú Unibanco.
Uma das soluções desenvolvidas para incentivar o planejamento financeiro é a ferramenta Cofrinhos, que permite aos clientes organizarem suas economias de forma simples. “Além de facilitar a gestão financeira, o dinheiro rende diariamente 100% do CDI e o cliente pode resgatar quando quiser”, pontua João Araújo.
Uma luz no fim do túnel
Os esforços das instituições e o maior volume de conteúdos de especialistas em investimentos disponíveis on-line começam a dar os primeiros sinais. Além da melhora na saúde financeira citada por Nicola, os dados do I-SFB, elaborado pela Febraban em cooperação técnica com o BC, apontam uma migração de brasileiros para as faixas de melhor bem-estar financeiro.
Agora, com o aumento de 1 ponto percentual, os consumidores estão nas faixas “Ótima”, “Muito Boa”, “Boa” e “Ok”. Paralelamente, houve uma redução no grupo que enfrenta maior estresse financeiro (“Baixa”, “Muito Baixa” e “Ruim”), também com uma queda de 1 ponto percentual.
Outro aspecto positivo revelado pelo levantamento é a menor pressão sobre o orçamento das famílias. Em 2024, 32,8% dos brasileiros afirmaram que os gastos superaram a renda. Além disso, 58,6% dos entrevistados relataram que conseguem guardar dinheiro com alguma frequência, um aumento de 1,3 ponto percentual em relação a 2023.
Tendências para o mercado financeiro
Pix
Novas funcionalidades vão melhorar a experiência do usuário.
Open Finance
O amadurecimento do serviço permitirá uma troca de dados mais eficiente no mercado financeiro.
Inteligência Artificial
O uso de IA pelas instituições financeiras vai gerar produtos mais personalizados e processos mais precisos, principalmente relacionados à concessão e à recuperação de crédito.
Combate às fraudes
Será intensificado, reduzindo a criação de contas laranjas e a lavagem de dinheiro.
Drex
A implantação da plataforma vai impulsionar novos serviços, reduzindo custos e simplificando processos.
Os desafios ainda persistem
Apesar da melhora geral, alguns desafios financeiros continuam preocupando os brasileiros. Apenas 32,4% dos entrevistados acreditam que conseguiriam arcar com uma grande despesa inesperada, mesmo percentual de 2023. A percepção de bem-estar financeiro também segue moderada, com 34,5% afirmando que a forma como administram o dinheiro lhes permite aproveitar melhor a vida, um crescimento de 0,5%.
Outro dado relevante é que a insegurança em relação ao futuro financeiro ainda é alta: 67,2% dos entrevistados afirmam não se sentir seguros sobre as finanças em longo prazo, embora este percentual tenha registrado uma leve melhora de 0,8 ponto percentual em relação ao ano anterior.
Dessa forma, o levantamento reforça a importância da educação financeira e do planejamento estratégico para que mais brasileiros possam consolidar sua saúde financeira e garantir maior estabilidade para o futuro.
O que está por vir?
Carlos Braga, da Fundação Dom Cabral, destaca as mudanças nas demandas dos consumidores, que priorizam cada vez mais a experiência e a conveniência. “Entre as principais tendências do setor estão as mudanças regulatórias e a rápida evolução de tecnologias como Open Banking e pagamento instantâneo, como o Pix. A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) também tem impacto significativo, exigindo um alto nível de segurança para a proteção das informações pessoais”, reforça.
Outro ponto crucial é a evolução do cadastro positivo. No passado, a análise de crédito baseava-se apenas em restrições. Hoje, com o Open Banking, as instituições financeiras conseguem avaliar o histórico de pagamentos e a real capacidade de um cliente honrar os compromissos financeiros.
Com o apoio da Inteligência Artificial (IA), essas análises estão se tornando mais precisas e personalizadas. “Antes, a análise de tantos dados era inviável devido à falta de capacidade computacional. Hoje, com o uso de IA, isso se tornou possível, permitindo um sistema financeiro mais eficiente”, pontua Carlos Braga.
A tokenização dos investimentos é outra tendência crescente. Contratos inteligentes substituem documentos em papel, permitindo renovações com poucos cliques, sem burocracia presencial. “Com a expansão do Open Banking, Pix, Open Finance e Drex, todas as contas bancárias de um usuário poderão ser visualizadas em um único aplicativo do Banco Central, sem a necessidade de acessar diretamente os aplicativos dos bancos”, explica.
Essas inovações também impactam diretamente o varejo, que pode se beneficiar ao firmar parcerias com os bancos, obtendo acesso a informações financeiras mais precisas sobre os clientes – o que contribui para a educação financeira do consumidor.
“Em suma, o mercado financeiro está em constante evolução, impulsionado pela tecnologia, pela regulamentação e pelas mudanças no comportamento do consumidor.” E o principal ganho está na tecnologia sendo utilizada para aumentar a transparência, o poder de escolha, a educação financeira e as possibilidades de negociação de dívidas e concessão de crédito.
O futuro do Pix
De acordo com o Beyond Borders 2025, um estudo feito pelo EBANX sobre o mercado digital e as tendências de pagamento em economias emergentes, incluindo o Brasil, o Pix deve crescer 35% ao ano até 2027, consolidando-se como o método de pagamento que mais se expande no e-commerce.
Outras transações baseadas em conta aparecem em segundo lugar, com uma taxa de 28%, e pelos cartões de débito, com aumento de 24%.
Uma das principais inovações destacadas pelo estudo é o Pix automático, que deve movimentar mais de US$ 30 bilhões em pagamentos recorrentes on-line até 2027. Esse formato inovador, projetado para facilitar assinaturas e cobranças periódicas, representará 12% do volume total de dinheiro em circulação via Pix nesse período.
Apesar disso, os cartões de crédito continuam relevantes nos mercados emergentes, com uma taxa de crescimento de 13% ao ano. Isso indica que, embora o Pix esteja revolucionando as transações digitais, os meios de pagamento tradicionais ainda desempenham um papel importante na economia digital.
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