A regulação nas relações de consumo visa equilibrar os direitos e deveres de ambas as partes, garantindo transparência e justiça nas negociações. Para os consumidores, a regulação assegura segurança ao adquirir produtos e serviços, evitando abusos e práticas comerciais desleais. Já para as empresas, o cumprimento das regulamentações é essencial para manter a confiança do público, fortalecendo a reputação e a sustentabilidade do negócio. Ademais, a regulação também promove a competitividade no mercado, incentivando a inovação e a qualidade dos produtos e serviços oferecidos aos consumidores. O que gera benefícios para todos.
Contudo, nem tudo são flores nesse cenário. Pelo contrário. Um dos espinhos diz respeito à falta de transparência de informações por parte dos órgãos reguladores, o que pode confundir empresas e consumidores, resultando em decisões prejudiciais. Afinal, a regulação deve garantir a clareza e veracidade das informações fornecidas, mas como manter esse equilíbrio em um mercado volátil, que não para de mudar?
Seminário de relações de consumo
Para tratar o tema com profundidade, o Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional (IBRAC) promoveu o 22º Seminário das Relações de Consumo, onde foi abordado o assunto “Regulação de novos negócios: a compatibilização entre inovação e a proteção do consumidor”.
Esse painel contou com os palestrantes: Alexandre Freire, conselheiro diretor da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel); Marília de Ávila e Silva Sampaio, juíza titular da 2ª Turma Recursal do TJDFT e professora da Escola da Magistratura e do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP); e Vitor Hugo do Amaral Ferreira, Diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, do Ministério da Justiça e Segurança Pública. A atividade foi mediada por Thais Matallo Cordeiro Gomes, especialista em relações consumeristas do Machado Meyer Advogados.
Em sua explanação, Thais Matallo ressaltou que o assunto, por si só, demanda uma responsabilidade gigantesca para ser debatido porque envolve, em primeiro lugar, questões complexas. E mais: essas lacunas devem ser cuidadosamente ponderadas para garantir um ambiente de negócios saudável e justo. “A Comissão do IBRAC foi muito feliz em escolher essa temática, porque muito do que foi tratado no primeiro painel abordou assuntos que aprofundaremos agora. Entre eles, a pergunta ‘como nós, diante da urgência de mudança dos novos negócios, extremamente impactados pelas tecnologias, devemos trabalhar a regulação?’”, declarou Matallo.
Em seguida, Thais direcionou seu primeiro questionamento ao Dr. Alexandre Freire sobre a participação da sociedade no que tange à abertura de consultas públicas para que players possam se manifestar. “Mas, quando nós falamos de novos negócios, há possibilidade de equilibrar a urgência e necessidade de uma regulação rápida e adequada?”, questionou a especialista em direitos do consumidor.
Passado – Presente – Futuro
Alexandre, presidente do Conselho Superior do Centro de Altos Estudos em Comunicação Digital e Inovação Tecnológica, ressaltou a necessidade, e ao mesmo tempo a complexidade, da participação nos processos regulatórios com a eficiência da regulação. Isso porque, muitas das vezes, em suas palavras, há uma defasagem de ideias que foram concebidas anos atrás. Por isso, agora, o trabalho, dentro da Agência, está focado no experimentalismo. “Para o desenvolvimento, e nesse aspecto entra o tema regulatório, há necessidade da conjugação de duas categorias importantes. A primeira delas é ousadia; e a segunda é imaginação. Ou seja, é necessário que tenhamos a ousadia de inovar e com uma certa dose de imaginação para isso”.
Então, para mediar o tempo do processo, sem perder a qualidade da ação, e também sem deixar de lado o que requer a inovação, é necessário primeiramente conceder a permissão para um debate vivo na autarquia. “Só para exemplificar, a atualização do regulamento de segurança das telecomunicações, que tem um impacto muito grande em matéria de consumo, chegou ao Conselho Diretor com um ano de tramitação. Ou seja, os termos estavam ultrapassados. Havia necessidade de falarmos sobre datacenters, cabos submarinos etc. Então, nós tivemos que fazer novos debates sobre o assunto. Depois, veio a atualização, a qual tem que garantir a segurança jurídica e estabilidade, sem causar surpresas ao setor de telecomunicações”.
Autorregulação das Telecomunicações
Na oportunidade, Alexandre também falou a respeito do Sistema de Autorregulação das Telecomunicações (SART), um conjunto de princípios, instrumentos, regras, estruturas organizacionais, mecanismos de deliberação e procedimentos de autodisciplina que visam permitir uma regulação efetiva do setor de telecomunicações.
É importante destacar que a autorregulação foi expressamente prevista no Decreto de Políticas Públicas de Telecomunicações como política a ser incentivada pela Anatel.
Em média, um novo regulamento na Anatel, ou mesmo a revisão de algum regulamento já existente, leva dois anos para ser concluído. O processo de construção de um novo regulamento é custoso, lento e muitas vezes não contempla os impactos financeiros e operacionais das regras regulatórias sobre as empresas.
Sandbox regulatório
Outro tema destacado por Alexandre foi o sandbox regulatório, ambiente regulatório experimental que viabiliza, por tempo determinado e de forma controlada, a dispensa de requisitos regulatórios para a experimentação de modelos de negócios inovadores. No caso por ele exemplificado, o sandbox focava em repetidores e reforçadores de sinais para municípios em que haja falta de conectividade. “Nesse caso, nós estamos levando conectividade através de um modelo experimental. Isso, se fosse feito por meio de um processo regulatório comum, só seria aprovado daqui a dois, três anos”.
