Há cinco anos, a Consumidor Moderno, em parceria com a DOM Strategy Partners, uma das mais brilhantes consultorias de gestão do país, publica o estudo Mais Valor Produzido (MVP) – uma elegante régua de gestão que resume, em uma matriz, todas as fontes potenciais de proteção e geração de valor.
Uma boa forma de ilustrar esse conceito é verificar por que uma montadora criada há poucos anos, como a Tesla, vendendo poucas dezenas de milhares de unidades/ano, supera o valor de mercado da centenária General Motors (GM), que fabrica 10 milhões de veículos anualmente e fatura muitas vezes mais. O fato inequívoco é que, nesses tempos regidos pela digitalização, aceleração, mudança frequente e erosão da fidelidade dos consumidores, os parâmetros para avaliar a qualidade de uma empresa – e de sua gestão – extrapolam os resultados financeiros.
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A Tesla, criada por um empreendedor serial, Elon Musk, uma nova lenda do Vale do Silício, que também esteve por trás da criação do Twitter e hoje ainda é a mente que comanda a Space X – que promete levar pessoas comuns a passearem no espaço em segurança – é uma empresa sintonizada com os novos tempos. Ela definitivamente não precisa vender tantos quanto a GM, ou girar tanto dinheiro quanto a GM mas, antes, oferece uma nova concepção de automóvel, baseado em energia limpa, elétrica, com design impecável, tecnologia embarcada de ponta, e pesquisas avançadas na direção de um produto autônomo, que possa dispensar o uso do motorista.
Assim, quando submetemos a Tesla à matriz que orienta o MVP, vemos que ela se destaca em diversos direcionadores de valor: causas e bandeiras, share of heart, conhecimento, tecnologia, inovação, centralidade no cliente. Seu negócio foi construído já pensando em como entregar algo além de retorno aos acionistas e bons produtos para os consumidores.
A Tesla é uma empresa que se dedica a entregar valor. E este valor é percebido pelos clientes, acionistas, público interno e pela sociedade e se expande do presente para um futuro no qual todas as montadoras precisarão ser mais ou menos como ela. O mercado enxerga um futuro no qual o negócio de automóveis será baseado em competidores como a Tesla e não como a GM, a Ford ou a Toyota.
Em resumo, a Tesla propôs uma nova forma de fazer e competir. Essa maneira de atuar é que torna cada empresa particular, uma tecnologia em si. Empresas são tecnologias na essência. E é por isso que a equação de valor faz sentido no contexto atual, por que tecnologias não são feitas apenas dos resultados que elas geram, mas incorporam elementos que permitam a ela se desenvolver – competências, conhecimento, técnicas, processos, metodologias.
Reputação vs. Performance
À luz do MVP, o propósito, a missão, a visão e o modelo de negócios de uma empresa tornam-se claros e fazem sentido. Há empresas que sustentam sua força e expressão baseadas na própria Reputação – na química que combina a construção laboriosa e cuidadosa da credibilidade e da imagem – e pautam sua atuação observando quase religiosamente seu propósito.
Isso explica porque a Natura, reconhecidamente uma empresa com elevados princípios éticos e sustentáveis, não cederia à tentação de modificar sistemas de produção apenas para buscar reduzir custos de embalagem, por exemplo. Seu mindset impõe limites naquilo que ela pode fazer para ganhar dinheiro. E é o que explica o sentido da aquisição da operação global da The Body Shop, empresa multinacional de cosméticos que estava em poder da L’Oréal, onde, por seus valores sustentáveis, era uma estranha no ninho.
Por outro lado, empresas como a AmBev são agressivamente empenhadas em buscar entregar resultados baseadas em Performance. Resultados de venda, eficiência, produtividade, obsessão pelos cortes de custos, gestão espartana, são competências que condicionam sua atuação no rumo da entrega de resultados a cada trimestre. Performance é seu jogo e seu princípio. E não há nada de errado com isso, desde que não ignore que a entrega de valor tem como base o equilíbrio entre a capacidade de competir e de performar, inovar e evoluir, com a busca incessante de proteger e construir sua reputação.
Performar descuidando da credibilidade não funciona, assim como preservar tão somente a própria imagem sem buscar crescimento saudável e geração de caixa leva uma empresa à estagnação.
