Crédito, cobrança e a batalha para resgatar os mais de 70 milhões de brasileiros inadimplentes
- Por Jessica Chalegra
- 37 min leitura
Imagine um típico fim de tarde em qualquer grande cidade brasileira: O ritmo do dia começa a desacelerar, bares, cafés e outros pontos de encontro começam a ficar mais cheios, assim como o transporte público e as principais avenidas da cidade. No fim do expediente, por mais que haja objetivos e rotinas diferentes, há um fio invisível que conecta os brasileiros: o crédito. Seja no financiamento da casa própria, seja na compra do carro ou em compras parceladas no cartão, ele está presente, facilita o acesso a sonhos e proporciona uma vida mais confortável.
Entretanto, o mesmo crédito que abre tantas portas pode transformar-se em um vilão silencioso: a inadimplência. Quando o orçamento não fecha e as contas acumulam, os boletos deixados para depois começam a pesar. O atraso no pagamento não é apenas uma questão pessoal; ele reverbera toda a economia. Cada fatura que não é paga equivale a mais uma peça que se desajusta na grande engrenagem financeira do País.
Os dados comprovam que a inadimplência é um desafio de nível nacional. Mas, para criar no Brasil um ambiente favorável tanto para as empresas quanto para os consumidores, é preciso entender causas, consequências e contextos. Destaca-se, inclusive, que atitudes e decisões do Estado também trazem consequências nesse sentido – inclusive para a economia do próprio País.
Os gastos governamentais podem influenciar significativamente a variação das taxas de juros e a inflação. É o que explica Myrian Lund, professora de Finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV). Para reduzir a inflação, é comum que se eleve a taxa de juros; ao mesmo tempo, essa alternativa faz com que o cidadão pague juros muito altos – ao contratar um crédito – e cria um risco de endividamento e inadimplência. O excesso de gastos do governo é uma variável que não deveria fazer parte desse quebra-cabeças, afinal, é mais um agravante nesse cenário já extremamente complexo.
Boanerges Ramos Freire, presidente da Boanerges & Cia Consultoria, acrescenta ser difícil definir se os juros são altos porque há um mercado desequilibrado e uma inadimplência muito alta ou se, ao contrário, a inadimplência muito alta é o que gera a alta taxa. “São influências recíprocas; não dá mais para falar quem veio primeiro. O governo poderia encabeçar, com a sociedade e a economia, um processo de reequilíbrio do mercado de crédito no Brasil, com redução das taxas de juros e da inadimplência. Esses fatores podem caminhar para patamares muito mais razoáveis ao longo do tempo”, reforça.
RENDA, SIM; ENDIVIDAMENTO, TAMBÉM
A renda domiciliar per capita no Brasil cresceu 11% e chegou a R$ 1.848 em 2023 – é o maior valor desde 2012, quando série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) foi divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Este é o maior valor da série histórica da pesquisa, iniciada em 2012. Os indicadores incluem todas as fontes de rendimento, como trabalho, aposentadoria, pensão, aluguel, arrendamento, pensão alimentícia, doações e mesadas de não moradores, além de outros rendimentos.
A melhora no mercado de trabalho e o aumento do número de beneficiários de programas sociais, como o Bolsa Família, impulsionaram a massa de rendimento mensal domiciliar per capita em 12,2% em relação ao ano anterior, totalizando R$ 398,3 bilhões.
O estudo mostra, ainda, que o rendimento médio real de todas as fontes subiu 7,5% em comparação a 2022 e atingiu R$ 2.846 em 2023, próximo ao maior patamar da série histórica, registrado em 2014 (R$ 2.850). Após dois anos de queda devido aos efeitos da pandemia de Covid-19, o rendimento voltou a crescer em 2022, quando foi estimado em R$ 2.648.
Já o rendimento médio mensal real habitualmente recebido de todos os trabalhos, calculado para pessoas de 14 anos ou mais ocupadas, foi estimado em R$ 2.979 em 2023, um aumento de 7,2% em relação a 2022 (R$ 2.780) e de 1,8% na comparação com 2019 (R$ 2.927).
“Depois de alguns anos em queda, é satisfatório ver o aumento da renda per capita das famílias. Contudo, é importante ter em mente que o aumento na renda per capita influencia a taxa de juros para baixo e, dessa forma, a concessão de crédito no mercado tende a ficar mais fácil. Isso aumenta o poder de compra das famílias, mas, se elas não tiverem um bom planejamento financeiro, podem acabar entrando no endividamento novamente”, pontua Claudia Andrade, head de Cobrança e Atendimento B2B e B2C da Recovery (Grupo Itaú).
Lucas Barleta, gerente do Serasa Crédito, complementa que o aumento da renda per capita no Brasil ocorre muito por conta dos programas sociais, como Bolsa Família, mas ao mesmo tempo temos o crescimento do endividamento. Então, olhar exclusivamente para o aumento da renda média é ruim, porque só é possível ver o que entra, não o que sai.
“Na prática, o que está acontecendo é que, apesar de o valor médio ter aumentado, os custos que as famílias brasileiras têm, seja com questões básicas, seja com escola ou outros custos de uma família, vêm crescendo. A conta, mesmo com esse aumento de renda, ainda não fecha, ou seja, mesmo com o crescimento da renda, o custo infla numa proporção muito maior, o que resulta num aumento de endividamento”, pontua.
