O primeiro dia de Retail Summit, evento do Grupo Padrão que ocorre na Cidade do Panamá, destacou a importância de não só colocar o consumidor como foco principal no varejo, mas compreender a cultura para criar conexões com ele. A escolha do Panamá para sediar o evento não foi por acaso: as características econômicas e culturais são marcantes e influenciam no comércio ao redor do mundo.
Roberto Meir, CEO do Grupo Padrão, deu início às atividades do dia pontuando que, no varejo, existe a máxima de que, todo negócio começa e termina no consumidor. “É uma satisfação fantástica estar com vocês aqui, em mais um Retail Summit. O nosso grupo tem se especializado muito nessas imersões de conteúdo, para realmente contribuir com o desenvolvimento profissional de todos e para trazer pílulas de conteúdo fora da caixa”, comenta.
E o que esses profissionais têm em comum é o desafio diário de “levantar-se do chão” em um cenário de desafios como: margens estreitas, juros altos, renda do consumidor, sistema tributário, vendas no digital, bets, entre outros. Como afirma Jacques Meir, diretor-executivo de conhecimento do Grupo Padrão, “ser varejista no Brasil é um desafio permanente e constante”.
Isso se agrava quando novos players e comportamentos surgem para alterar todo o mercado, como o surgimento das bets que diminuíram a renda disponível para o consumo. Jacques ressalta ainda que, por um motivo de renda curta, o consumidor brasileiro é imediatista. Por isso, ele compra parcelado, mesmo diante da incerteza se irá pagar os 12 meses da parcela. Porém, vale comprar, porque no período das parcelas o valor dos produtos aumenta. “O consumidor é sensível a preço, porque sabe que a vida é cheia de desafios”, acrescenta.
Com um consumidor exigente na experiência e sem poder errar na compra – porque o dinheiro é curto –, os varejistas não podem permitir a sensação de erro. E mais, precisam entregar autenticidade e refúgio no consumo, porque isso significa um escape do dia a dia. É aí que entra a antropologia, para que possamos entender a cultura de consumo que envolve o brasileiro.
Mindset antropológico no varejo
Novos players têm surgido constantemente no mercado. Diante disso, a mensagem é que o mundo está em um processo intenso de transformação. “Nesse processo, para liderar empresas, é necessário criar produtos e serviços que estejam dentro do tempo”, frisa o antropólogo e palestrante do Retail Summit Michel Alcoforado. Ele reforça ainda que o produto só faz sentido se resolver o problema do consumidor.
Nesse mundo, qualquer história pode ser uma oportunidade para entender o espírito do tempo da cultura e gerar renovação nos negócios. Assim, tanto do ponto de vista do consumidor como das marcas, cria-se a chance de gerar o estranhamento para inovar. Porém, de acordo com Michel, falta isso nas organizações.
“É importante ter esse olhar dentro dos negócios. Quando você não estranha o que é fundamental para o seu negócio, acaba se acomodando e não olhando para o consumidor”, reforça.
Ainda nesse cenário, é necessário, segundo o antropólogo, observar o consumo do ponto de vista de analisar o porquê da compra, e não apenas os produtos consumidos. Assim, ele frisa a importância de criar produtos para os extremos das faixas de renda do Brasil, e esse é o desafio. De novo: o estranhamento é o ponto fundamental, porque dele surge a oportunidade de reinventar os negócios.
Por que as pessoas fazem o que fazem?
Uma pergunta deve permear o mundo dos negócios: por quê? Enquanto existe um porquê que sustenta o comportamento, a vida continua. Mas quando surgem outros motivos, a chance de mudança acontece. Na vida – e nos negócios – essa resposta é uma oportunidade de mudança. “Não é sobre o quanto as pessoas gastam, mas por que elas gastam. Quando entendemos isso, reinventamos os negócios. É a compreensão do porquê que muda qualquer negócio”, pontua Michel.
Diante disso, toda vez que o consumidor demonstra uma insatisfação, é possível olhar para o negócio e se perguntar o “por quê”. Assim, a empresa pode se dar conta de uma dimensão da possibilidade de reinvenção. Além disso, essa interrogação é fundamental também para reinventar a cultura de uma empresa e qual a lente que ela usa para enxergar o mundo. Porém, vale entender que a lente do consumidor é diferente da ótica das empresas.
Ainda de acordo com Alcoforado, o consumo tem um papel de estabelecimento de vínculo com os outros. Porém, segundo ele, hoje em dia a marca não tem que colocar só o consumidor no centro, mas também a cultura. Para isso, as companhias devem virar especialistas em cultura. Diante disso, dentro das organizações é necessário que todos estejam atentos ao sinal do tempo para não perder a mão do negócio.
O antropólogo pontua ainda que os consumidores, de acordo com a geração que fazem parte, se comportam e enxergam as coisas de forma diferente. Isso acontece também com as classes sociais. Diante disso, as empresas precisam se adaptar aos mais diversos cenários.
Nesse sentido, é importante deixar de pensar apenas na empatia e pensar na alteridade, porque o outro pensa e age diferente de você. É necessário entender esse ponto sem julgar as razões e motivações dessa diferença e tentar se imaginar no lugar dessa outra pessoa. “Precisa entender quais dilemas o outro vive na hora que vive a vida dele. Isso você faz estando atento à vida do outro e aos porquês”, pontua Michel.
Outro ponto importante para as marcas estarem atentas é entender que o problema de negócios é diferente do problema de pesquisa. Nesse processo todo, é necessário se dar conta de entender o contexto do consumidor. Além disso, as empresas precisam compreender que, sempre ao apresentar um produto, é importante pensar no contexto. Ou seja: a ocasião de uso. “Nosso papel fundamental é dar a oportunidade de fazer o consumidor sonhar”, pontua Michel.
Marina Roale, sócia do Grupo Consumoteca, ressalta que o desafio dos negócios hoje é olhar para os movimentos globais, para os movimentos locais e olhar para as novas tecnologias. Porém, nada disso chega em tomada de decisão se não colocarmos a cultura na mesa.
“Às vezes, não pensamos nos nossos porquês. Quando temos eles claros, conseguimos ter mais clareza nesse mercado que é tão ansioso”, finaliza Marina.