No último ano, os eventos de varejo pelo mundo se tornaram previsíveis. Antes de a luz do palco acender, é certo que os temas ?omnicanal? e ?experiência de compra? serão proferidos à exaustão. No World Retail Congress (WRC), que aconteceu este ano em Paris (o evento é rotativo pela Europa), não foi diferente, mas vamos aqui nos ater aos assuntos que se destacaram e passaram ao largo da dupla batida. Um deles foi trazido pelo malucão francês Jacques — Antoine Granjon, CEO do clube de ofertas on-line Vente-privee.com.
O ?malucão? não é à toa. Entre tantos executivos engravatados e perfeitamente penteados que se revezaram no palco, Granjon, com sua cabeleira de rock star, colar de contas e jeans surrado, chamaria fácil a atenção apenas pela aparência. Mas não é isso ainda. Ele iniciou seu discurso fazendo as maiores críticas à política (um esporte que o brasileiro conhece bem) do seu país, à falta de apoio do governo e ao apetite sem freios para os impostos ? com isso já ganhou a plateia. E focou seus minutos num assunto pouco comum de se ouvir em palestras por aí: ?O negócio pure play [operação pura, ou seja, tocada em apenas um canal de venda] acabou, agora o produto é quem dá as cartas”.
Continuou: ?O e-commerce é apenas mais um canal de distribuição, por isso não irá tomar o lugar da loja?. Seu ponto: antes um site na internet era apenas uma ferramenta para vender. Agora precisa ser uma marca, e com ela esgarçar as possibilidades fora da web. Usou como exemplo a Amazon (sempre ela). ?Após ganhar a confiança dos consumidores, criou um marketplace trazendo novos parceiros varejistas para seu portal e agora vende produtos com sua marca, ganhando de todos os lados. É uma marca fortíssima… Se tivesse uma loja, as pessoas certamente adorariam frequentar, elas esperam isso dela.? Sem usar esta palavra ? multicanal ?, ele deixou claro: quem atua apenas no varejo físico está perdendo oportunidade, e quem está apenas na web, também.
O site de Granjon funciona como um clube exclusivo ? o consumidor precisa se cadastrar para ter acesso às ofertas, itens de coleções passadas de grandes marcas. Seu modelo está focado em ofertas arrasadoras. Elas fazem o ?trabalho difícil?, disse. ?Quer se beneficiar da mágica da viralização na web? Faça ofertas incríveis e não gaste nada com marketing?, brincou.
SHOES OF PREY
A marca australiana de sapatos era um pureplayer de e-commerce até o ano passado quando inaugurou uma loja física no país. Se no site a consumidora podia personalizar seu sapato, na loja a mesma proposta foi oferecida, com a vantagem de ter os modelos expostos para experimentação. No WRC, o design da loja foi premiado e desbancou concorrentes como Karl Lagerfeld e Puma. A marca conta com 135 mil fãs no Facebook.
PRÊMIO PARA CACAU SHOW
Única empresa brasileira a subir ao palco do World Retail Awards (premiação do evento), a Cacau Show foi a vencedora na categoria varejista do Ano de Mercados e mergentes, composta por empresas que se destacam mundialmente pela originalidade, inovação e trajetória de sucesso empresarial ? o Grupo Pão de Açúcar já foi premiado nessa categoria. A empresa de Alexandre Costa (foto) concorreu com outras cinco de diferentes países: The MAP Group, da Indonésia; Max, dos Emirados Árabes Unidos; Mr Price Group, da África do Sul; Sefam, do Paquistão, e a brasileira Marisa. Em 25 anos, a Cacau Show se tornou a maior rede de chocolaterias do mundo com 1.440 lojas. A partir de setembro, a marca passou a fazer parte da holding Cacau Par, criada por Costa, e a deter o controle de 50,1% da rede Brigaderia.
Vida longa às lojas de departamentos.
O evento seguiu trazendo outros pontos de vista, como a reinvenção de modelos tidos como ultrapassados. ?Há alguns anos disseram que íamos morrer. Vieram os hipermercados, shopping centers, lojas de fast fashion, e-commerce e continuamos aqui. Verdade, muitas lojas de departamentos sucumbiram, mas nós ainda estamos em forma!?, brincou Philippe Houze, chairman da Galeries Lafayette.
O objetivo do painel era justamente este: discutir a relevância das lojas de departamentos no atual cenário varejista no mundo. Os três debatedores ? ao lado de Houze estavam representantes da Myer, maior rede da Austrália, e Intime, da China ? disseram que a concorrência tem se tornado cada vez mais hostil e que o único meio de se manter no mercado é reinventando o próprio negócio constantemente.
?Somos comerciantes, não distribuidores. Isso significa que devemos conhecer nosso consumidor, escolher o mix certeiro que irá agradar-lhe escolhendo das marcas parceiras apenas o que nos interessa, ter sempre novidades, pessoas dispostas a atender bem, sermos um ambiente vivo. Isso nos tornará uma marca de destino, e não apenas mais uma loja?, arrematou Houze, da Lafayette.Bernie Brookes, CEO da Myers, complementou: ?Não podemos seguir o modelo de shopping centers, simplesmente alugando nosso espaço para as marcas, porque nosso negócio é outro.
Teremos futuro se tivermos um posicionamento, nos permitindo agradar ao público-alvo cobrindo suas áreas de necessidade, e não tentando ser tudo para todos os tipos de consumidor?. Em relação ao e-commerce, eles concordam que significa tanto uma ameaça quanto uma oportunidade. ?Nunca iremos competir com preço, nosso foco é exclusividade, novidade, atmosfera de compra. Não somos só moda, somos muitas categorias?, disse o australiano Brookes.
“Perdemos um pouco de peso, mas estamos vivos”
?O hipermercado não morreu?, disse Georges Plassat, chairman e CEO do Carrefour, em referência à recente decisão corporativa de fechar lojas em alguns países. A empresa, que completa 50 anos em 2013, permanece, entretanto, como a maior varejista da Europa ? são mais de 11 mil lojas em 32 países.
Plassat reconhece que a internet mudou todo o mercado, mas se mantém cético em relação ao futuro. ?É um sonho acreditar que as pessoas comprarão apenas pela internet e que as empresas entregarão para todo mundo, todos os dias, qualquer tipo de pedido. Isso é, na verdade, um pesadelo se pensarmos em custos logísticos e de energia?, reforçou. ?O truque será tornar as lojas mais interessantes, efi cientes e realmente em sintonia com o que o consumidor espera delas?, disse.
“Globalização”
?Um modelo não serve a todos?, afirmou em relação à decadência do formato de hipermercado em alguns países. Nos emergentes, por exemplo, a empresa se beneficia do aumento de poder aquisitivo da população, mas enfrenta a concorrência feroz de rivais locais. A combinação da urbanização e da emergência das novas classes médias resultará em um novo mercado. ?Até 2025, o consumo nos países emergentes chegará a US$ 30 trilhões?, disse.