Consumo sem dívidas?
Estratégias desenvolvidas pelas empresas para evitar
que o cliente contraia dívidas ou para que consiga quitá-las
♦ Uso de algoritmos avançados para prever a capacidade de pagamento e o tamanho do risco na oferta de crédito.
♦ Adoção de ferramentas digitais e IA para analisar comportamentos e históricos de crédito.
♦ Investimento em programas de educação financeira para consumidores.
♦ Consultoria financeira personalizada.
♦ Tratamento empático e personalizado para clientes inadimplentes, unindo a busca por soluções e o respeito às realidades e às necessidades de cada um.
♦ Opções flexíveis de pagamento, como refinanciamento e redução de juros.
♦ Desenvolvimento de produtos financeiros com condições justas, como taxas de juros mais baixas
e prazos flexíveis.
♦ Oferta de consórcios como alternativa ao crédito tradicional (para evitar altos juros e promover planejamento financeiro).
♦ Monitoramento contínuo do uso de crédito pelos consumidores para identificar sinais de inadimplência e viabilizar ações preventivas.
Embora a renda domiciliar per capita tenha alcançado seu maior índice em 2023, isso não necessariamente resultou em uma diminuição do endividamento das famílias brasileiras, ressalta Fábio Toledo, CEO da Intervalor. Segundo o executivo, na verdade, o aumento da renda pode ter incentivado maior consumo e tomada de crédito. Com mais recursos disponíveis, as famílias podem ter se sentido mais seguras para solicitar empréstimos e financiamentos, o que resultou em um aumento do endividamento. Mesmo com maior renda, sem uma gestão financeira adequada e educação financeira, é possível que as famílias acabem comprometendo uma parte significativa de sua renda com dívidas, elevando seu nível de endividamento.
“Hoje em dia, mais de 65 milhões de CPFs passam por nossas jornadas e temos mais de mil projetos em andamento. Nosso consumidor precisa sentir que não está sozinho e que esta é sua ‘chance’, o momento de limpar seu nome. Para isso, usamos algoritmos avançados que complementam nossos dados para além do clichê já feito no mercado. Assim, conseguimos oferecer previsões precisas sobre a capacidade de pagamento, risco do cliente ou diferenciais para cada perfil. Vamos além para a economia avançar junto”, frisa.
78,8% das famílias brasileiras tinham dívidas a vencer em Junho de 2024, segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC)
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Silvia Moraes, vice-presidente-administrativa da Embracon, também reforça que o aumento da renda per capita em 2023 levou a uma maior confiança do consumidor e, consequentemente, a um aumento no consumo e na busca por crédito, o que pode resultar em maior endividamento da população. A executiva pontua, ainda, que isso não necessariamente significa problemas financeiros, desde que o crédito seja bem administrado.
“Na Embracon, por exemplo, temos observado que muitos brasileiros têm utilizado o consórcio como uma forma de planejamento financeiro mais responsável, evitando os juros altos dos financiamentos tradicionais. O consórcio permite que as famílias realizem seus sonhos de forma planejada e sem comprometer excessivamente o orçamento familiar, contribuindo para um endividamento mais sustentável e saudável”, comenta.
A renda é um parâmetro estrutural para definir se o consumidor tem uma maior ou menor demanda por crédito, explica Boanerges Ramos Freire, presidente da Boanerges & Cia Consultoria. Quando a renda cresce, pode haver mais demanda por crédito, porque as pessoas querem consumir mais, ou antecipar o consumo. Porém, os consumidores podem ainda, diante desse aumento de rentabilidade, fazer frente aos seus compromissos financeiros e buscar menos crédito para complementar os seus gastos.
“Não basta olhar só a média geral que temos no País. Devemos olhar as faixas de renda e de idade e regionalmente. Tem todo um processo e, muitas vezes, a pessoa tem rendas informais não declaradas. Renda é parâmetro crítico para análise e concessão de crédito, e também para o tomador ter consciência se pode ou não pagar”, pontua.
O SENTIMENTO DOS INADIMPLENTES
Consumidores com dívidasem atraso estão:
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O PAPEL DA EDUCAÇÃO FINANCEIRA NA SAÚDE FINANCEIRA DOS BRASILEIROS
A inadimplência e o endividamento das famílias brasileiras são questões intrinsecamente ligadas à falta de educação financeira e ao comportamento impulsivo de consumo, acentuado pelo apelo da mídia e pela facilidade de acesso ao crédito, segundo Myrian Lund, professora de Finanças da FGV. A ausência de educação financeira, combinada ao apelo publicitário intenso e à popularização do cartão de crédito como meio de pagamento, leva a um descontrole econômico da população.
“Quando você tem educação financeira, aprende que precisa ter um instrumento para tomar uma decisão, e esse instrumento pode ser a sua planilha. Ao ter uma planilha, uma projeção para os próximos 12 meses, você vai ver o impacto de uma decisão errada. Já faz parte da nossa rotina tomar decisões apressadas. Sem ter um controle, um instrumento, as pessoas são levadas a um excesso de consumo e, consequentemente, ao endividamento e à inadimplência e, por isso, ela é crescente”, explica Myrian.