O intangível muda o jogo
Proteger e gerar valor. Essas são as novas regras do jogo competitivo. E a noção de adição de valor está intimamente relacionada à gestão de ativos intangíveis – ou seja, recursos, habilidades e competências que impulsionam o modo de fazer de cada empresa – e como eles se combinam para produzir os resultados esperados ou projetados.
Simplificando: posicionamento corporativo, representatividade, modernidade digital, multicanalidade, qualidade de serviços, solidez, visão de mercado, aceleração, consistência, modelo de expansão, criatividade, são direcionadores de valor que espelham ativos intangíveis. Empresas espetaculares são aquelas que conseguem gerenciar e extrair o máximo desses ativos, endereçando processos, investimentos, pessoas, habilidades na busca por objetivos e metas ambiciosas, continuamente.
Quando falamos de competências, capacidade de inovação, criatividade, conhecimento acumulado, aderência e imersão em cultura digital, sustentabilidade, não estamos enfocando quanto a empresa vende, seus investimentos, seu EBITDA, sua margem e depreciação ou apreciação. Estamos, na verdade, procurando entender o que permite a ela buscar, atingir, superar e ambicionar resultados cada vez mais significativos. Sem compreender a dinâmica dos intangíveis no negócio, face à complexidade do ambiente corporativo hoje em dia, a empresa tem um encontro marcado com a obsolescência e com a irrelevância.
O que prevalece é a consistência
Jim Collins, guru de milhares de executivos no mundo todo, escreveu obras célebres nas quais sinaliza características, práticas e atitudes que fazem empresas “especiais” – Feitas para Vencer e Feitas para Durar (títulos de seus livros mais célebres). O problema é que nenhuma dessas obras responde convenientemente à seguinte questão: o que realmente permite à uma empresa superar o teste do tempo e da evolução que os negócios precisam apresentar face a forças transformadoras – comportamento geracional, hábitos, tecnologias, competidores, disrupções, vetores culturais, regulações, crises financeiras?
O MVP, contudo, ao oferecer uma régua de gestão, permite a uma empresa compreender onde exatamente residem suas forças, fraquezas e como a dinâmica de fatores internos e externos influencia na Performance e na Reputação. É justamente no equilíbrio e no balanço dos diversos direcionadores de valor que uma empresa consegue enfrentar os desafios adiante.
O estudo reconhece a capacidade de empresas serem consistentes na gestão da sua proteção e geração de valor. Ao contrário de atributos voláteis e quase subjetivos dos livros de Collins, o MVP consolida as competências que cada empresa deve intensificar para garantir sua perenidade e coloca a equação da centralidade no cliente como eixo estratégico de modo claro, evidente e eficaz.
Segmentos de valor
Não por acaso, ao longo de cinco anos de estudo, não surpreende ver as empresas Itaú Unibanco e Bradesco como presenças constantes em todos os desdobramentos e rankings do MVP: sempre no Top 5 do ranking geral; sempre ora um, ora outro, liderando o segmento bancos; sempre no Top 10 dos rankings de Reputação e de Performance.
Os bancos estão enfrentando a transformação digital e as diversas crises e movimentos de mercado com solidez, reputação, credibilidade, imensa capacidade competitiva e de inovação. Ao lado do segmento de bancos, o ponto fora da curva, fica por conta da impressionante recorrência da Whirlpool, notável pela força inovativa e proposta de valor.
Também é importante ressaltar a presença das empresas de bens de consumo como constantes. Da mesma forma, o MVP já aponta que as empresas de serviços digitais, Google, Netflix, 99 e outras à frente, serão as protagonistas no futuro próximo, trazendo um novo panorama para fustigar empresas tradicionais.
As empresas que se destacam no MVP são aquelas que se dedicam a gerar valor, mais do que simplesmente registrar números charmosos em seu balanço. A grande aventura corporativa do mercado brasileiro passa justamente pela reconfiguração do que significa entregar resultados e crescer de modo sustentado em um mercado machucado pela recessão e por crises derivadas de relações indecentes entre governos e empresas.
Quanto mais nossas empresas se dedicarem a entregar valor para seus diversos públicos, mais avançado, justo, inovador e competente será o ambiente competitivo. Entender e absorver o conhecimento do estudo Mais Valor Produzido é olhar para muito além do azul do balanço e enxergar o horizonte no qual a gestão de uma empresa seja avaliada de forma mais madura, sistemática e coerente.