Foi por esses dias que o pacato Shopping Vila Olímpia, situado em uma região de escritórios de empresas como consultorias e fintechs, e que sofreu com a perda de clientes para o Home Office, viu uma multidão furiosa e ansiosa para aproveitar as ofertas de uma loja pop up, temporária, da Shein.
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Foi um desses momentos em que repensamos a ideia de respeito ao cliente, e entre clientes, nessa era digital. No primeiro dia da curtíssima temporada (5 dias) da Shein no ambiente físico, mais de 7 mil pessoas disputaram cada palmo de espaço para tentar acessar a loja da bargain store chinesa.
O que explica uma loja temporária de uma varejista online de moda chinesa, que ganhou evidência há pouco tempo criar tamanho alvoroço e ansiedade, em plena Era Digital?
A Shein se enquadra em um grupo de empresas alinhada às expectativas da Geração Z, pois vende moda instagramável por meio de um app descolado, inteligente, com traços de gamificação e uma logística absurdamente azeitada. Faz bonito na comunicação em redes sociais e em portais, com direcionamento preciso, esmero no uso de dados e o melhor: preços irrealmente baixos.
Já comentei em outro artigo se a Shein não seria a versão digital da Forever 21, que também provocou frisson quando chegou ao Brasil e hoje está descansando em paz no cemitério corporativo.
O tempo vai dizer, mas agora vale a pena entender o fenômeno na ótica do Respeito ao Cliente customizado para a Era Digital. E customizado aqui é ideia central.
Afinal, a Shein, como disse, usa dados de forma precisa e consegue endereçar moda com apelo irresistível para seus clientes da Geração Z.
Quando falamos nessa geração, devemos considerar que se trata de consumidores caçadores de ofertas, que buscam conveniência e se importam menos com o status e mais com a praticidade e o sentido.
O consumo para eles passa uma mensagem de autoexpressão e frugalidade. Já mostramos que esse cliente “Z” tem senso de comunidade, usa o TikTok como mecanismo de pesquisa, gosta de conteúdos rápidos e tem poder de consumo global da ordem de US$ 4,5 trilhões. Mais importante, é um cliente influente, que domina a narrativa e cria ondas de informação de grande força e amplitude.
A Shein está plenamente alinhada com as características da Vida Digital que está se formando e já experimentando mutações em série.
Em pouco mais de cinco anos, quando olhamos a paisagem do varejo, vimos a operação phygital, Voice Commerce, Social Commerce, Conversational Commerce e Live Commerce. Expressões de conceitos e tentativas de emplacar formatos de venda que façam sentido para consumidores que estão experimentando novas ideias e modelos de consumo.
O Respeito ao Cliente, nessa ótica, se estrutura sobre a capacidade de uma empresa ser veloz, resolutiva, com foco na hiper-personalização e na própria experiência omnicanal. Claro ainda temos lojas “convencionais”, onde um dono abnegado e uma variedade esperta destinada ao público da vizinhança ainda têm relativo espaço. Mas mesmo esse pequeno comércio ensaia sua jornada digital, via WhatsApp ou adesão a um marketplace. Porque ela sente que ganha mais competitividade se tiver alguma extensão digital. Eventualmente, a lojinha arrisca até um canal legal no Instagram ou no TikTok.
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A consequência dessa migração de lógica é que os parâmetros de serviço “premium” estão sendo atualizados e dispensando recursos antigos como programas de pontuação (cashback é muito melhor!), o sorriso calculado da pessoa em busca de comissão (autosserviço é mais rápido e não me obriga a ficar recebendo dicas que não quero) e o presentinho repetido (que os clientes mais endinheirados já receberam uma dúzia de vezes).
Por isso, Empresa que Respeita o Cliente será cada vez mais aquela disponível no canal e na hora que o cliente quiser, com expertise em ciência de dados para oferecer a oferta certa no momento certo e que realmente conhece esse cliente.
KitKat, por exemplo, foi citado de modo entusiasmado pela Geração Z no Estudo “Empresas que mais Respeitam o Consumidor 2022”, iniciativa desta plataforma Consumidor Moderno, coordenada pela CX Brain e Opinion Box.
Basta ver as unidades “Chocolatory” espalhadas nos shoppings e a incrível variedade e diversidade de sabores do simpático chocolate da centenária Nestlé. Não há propaganda aqui, apenas vocação para o diálogo, diversidade, força inovadora incremental e capacidade de personalização para oferecer um KitKat ideal para cada consumidor.
KitKat entrou na sintonia da Shein ao trazer para o mundo físico um conjunto de significados presentes em meios virtuais ou intangíveis. Ambas as marcas exploraram territórios de informação que as conectem com os donos da narrativa para ganhar relevância.
É difícil, muito difícil, acompanhar mudanças tão bruscas de padrão e compreensão do que faz sentido para clientes em sua Vida Digital. Por mais que o Brasil apresente evidentes lacunas no acesso digital dos cidadãos, inclusive com deficiências de letramento e formação, a linguagem dos bits e o caráter exponencializador do digital se tornam onipresentes. Estão aí o PIX e os cartões de acesso aos programas de benefício dos governos para comprovar essa tese.
Alguns mais nostálgicos poderão olhar com desgosto para empresas que removeram de sua estratégia o “estilo VIP” associado ao consumo de alto padrão. O fato é que essa “frugalização” do consumo veio para ficar e ganhar terreno, sendo incorporada como elemento de Respeito de uma empresa pelo seu cliente. O acordo tácito deixou de ser “qualidade superior” e “atendimento bajulador” para ser “rápido e compensador”. Se você pensou nos tênis com aparência surrada da Golden Goose e nas extravagâncias da Balenciaga com seu estilo “trash”, acertou.
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O que vimos da Shein no Shopping Vila Olímpia foi a transposição de uma rede orquestrada comum no ambiente digital para os corredores estreitos de um centro comercial. Um modelo de negócio que salta do digital para provocar um tsunami no mundo real.
E não vai ficar por aí. Logo mais veremos histórias semelhantes não só nos shoppings e ruas da vida real, mas também nos metaversos e negócios que vão nascer com a Web3. Respeitar o cliente agora é ter muito respeito pelo poder avassalador da linguagem digital.
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A difícil arte (e a menosprezada ciência) de respeitar o cliente