Para Lucas Barleta, gerente do Serasa Crédito, é necessário conscientizar as pessoas sobre a importância de administrar suas finanças. Ele reforça que, quando uma pessoa busca se educar financeiramente, passa a ter uma visão clara de suas finanças, sabe quais compromissos pode assumir, qual é seu limite de gastos e entende que o cartão de crédito não deve ser visto como uma extensão do salário. Além disso, reforça ser necessário falar abertamente sobre o tema.
“Atualmente, há uma grande variedade de perfis, páginas, materiais e artigos na internet que contribuem para democratizar o conhecimento sobre educação financeira. A Serasa, por exemplo, possui diversos projetos relacionados à educação financeira, pois compreende que apenas renegociar dívidas não garante a manutenção de uma saúde financeira adequada. Mesmo após regularizar pendências, é crucial que o consumidor tenha conhecimento e um planejamento financeiro eficaz para evitar futuras perdas de controle”, comenta.
Nesse cenário, as instituições financeiras podem contribuir com uma melhor saúde financeira dos brasileiros ao adotarem algumas práticas. De acordo com Fábio Toledo, CEO da Intervalor, essa é uma questão profunda e complexa, de política pública. Ainda segundo o executivo, a educação financeira deveria começar nas escolas, desde os primeiros anos de estudo, e evoluir conforme o consumidor envelhece. Desse modo, haveria uma mudança nas prioridades dos brasileiros.
Mesmo com o crescimento da renda, o custo [de vida] infla numa proporção muito maior, o que resulta em um aumento do endividamento
Lucas Barleta, gerente do Serasa Crédito
“Mais do que aprender a poupar e a investir, precisamos aprender a buscar crédito e, depois, a quitá-lo de forma eficiente. A falta de conhecimento financeiro faz com que as pessoas busquem fontes de crédito ruins ou desproporcionais com a realidade em médio ou longo prazos… daí entram numa bola de neve que é muito difícil de sair. Ser uma questão de política pública não exclui as empresas de também agir. Na Intervalor, temos um compromisso com a educação financeira: criamos um espaço em nosso site sobre o tema, apoiando o consumidor no processo de conhecimento e em suas habilidades para controlar gastos, planejar orçamentos, avaliar riscos e tomar melhores decisões financeiras para planejar o futuro”, pontua.
A educação financeira trata-se de uma capacitação que proporciona uma relação benéfica para todo o sistema – clientes, instituições financeiras e mercado –, defende Luciano André Ribeiro, superintendente de Recuperação do Varejo do Itaú Unibanco. Nesse cenário, o banco tem trabalhado na construção de conteúdos e ferramentas, como o Perfil de Crédito, e engajado os clientes a consumir através das plataformas digitais. “Além disso, disponibilizamos jornadas simples e transparentes em todos os nossos canais e apoio consultivo das nossas equipes especializadas, as quais possuem contato direto com os clientes. Isso facilita e traz mais segurança na tomada de decisão da contratação do crédito, com o apoio adequado para a utilização”, complementa.
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É POSSÍVEL REDUZIR O ENDIVIDAMENTO SEM DESESTIMULAR O CONSUMO?
Segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o percentual de famílias brasileiras com dívidas a vencer, incluindo cartão de crédito, cheque especial, carnê de loja, crédito consignado, empréstimo pessoal, cheque pré-datado e prestações de carro e casa, estava em 78,8% em junho de 2024. Este número é semelhante ao registrado em maio e levemente superior ao observado em junho do ano passado, que foi de 78,5%.
Ainda de acordo com o levantamento, o percentual de famílias com dívidas em atraso subiu para 28,8% em junho de 2024, ainda abaixo dos 29,2% registrados no mesmo mês do ano passado. Já o número de famílias que não terão condições de pagar suas dívidas manteve-se estável em 12,0%, comparado a maio deste ano e a junho do ano anterior. No entanto, houve um aumento de 0,3 pontos percentuais no percentual de famílias com dívidas em atraso por mais de 90 dias, atingindo 47,6% dos endividados em junho – o maior índice de 2024, indicando um prolongamento dos atrasos. Para gerenciar melhor suas finanças, muitas famílias têm optado por prazos mais longos para pagamento de suas contas. Consequentemente, o percentual de famílias comprometidas com dívidas por mais de um ano subiu para 32,8%, o maior nível desde abril de 2022.
Diante disso, o atual cenário econômico brasileiro é caracterizado por altos índices de endividamento, com famílias em busca de equilibrar suas finanças. Em meio a essa realidade, surge uma questão crucial: É possível reduzir o endividamento sem desestimular o consumo? Para Claudia Andrade, da Recovery, as iniciativas em prol desse objetivo dependerão da visão de negócio da empresa, como, por exemplo, conceder parcelamentos, oferecer juros mais baixos, condições diferenciadas para pagamento à vista ou programas de fidelização, como bônus ou créditos.