Freire ainda abordou os desafios enfrentados pelas agências reguladoras na era digital, destacando a importância do timing adequado na regulação devido à defasagem entre o desenvolvimento e implementação de normas. Ele mencionou a lentidão dos procedimentos regulatórios, levando à obsolescência das normas antes da aplicação. Para enfrentar esse desafio, ele ressaltou a importância não somente dos sandbox regulatório para experimentação regulatória, mas também a possibilidade de mais conectividade em áreas remotas.
Além disso, destacou a necessidade de uma abordagem regulatória baseada em diálogo e evidências, incluindo a autorregulação e a corregulação para promover a inovação e proteger os consumidores.
Nudge.lab
Na oportunidade, Freire ainda anunciou a criação do Nudge.lab para estudar as ciências comportamentais no setor de telecomunicações visando melhorar as relações entre consumidores e fornecedores através de parcerias para promover políticas públicas mais eficazes.
O Nudge.lab, integrante do Centro de Altos Estudos em Comunicações Digitais e Inovações Tecnológicas (Ceadi), é um grupo de pesquisa focado no estudo das ciências comportamentais dentro do setor de telecomunicações. “O potencial das ciências comportamentais é vasto, especialmente para melhorar as interações entre consumidores e fornecedores”, afirmou o representante. O Nudge.lab pretende estabelecer parcerias com instituições de destaque no Brasil e no exterior, visando fomentar a geração de conhecimento e a implementação de políticas públicas mais eficientes.
Preocupação
Portanto, está claro que há uma preocupação das Agências em tratar a regulação de uma forma profunda, principalmente diante das necessidades urgentes que existem. Mas, por outro lado, não é raro estar tratando de um tema empresarial que não há uma regulação sobre ele.
Nessa linha de pensamento, Vitor Hugo do Amaral Ferreira, Diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, garantiu que, independentemente dos problemas, o consumidor não pode ficar desamparado. Voltando à ideia de harmonização dos interesses, debatida no painel anterior, e descrita no artigo 4, inciso III do Código de Defesa do Consumidor (CDC), ele garantiu: “eu não posso falar de harmonização das relações de consumo sem a presença do consumidor ou do fornecedor. Agora, equalizar e chegar a esse equilíbrio é o nosso maior desafio, sem dúvidas. E há um obstáculo ainda maior que isso, que são os novos modelos de negócios que surgem, e negócios que já conhecemos, mas agora estão com métodos novos de serem realizados”.
Já a juíza Marília de Ávila e Silva Sampaio explicou que o fenômeno da judicialização é uma bola de neve. Para ela, regular é melhor do que deixar sem normatização, porém o desafio de regular são muitos. “Como regular, o que regular, com qual intensidade, o melhor tipo de regulação, isso é outra discussão, complexa, e requer um debate contínuo”.
Judicialização
Ela destacou ainda que, na tentativa de frear o excesso de judicialização, é imprescindível que haja normas claras e bem definidas para orientar as relações no âmbito jurídico e evitar conflitos que possam resultar em judicialização excessiva. A transparência e a previsibilidade são elementos-chave para garantir que as partes envolvidas possam resolver suas divergências de forma consensual, sem a necessidade de recorrer ao sistema judiciário. Ademais, vale destacar que a promoção de mecanismos alternativos de resolução de conflitos, como a mediação e a arbitragem, pode contribuir significativamente para a redução da sobrecarga do Poder Judiciário e a agilização dos processos legais.
Do ponto de vista das empresas, ficou claro no encontro que a regulamentação deve ser levada em consideração no desenvolvimento de estratégias e práticas empresariais. É essencial que as empresas estejam sempre atualizadas com as mudanças regulatórias e normativas a fim de garantir a conformidade e a sustentabilidade dos negócios. Além disso, a transparência e a ética devem ser valores fundamentais em todos os processos e decisões corporativas. A busca constante por inovação e a adaptação às novas exigências do mercado são essenciais para o sucesso e a competitividade das organizações atualmente.
Encerramento do evento
O encerramento do encontro foi feito por Fabíola Meira de Almeida Breseghello, diretora do Comitê de Relações de Consumo do IBRAC e Roberta Feiten, coordenadora Comitê de Relações de Consumo do IBRAC.
O encerramento do encontro foi feito por: Rene Medrado, presidente do IBRAC, Fabíola Meira de Almeida Breseghello, diretora do Comitê de Relações de Consumo do IBRAC e Roberta Feiten, coordenadora do Comitê de Relações de Consumo do IBRAC.
A partir da exposição de um breve vídeo com diversas notícias públicas e recentes sobre notificações de autoridades, autuações, aplicações de penalidades, comunicação entre autoridades, cooperação entre autoridades, tratando de assuntos bastante variados, conhecidos e importantes na vida dos consumidores e fornecedores, Roberta Feiten comentou a amplitude e a relevância do tema Regulação nas Relações de Consumo, escolhido para o evento.
Defesa do consumidor e agências reguladoras
Nesse sentido, são tantas as medidas envolvendo diversas autoridades de defesa do consumidor e agências reguladoras, assim como decisões judiciais decidindo a respeito dos atos ou normas das autoridades, envolvendo tanto negócios tradicionais como outros novos e disruptivos também afetados pela regulação, ou pela falta desta.
Em conclusão, a amplitude do tema e a importância do debate são evidentes, em especial para tratar dos desafios e oportunidades que o tema propõe, como o espaço para mais cooperação entre as diferentes autoridades, para mais diálogo, mais complementariedade entre as normas, de modo que se atinja uma eficiência maior, uma maior previsibilidade e segurança jurídica, acarretando em um mercado de consumo mais eficaz, protetivo e equilibrado.
Para saber mais sobre o primeiro painel, clique aqui e confira na íntegra.
*Fotos: IBRAC.