A motivação por trás da autenticidade
- Por Graziela Di Giorgi
- 6 min leitura
Nem seriam necessárias as descobertas da economia comportamental para provar que nem sempre fazemos o que falamos. Sabemos que isso é verdade pela nossa própria experiência, ao lidar com nós mesmos e com os outros. A coesão entre o que se faz e o que se diz se chama autenticidade. Se é difícil para as pessoas, não é menos difícil para as empresas, feita por – e para – pessoas.
Autenticidade empresarial refere-se à capacidade de uma empresa operar de maneira genuína, transparente e consistente com seus valores fundamentais. É o alinhamento entre o que a empresa diz e o que ela faz, praticando o que se prega e criando uma congruência percebida tanto internamente, pelos colaboradores, quanto externamente, pelos clientes e parceiros e pela sociedade em geral.
Há uma falta de autenticidade generalizada, levando a um cenário pasteurizado de marcas que não se diferenciam pelo medo de fazerem algo que impacte (negativamente) sua imagem. Esta insegurança faz com que haja um padrão de comportamento apoiado no que o outro está fazendo. No entanto, se pensarmos em marcas como pessoas, é evidente que, se condicionarmos as nossas ações em como os outros vão reagir, perderemos a oportunidade de expressar quem realmente somos e de criar diferenciação.
Para sair do medo e criar espaço para a coragem, talvez falte um passo anterior. Mais importante do que aquilo que a empresa vende é o porquê de ela fazer o que faz. Ter esta motivação clara e alinhada entre todos facilita as decisões e possibilita expressá-las em suas ações. E aí entra a possibilidade de diferenciação, já que o que move cada empresa é diferente, mesmo dentro do mesmo setor.
Graziela Di Giorgi,
fundadora da Human/Rise e autora do livro Efeito Iguana
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A construção da autenticidade
Cito dois exemplos de empresas brasileiras que se destacam pelo compromisso em fazer aquilo que acreditam, o que as move adiante. A Native e a Dengo, duas marcas exemplares pela consistência entre discurso e prática, que se refletem em suas ações e em seus valores.
A Native nasce de um propósito de impacto positivo, que se expressa na criação de produtos que não apenas atendem às expectativas de qualidade dos consumidores (o que vende), mas em como estes produtos são feitos, ligado à sua transparência em relação à origem dos ingredientes genuínos e às práticas de produção responsáveis. Mas, o que move a Native?
Quando Leontino Balbo Júnior, vice-presidente da Native, começou na empresa em 1984, recém-formado em Agronomia, ele achou um absurdo o processo de queima da cana-de-açúcar. Pediu, então, ao pai e aos tios que ele pudesse desenvolver uma máquina para colher a cana sem a queima. Sua obstinação o levou a desenvolver a máquina em apenas três anos. O próximo passo era substituir o adubo químico. Mas, de onde vem essa obstinação? Da sua própria motivação, da vontade de proteger a natureza.
A crença que um modelo de negócio mais sustentável não era só possível, como necessário, levou a empresa a mudar o próprio processo de cultivo, transformando o ecossistema através do desenvolvimento da agricultura orgânica regenerativa. Fazer esta transição não foi fácil, mas permitiu que os produtos desenvolvidos pela Native oferecessem valor não apenas aos consumidores, mas ao planeta e aos pequenos produtores.
Talvez uma ótima tradução de autenticidade seja o que o próprio Leontino defende sobre o seu marketing: “A Native pratica o marketing realista, não o marketing associativo. Nós não associamos uma dimensão boa da existência humana com o nosso produto, mas a realidade.”
Lealdade ao propósito
Outro destaque é a Dengo, que tem entre seus pilares a valorização da cultura local e a promoção de uma alimentação mais saudável e de um consumo mais consciente. Com apenas sete anos no mercado brasileiro, a trajetória da empresa tem sido marcada pela superação dos desafios inerentes às escolhas dos negócios de impacto social.
Exemplo prático disso é a crença dos fundadores na produção de um chocolate com aproximadamente 30% de açúcar, visando promover a saúde das pessoas – tanto que a marca não faz promoções para evitar o excesso. Além disso, a opção a granel é o formato de venda de mais da metade do chocolate quebra-quebra, reduzindo, assim, o plástico.
Como forma de assegurar uma renda digna para os produtores de cacau, a Dengo paga, em média, o dobro do preço do cacau commodity. Isso permite que os produtores tenham uma renda justa, já que o chocolate produzido com métodos como o Cabruca possui maior qualidade.
Mas, você pode pensar: estas são empresas cujos fundadores estão lá no dia a dia, que dão vida a esta motivação. O desafio é maior quando isso não acontece.
Esta questão eu mesma me perguntei enquanto escrevia, e foi quando me lembrei da Mattel. Na última edição do Festival Cannes Lions 2024, a qual tive a oportunidade de cobrir para a Consumidor Moderno, conheci melhor a visão do Chairman e CEO da companhia. Apesar de ter entrado na empresa enquanto ela vivia perdas financeiras significativas, a visão do Ynon Kreiz foi a de gerar valor.
O propósito da empresa é o de infundir relevância cultural em tudo o que faz. De uma forma mais concreta, é transformar os brinquedos atemporais em atuais – o que só é possível conectando-se com a cultura e a sociedade real. Esta é a motivação para assumir o risco de expressar o seu propósito na autocrítica do filme Barbie, por exemplo.
Voltando ao Leontino: “O mundo precisa sair do compromisso e partir para a ação. Chega de agenda. É preciso agir, fazer.”, indo, portanto, além da própria definição de autenticidade, do início deste texto.
O que move a sua empresa?
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