“Já para as empresas que trabalham diretamente com cobrança, a chave envolve, antes de tudo, entender a dor do cliente, como ele virou inadimplente e como ele poderia saldar a sua dívida, com valores possíveis de pagamento que realmente caibam no bolso dele. Assim, qualquer plano de pagamento deverá ser adequado àquele cliente específico, de forma diferenciada, sendo a redução de juros e encargos primordial”, comenta.
Ainda diante do desafio de reduzir o endividamento dos consumidores sem desestimular o consumo, programas de educação financeira, que oferecem informação e consultoria para melhorar o gerenciamento das finanças pessoais, surgem como uma opção, segundo Fábio Toledo, CEO da Intervalor.
“Além disso, produtos financeiros com condições justas, como taxas de juros baixas e prazos flexíveis, incentivam um consumo responsável. A Intervalor, por exemplo, adota soluções como renegociação de dívidas com condições ajustadas à capacidade financeira do cliente; uso de análise de dados para identificar e apoiar clientes em risco; e consultoria financeira gratuita. Essas medidas visam não apenas recuperar o crédito, mas também fortalecer a saúde financeira e a confiança dos clientes em longo prazo”, pontua.
Já o gerente do Serasa Crédito acredita que reduzir o endividamento dos consumidores sem estimular o consumo é muito difícil, mas uma prática recorrente é o refinanciamento, “ou seja, já existe uma dívida que não está paga pelo cliente e o banco analisa novamente a operação de crédito desse consumidor, buscando diluição do prazo ou redução da taxa de juros, de modo que dê mais fôlego para que ele consiga honrar o pagamento e, consequentemente, sobrar algum dinheiro da renda que tem mensalmente”, explica Lucas Barleta.
Hoje em dia, mais de 65 milhões de CPFs passam por nossas jornadas e temos mais de mil projetos em andamento. Nosso consumidor precisa sentir que não está sozinho e que esta é sua “chance“, o momento de limpar seu nome
Fábio Toledo, CEO da Intervalor
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ABORDAGEM EMPÁTICA AO CLIENTE INADIMPLENTE
Lidar com um cliente inadimplente é uma arte delicada que exige equilíbrio entre firmeza e empatia. Em um País onde a inadimplência tem-se tornado um fardo crescente para muitas famílias, as consequências estendem-se muito além das finanças pessoais e afetam, além da economia, as relações humanas. Cada dívida não paga carrega uma história de desafios e escolhas difíceis.
Segundo um levantamento da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) com o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), as dívidas em atraso causam impactos negativos nas emoções, na saúde mental e nos relacionamentos. O levantamento aponta que 66% dos consumidores com débitos pendentes tiveram um nível de preocupação alto ou muito alto perante as dívidas em atraso há mais de três meses. Além disso, 84% ficaram preocupados, 74% sentiram-se ansiosos, 65% estressados ou irritados, 64% angustiados e 64% envergonhados.
As consequências das dívidas atrasadas vão além do impacto emocional e afetam também a saúde dos ouvidos pelo estudo. Segundo a pesquisa, 82% admitiram sofrer algum tipo de problema de saúde física ou mental após atrasarem o pagamento das contas. Entre os efeitos relatados, 66% mencionaram alterações no sono, 60% disseram sentir menos vontade de sair e socializar e 51% notaram mudanças no apetite. Um percentual significativo dos entrevistados, 37%, desconta a ansiedade em vícios como cigarro, comida e álcool, enquanto 26% recorrem a compras impulsivas.
Para empresas e profissionais, o desafio é grande: Como cobrar sem perder a sensibilidade? Como recuperar créditos sem comprometer a dignidade e o bem-estar do cliente? As respostas estão na abordagem empática, que reconhece a realidade do outro e busca soluções conjuntas.
De acordo com Alexandre Ferreira, diretor de Operações da Concentrix, é fundamental compreender que a inadimplência do cliente é uma situação momentânea. Na maioria dos casos, não está relacionada à desonestidade, mas sim à falta de experiência no manejo do crédito, ao descontrole financeiro ou a eventos como redução de renda, desemprego ou problemas de saúde na família. Ainda é necessário distinguir entre consumidores genuinamente interessados em resolver suas pendências e casos de fraude, aplicando métodos adequados para identificação dessas situações distintas.
“As empresas devem reconhecer que o cliente inadimplente continua sendo um cliente e deve ser tratado como tal. Oferecer uma excelente experiência de atendimento durante esse momento difícil pode resultar em uma fidelização futura e em um retorno à adimplência. No contexto de atendimento humano, é essencial que equipes de gestão, qualidade e treinamento estejam alinhadas para criar times de recuperação focados não apenas na cobrança, mas também no entendimento das necessidades do cliente e propor soluções que respeitem as políticas da empresa, transmitindo confiança e segurança”, explica.
“Do ponto de vista digital, é importante entender as preferências do cliente quanto ao canal de atendimento. Alguns clientes podem preferir autosserviço em portais digitais ou chatbots, enquanto outros preferem o contato direto com um agente humano desde o início do processo de atraso. Adotar uma abordagem sensível e flexível, considerando as diferentes necessidades e preferências dos clientes, é fundamental para alcançar sucesso na recuperação de créditos e melhorar a percepção da empresa no mercado”, acrescenta.
