Com quantos bots se faz um picolé empratado?
- Por Jacques Meir
Todo mundo lembra do furor causado pela “paleta mexicana”, um picolé pesadão, às vezes cremoso, na maioria das vezes exageradamente doce, que proliferou como fungo pelas grandes cidades. Veio, viu, parecia que ia vencer e sumiu. Entrou para o folclore dos cases de fracasso corporativo.
Muita gente embarcou na onda, e, provavelmente, sem juízo e no impulso. Clássico exemplo de decisão ruim, tomada no calor do momento e na presença massiva em cada esquina. A história toda deixou uma pergunta: Será que o famigerado picolé, o sorvete no palito, havia esgotado sua possibilidade de ser inovador? Porque há décadas (um século), o sorvete no palito ganhou formas, sabores, recheios e casquinhas, mas a ideia central permaneceu: o sorvete vem embalado para você comer no palito, geralmente de madeira.
Até que uma famosa sorveteria, rede já estruturada, com público frequente, resolveu apostar justamente no prosaico picolé. E lá estou eu no shopping quando vejo uma movimentação intensa de pessoas em volta de um espaço pequeno, mas bonito, de estilo clean e acolhedor, atendentes simpáticos, crianças puxando seus pais e adolescentes falando alto sobre qual sabor escolher.
Diante da aglomeração, logo pensei: “Será que a sorveteria bacaninha aqui resolveu lançar a ‘Paleta mexicana 2 – A missão’?”. Qual não foi minha surpresa quando vi o cardápio repleto de sabores incrementados de picolés, cheios de toppings (novidade), quase como se pudéssemos personalizar o sorvete. O mais curioso, o velho picolé, devidamente repaginado, veio empratado. Ok, o “prato” é uma caixinha colorida, bonita, de papel, em que o palito fica encaixado. Alguns poderão dizer que se trata de um berço. Seja lá o que for, a base é necessária para que o picolé possa receber coberturas diversas que se derramam pelo espaço.
Recebo meu picolé empratado, curioso e realmente com vontade de apreciar a guloseima. A coisa toda ficou bonita para os olhos e atiçou o paladar. Até porque foi (é) legal ver as colaboradoras se dedicarem a montar cada picolé com apetrechos e combinações diversas, de tal forma que a grande maioria difere entre si.
O toque final da jornada foi o que a atendente me falou, ao me dar o picolé empratado: “tenha uma ótima experiência”.
Devorei a peça em torno do palito, que ainda foi útil para comer a cobertura que se espalhou no “prato” (berço?). Foi uma… experiência, de fato! O picolé repaginado, servido na horizontal, depositado na caixinha, foi uma ideia que falou aos sentidos, aos olhos, ao tato e ao paladar. Claro, fiquei pensando de quem teria sido a ideia de ir tão a fundo na experiência de se degustar um picolé. Vamos lá: é uma loja exclusiva de picolés da sorveteria bacana, aberta depois de fazer um teste num quiosque em Ipanema, no Rio de Janeiro. Isso foi coisa da mente humana ou de um bate-papo com aquela IA que todo mundo fala mas nem todo mundo usa com sabedoria?
PUBLICIDADE
PUBLICIDADE
Nessa aventura, diante da capacidade de repensar o prosaico picolé, comecei a me questionar: Quantos bots seriam necessários para criar o picolé empratado? Seria a IA generativa capaz de reimaginar, abstrair e propor uma inovação em picolé? Corri para a dita IA (você sabe qual é) e a resposta foi: “É possível inovar em sabores, ingredientes, apresentação e texturas. Sabores de picolés de ervas e especiarias, combinações doces e salgadas, sabores funcionais. É possível oferecer camadas e recheios, crostas de granola e nuts, apresentar os picolés em forma de coração ou estrela com camadas de cores, interativos (que mudam de cor conforme derretem) ou inspirados em coquetéis e até mesmo focar ingredientes naturais e orgânicos.”
Certo, a IA trouxe boas ideias, mas simplesmente não conseguiu (ainda) abstrair a ideia geral do picolé do jeito que a sorveteria bacana conseguiu. Talvez, com mais treino e mais inputs, a Inteligência Artificial apresente ideias tão curiosas e, no caso, dentro – ou fora – da caixa (do berço, do prato) para o picolé.
Ainda é cedo para afirmar que o novo picolé será um sucesso permanente. Nem sempre um sucesso rápido e esfuziante se traduz em receita permanente. Ao contrário, a história dos negócios mostra que, quanto mais rápida a ascensão, mais veloz a queda (e as paletas mexicanas estão para assombrar os empreendedores impacientes). Ainda assim, nesses tempos de experiências repetitivas e de monotonia sonolenta na paisagem varejista, foi arrebatador experimentar o picolé empratado.
Logo, bots e IAs à parte, é bonito ver a criatividade humana tentando repensar o básico e trazer uma forma nova de consumir um dos alimentos mais comuns que existem, com uma nova jornada, um novo conceito e um bocado de ousadia e atrevimento – o tipo de manifestação “super-humana” que desafia o senso comum e que nos coloca ainda acima das Inteligências Artificiais.
É válido ponderar, no entanto, que a mesma IA, ainda aparentemente incapaz de reinventar tão radicalmente o picolé, pode ajudar a defender e a avalizar uma ideia inovadora, porque ela pode avalizar decisões de investimento em inovação, ao estruturar dados e ao fornecer insights em uma velocidade incalculável. E isso tem um valor espetacular quando aplicado ao nosso ainda saudável talento criativo.
Agora, enquanto vivemos a revolução da IA aplicada ao CX, temos ainda mais condições de recriar a experiência do cliente e a própria experiência humana. Mãos e bytes à obra. Para inspirar, o picolé empratado ao seu gosto. E, para celebrar cada inovação, um “bacio”.
Compartilhe essa noticia:
Recomendadas
+ CONTEÚDO DA REVISTA
Rua Ceará, 62 – CEP 01243-010 – Higienópolis – São Paulo – 11 3125 2244