O Itaú Unibanco tem acompanhado como os consumidores utilizam o crédito, por meio de dados, modelos e jornadas. Desta forma, quando os clientes começam a dar os primeiros sinais de inadimplência, é possível atuar com soluções preventivas e orientativas
Luciano André Ribeiro, superintendente de Recuperação do Varejo do Itaú Unibanco
O CENÁRIO DE CRÉDITO E COBRANÇA NO BRASIL
O atual cenário de crédito e cobrança no Brasil é bastante desafiador, mas apresenta uma série de oportunidades. De acordo com Celso Mateus Ramiro, vice-presidente de Operações e Transformação Digital da AeC, o contexto atual, principalmente com a vinda de inúmeras fintechs e bancos digitais, democratizou o acesso ao crédito no País para milhares de brasileiros. Porém, ainda segundo o executivo, existe um cenário crítico vinculado, principalmente, às altas taxas de juros que chamam a atenção para um fator importante: o consumidor brasileiro tem o hábito de consumir além da sua renda, e isso contribui para o endividamento.
“Outro ponto é a popularização da educação financeira, que tem sido ampliada por meio da divulgação de muitos produtores de conteúdo na internet e por profissionais que ensinam o básico, como: negociação de dívida, organização financeira e relacionamento positivo para ter acesso ao crédito. Além disso, o próprio Serasa ampliou o acesso ao Score para que os consumidores saibam onde estão as suas dívidas de forma gratuita no aplicativo, façam negociação e até aprendam estratégias para melhorar o relacionamento com as empresas”, frisa.
Diante disso, ele acrescenta que o principal desafio para as empresas na relação com o consumidor é buscar alternativas para melhorar a eficiência no processo de cobranças e manter um bom relacionamento com este consumidor. O objetivo é fazer com que ele priorize o pagamento da dívida, dentro das suas possibilidades do momento, além de oferecer soluções flexíveis como a renegociação das dívidas para facilitar o pagamento e manter o cliente adimplente.
Em maio, o Serasa Limpa Nome fechou 3,2 milhões de acordos com mais de 2 milhões de consumidores, com um valor médio das negociações de R$ 752,02 e descontos que superaram os R$ 8,44 bilhões
“Quanto mais eficiente for o processo de cobrança, mais rápido – e de forma mais assertiva – o banco consegue retroalimentar a concessão de crédito. Essa dinâmica entre liberar o dinheiro e recebê-lo de volta é primordial para um aumento ou uma redução da taxa de juros. Quando temos um processo de cobrança efetivo, que consegue recuperar aquilo que o banco concedeu, teoricamente, temos a manutenção da taxa de juros. Quando o crédito é liberado para uma pessoa que, de fato, não vai pagar ou se não há um processo efetivo de cobrança, isso reverbera diretamente o aumento da taxa de juros e, possivelmente, uma redução na concessão de crédito”, reforça.
Na rotina operacional da cobrança, as empresas e as instituições financeiras enfrentam diversos desafios cruciais, sendo os principais a localização do devedor e a preparação para oferecer soluções eficazes quando o contato é estabelecido, ressalta Alexandre Ferreira, diretor de Operações da Concentrix. O executivo pontua ainda que, independentemente do setor – Financeiro, Varejo, Telecomunicações ou Educação –, cada um apresenta particularidades que influenciam a abordagem de cobrança. Alguns segmentos podem ter características que facilitem o processo, como a presença de garantias, o tempo de atraso e os valores da dívida.
“Embora pareça simples, essas situações são extremamente complexas. Localizar um cliente hoje requer não apenas ter informações atualizadas de contato, mas também compreender suas preferências quanto ao modo e ao momento do atendimento. Para superar esse desafio, é essencial contar com um conjunto variado de ferramentas direcionadas de forma precisa para diferentes tipos de clientes. Isso envolve a utilização de advisors digitais humanizados, portais de autosserviço para autoatendimento, URAs mais amigáveis e a oferta de múltiplos canais de comunicação com chatbots capazes de interagir de forma eficiente e compreender as necessidades individuais dos clientes”, explica.
Para Boanerges Ramos Freire, a cobrança é parte intrínseca do processo de crédito. Necessariamente, quando se concede crédito, vai haver inadimplência, de uma maneira ou de outra. Diante desse cenário, tem que haver cobrança, muitas vezes, até mesmo antes de o consumidor ficar inadimplente, como um processo preventivo.
Para reduzir a inflação, é comum que se eleve a taxa de juros; ao mesmo tempo, essa alternativa faz com que o cidadão pague juros muito altos – ao contratar um crédito – e cria um risco de endividamento e inadimplência
Myrian Lund, professora de Finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV)
“A cobrança tem que ser um elemento fundamental, porque, quanto mais cedo ela identificar, ser mais capaz de discriminar os clientes e ter abordagem sob medida para obter retorno desses consumidores, mais efetiva ela será. No entanto, existe um limite para essa atuação de cobrança. Não basta apenas recuperar valores; é preciso recuperar também o cliente e trazê-lo de volta para uma situação de normalidade, para ele poder voltar a consumir”, pontua.
Além disso, a complexidade dos processos de cobrança influencia os juros e a concessão de crédito no Brasil na medida em que impacta o chamado “risco de crédito”, reforça Claudia Andrade, da Recovery. Segundo a executiva, isso acontece porque um processo judicial envolvendo cobrança é moroso, complexo e está sujeito a uma variedade de recursos, aumentando o risco de inadimplência pelos devedores que se valem dessa morosidade e complexidade.
“E, para fazer frente a essa situação, as empresas credoras acabam cobrando taxas e juros mais altos, já que os custos operacionais para tentar reaver o crédito também aumentam para as empresas. Outro ponto é que a insegurança jurídica, trazida pela complexidade de um processo de cobrança, afasta investidores, e isso pode fazer com que a taxa de juros aumente e, assim, a concessão de crédito pode se tornar mais rigorosa, ou seja, a oferta de crédito reduzir”, explica.
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Temos observado que muitos brasileiros têm utilizado o consórcio como uma forma de planejamento financeiro mais responsável, evitando os juros altos dos financiamentos tradicionais
SILVIA MORAES, VICE-PRESIDENTE-ADMINISTRATIVA DA EMBRACON
Essa situação econômica do País afeta, inclusive, o setor Educacional. O cenário de concessão de crédito para o ensino superior no Brasil teve impactos significativos nos últimos anos, principalmente depois da pandemia, explica Alex Mattiuzzo, sócio e diretor de Experiência e Gestão Financeira do Aluno da Cogna Educação. O aumento na taxa de juros e a piora nas taxas de inadimplência contribuíram para uma maior restrição na oferta de crédito. Diante disso, as instituições financeiras estão mais cautelosas e passaram a adotar critérios mais rígidos para diminuir a exposição ao risco.
“Particularmente no setor Educacional, outro fator que contribuiu, significativamente, para este cenário foi a limitação dos programas governamentais, em especial o FIES, desde 2015. E aqui temos dois efeitos: de um lado, a diminuição da oferta acirrou a concorrência pelo acesso ao financiamento; por outro, mesmo com menos vagas, existe uma dificuldade maior de preenchê-las, justamente porque os critérios de elegibilidade ficaram mais rigorosos. Embora existam mais de 100 mil vagas de FIES por ano, por restrições de crédito, cerca de um terço não é preenchida”, comenta.
“Atualmente, as altas taxas de juros e os prazos de financiamento oferecidos podem ser entraves para os estudantes que desejam obter crédito educacional. Contudo, ainda acredito que os critérios de elegibilidade e o maior nível de exigência sobre garantias acabam sendo os grandes empecilhos. As instituições financeiras estão cautelosas e acabam sendo mais restritivas, visando minimizar o risco de inadimplência”, acrescenta.
Nesse cenário, Fábio Toledo, CEO da Intervalor, defende que melhorar a eficiência e simplificar os processos de cobrança são ações que podem ajudar a reduzir riscos e custos, o que resultaria em juros mais baixos e em uma maior disponibilidade de crédito. Ele elenca os principais fatores da complexidade dos processos de cobrança: o risco de inadimplência, já que processos complexos e ineficientes fazem com que as instituições financeiras incorporem esse risco adicional em taxas de juros mais altas; os custos operacionais que, consequentemente, são repassados aos consumidores; mais rigor na avaliação de crédito, que limita o acesso principalmente aos consumidores e às empresas com um histórico menos sólido; e, por último e como desdobramento dos fatores anteriores, a redução efetiva da oferta de crédito na tentativa de mitigar perdas.
Percebe como é importante reduzir a complexidade e falar a língua do cliente? E, claro, com a ajuda da tecnologia e de ferramentas avançadas, como a Inteligência Artificial (IA), é possível analisar o comportamento, o histórico de crédito, o score, entre outras características, para garantir um atendimento assertivo da abordagem à quitação da dívida. “Hoje, por exemplo, nós negociamos R$ 1 bilhão por mês: nossos bots têm 88% de assertividade, e o tempo médio para fechar uma negociação de dívidas curtas é de até 1 minuto. Fruto de muita estratégia e foco na experiência do cliente”, frisa.
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Myrian Lund, da FGV, ressalta que a cobrança vem depois da concessão do crédito, porém estimula o consumidor a renegociar na mesma hora, porque isso passa a sensação de que a inadimplência diminuiu. “É uma falsa ideia dada pelas renegociações que são feitas pela área de Cobrança, que te estimula a renegociar sem saber se você pode pagar ou não. Na hora em que você renegocia, sua dívida muda de patamar, porque será pelo valor com juros, não pelo original. Para o consumidor, é o pior negócio. Se ele não tem certeza se vai conseguir pagar ou não, assumirá uma dívida mais alta. Ele tira o nome do Serasa, mas daqui a um mês, dois meses, estará de novo”, explica.
Essa situação, de acordo com a especialista, vira um ciclo vicioso e, nesse cenário, o que tem acontecido no Brasil é uma elevação muito grande de superendividamentos, causada pelo fato de os consumidores chegarem ao momento em que não conseguem mais pagar as prestações feitas. Outro ponto agravante tem sido o limite dado pelas instituições financeiras.
“Se as instituições financeiras reduzissem o volume que cedem de cartão de crédito para as pessoas, isso já melhoraria, mas dão um limite absurdo. É necessária também uma conscientização sobre dar limites adequados à capacidade de pagamento dos consumidores. A instituição financeira é corresponsável; ela não pode te dar o limite que você pede; ela tem que analisar o quanto você pode, o quanto ganha e o quanto você gasta. Não faz sentido dar um limite de R$ 10 mil para quem ganha R$ 10 mil. Se você ganha isso, vai gastar todo o seu dinheiro de crédito? Isso tudo tem que ser revisto e mudado”, explica.
O QUE DIZEM OS BANCOS?
À medida que o Brasil enfrenta desafios econômicos, a construção de um futuro com maior cidadania financeira e saúde econômica torna-se uma prioridade fundamental. As instituições financeiras desempenham um papel crucial nesse processo, não apenas como facilitadoras de transações e crédito, mas como agentes de mudança que podem promover uma educação financeira mais robusta e oferecer soluções inovadoras para a gestão do dinheiro. Ao integrar práticas de responsabilidade social e fomentar a inclusão financeira, essas instituições têm o poder de transformar o panorama econômico nacional.
Nesse cenário, o Itaú Unibanco tem acompanhado como os consumidores utilizam o crédito, por meio de dados, modelos e jornadas. Desta forma, quando os clientes começam a dar os primeiros sinais de inadimplência, é possível atuar com soluções preventivas e orientativas. Já no momento de não pagamento de parcelas ou atrasos, a instituição propõe soluções adequadas para estabelecer um equilíbrio entre a vida financeira e a renda.
As empresas devem reconhecer que o cliente inadimplente continua sendo um cliente e deve ser tratado como tal. Oferecer uma excelente experiência de atendimento durante esse momento difícil pode resultar em uma fidelização futura e em um retorno à adimplência
Alexandre Ferreira, diretor de Operações da Concentrix
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“Possuímos ofertas de crédito adequadas às necessidades comportamentais, ao contexto e ao perfil de cada cliente. O foco para evoluir na avaliação de risco é atrelar a utilização intensa de dados com o mapeamento da necessidade do cliente. Nesse sentido, o banco lançou, em maio de 2023, o Perfil de Crédito, uma solução digital gratuita disponível no aplicativo do banco, que dá um panorama da situação de crédito do cliente e do seu relacionamento com o mercado, além de trazer informações para que ele possa tomar decisões conscientes a partir dessa análise de crédito. A aplicação foi desenvolvida para incentivar a transparência no segmento crediário e facilitar a compreensão do consumidor sobre as suas dívidas por meio da orientação financeira”, explica Luciano André Ribeiro, superintendente de Recuperação do Varejo do Itaú Unibanco.
O serviço possibilita consultar, em um único lugar, eventuais pendências no Itaú e em outras instituições financeiras, além de permitir acessar dados em organizações responsáveis por positivar o nome do cliente como Banco Central, Serasa, Boa Vista e Quod. A funcionalidade permite que o consumidor ajuste a renda que está sendo utilizada nas análises de crédito com dicas e sugestões, as quais fazem com que a sua renda seja mais bem avaliada pelo banco, como Portabilidade de Salário e Open Finance.
Para Glauber Correa, CEO do Agibank, os bancos devem adotar uma abordagem omnichannel, que inclua criação de conteúdo educativo on-line e aplicativos móveis; oferta de consultoria financeira personalizada; e ferramentas de acompanhamento. Além disso, devem desenvolver programas específicos para públicos-alvo, disponibilizar materiais educativos nos pontos de atendimento, treinar funcionários para fornecer orientação eficaz e lançar campanhas de sensibilização. O executivo reforça que essas práticas visam empoderar os clientes a tomar decisões financeiras mais conscientes e saudáveis, bem como fortalecer os relacionamentos entre bancos e consumidores.
Nesse cenário, a digitalização dos serviços financeiros pode contribuir para a redução da inadimplência e a melhoria da saúde financeira dos consumidores. Isso acontece quando as instituições oferecem ferramentas avançadas de monitoramento e gestão financeira, como aplicativos de controle de gastos, alertas de vencimento de contas e análises personalizadas de consumo.
“Essas ferramentas facilitam o acompanhamento, em tempo real, das finanças pessoais, promovem hábitos de poupança e ajudam a evitar o endividamento excessivo. A digitalização permite acesso mais fácil e rápido a informações educativas e à consultoria financeira, empoderando os consumidores a tomar decisões mais informadas e responsáveis, o que, por sua vez, reduz o risco de inadimplência. A contratação de serviços financeiros também se torna mais acessível e conveniente, contribuindo para a inclusão financeira e a adoção de hábitos saudáveis de gestão do dinheiro”, pontua o CEO do Agibank.
A Caixa Econômica Federal disse que a recuperação de créditos concedidos reduz eventuais custos associados à inadimplência, o que pode resultar em um crédito mais acessível aos clientes. Por isso, é importante haver equilíbrio e controle nos indicadores de inadimplência. Ainda no comunicado, a instituição reforça buscar pela inovação nos processos de adimplência, pensando na sustentabilidade dos negócios e em novas alternativas negociais e funcionalidades digitais que facilitem o atendimento ao cliente.
Atualmente, as altas taxas de juros e os prazos de financiamento oferecidos podem ser entraves para os estudantes que desejam obter crédito educacional
Alex Mattiuzzo, sócio e diretor de Experiência e Gestão Financeira do Aluno da Cogna Educação
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Quanto mais eficiente for o processo de cobrança, mais rápido – e de forma mais assertiva – o banco consegue retroalimentar a concessão de crédito. Essa dinâmica entre liberar o dinheiro e recebê-lo de volta é primordial para um aumento ou uma redução da taxa de juros
Celso Mateus Ramiro, vice-presidente de Operações e Transformação Digital da AeC
“Neste sentido, o banco conta com atendimento de cobrança via WhatsApp para os clientes pessoa física e pessoa jurídica, para os créditos comerciais e habitacionais, bem como atendimentos 100% digitais e sem interação humana. A CAIXA aprimora constantemente os atendimentos digitais, para uma jornada de autoatendimento e comodidade ao cliente. O banco desenvolve suas estratégias priorizando a comunicação e a orientação aos clientes por meio de canais mais ágeis e eficientes, com informação clara e adequada, proporcionando uma melhor experiência”, explica a nota.
É POSSÍVEL REDUZIR A INADIMPLÊNCIA NO BRASIL?
Lançado pelo Governo Federal em 2023 e em vigor até maio de 2024, o programa Desenrola Brasil surgiu com o objetivo de auxiliar pessoas endividadas a regularizar suas pendências financeiras. A iniciativa visava facilitar a renegociação de dívidas com instituições financeiras e empresas ao oferecer condições mais favoráveis para a quitação dos débitos. O público eram pessoas físicas com renda bruta mensal de até 2 (dois) salários-mínimos, ou inscritos no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), que tenham sido negativadas de 2019 a 2022, com uma dívida cujo valor atualizado fosse inferior a R$ 20 mil.
Segundo o Censo Nacional do Programa Desenrola Brasil, desenvolvido pelo Ministério da Fazenda, a iniciativa conseguiu alcançar 14,8 milhões de pessoas. Ao todo, foram renegociadas 25,6 milhões de dívidas, que somam R$ 53,2 bilhões. Com isso, houve uma redução de 8,7% da inadimplência entre a população mais vulnerável do País.
O Serasa Limpa Nome, desenvolvido pela Serasa Experian, foi criado para possibilitar que consumidores renegociassem suas dívidas com descontos de até 90% nos débitos e nas opções de parcelamento. Em maio, segundo o Mapa da Inadimplência e Renegociação de Dívidas, foram fechados 3,2 milhões de acordos com mais de 2 milhões de consumidores. O valor médio das negociações foi de R$ 752,02. O resultado superou os R$ 8,44 bilhões em descontos concedidos pelo programa.
Apesar das iniciativas de recuperação de crédito, ressalta Boanerges Ramos Freire, o cenário econômico brasileiro é muito complexo devido aos altos níveis de inadimplência. O especialista pontua ainda que tais programas, com foco em reduzir o endividamento da população, são necessários e devem continuar, porque o cenário exige isso. Ao mesmo tempo, mostram a gravidade da situação.
“Temos taxas muito altas de juros e depois temos uma inadimplência muito alta, e ela justifica taxas de juros mais altas ainda, o que leva a ter mais inadimplência. Assim, temos que, rapidamente, correr atrás de maneiras para recuperar esse crédito. Uma delas é fazer essas grandes iniciativas, para recuperar o crédito, e trazer as pessoas para acordos com condições melhores que as praticadas no dia a dia, para que os consumidores possam ter suas dívidas quebradas em mais parcelas”, comenta.
“São as condições mais favoráveis possíveis que se pode oferecer para um inadimplente. Mas isso mostra também que, ao tirar muitas vezes toda a taxa de juros desse inadimplente e querer receber dele só um pedacinho do que ele tem de dívida, há um desequilíbrio no nosso modelo. Do jeito que estamos, vamos em um espiral crescente de taxas mais altas, inadimplência mais alta e custos mais altos no processo de recuperação do crédito. Precisamos fazer o caminho inverso e trabalhar na direção de ser um País mais equilibrado em termos de níveis de taxa de juros e em inadimplência”, acrescenta.
Um dos caminhos, ainda de acordo com Boanerges, é a educação financeira. Ela pode ajudar tanto quem concede crédito quanto o consumidor. Ele defende que, se esse ensinamento for passado desde a infância, é possível que as pessoas avancem na vida adulta com um bom entendimento de gestão do próprio dinheiro.
“Com receitas bem controladas, o crédito surge como algo saudável, que resolve problemas e antecipa o consumo de uma maneira saudável. Coisas que só são faladas muito tardiamente, quando a pessoa já está endividada, poderiam ser não só faladas, mas ensinadas para quem está ainda na escola. Não é o único elemento. Algo criativo e bem dosado pode ser feito no mundo do crédito também. Podem ser iniciativas locais pontuais, e depois espalhadas pelo resto do País. Está mais do que na hora de não continuarmos nos conformando com essa situação e buscar novas soluções”, finaliza.
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