Que inovação traz desafios, todo mundo sabe. Mas para o assunto que majoritariamente gira em torno de tecnologia e gestão, o Grupo Padrão trouxe a provocação da proteção ao consumidor como freio da inovação no evento para resolutividade e defesa do consumidor a Era do Diálogo, que tem seu segundo dia nesta quarta-feira (28). No painel “A Proteção do Consumidor: Inibe ou Incentiva a Inovação?”, especialistas trazem perspectivas de dentro das empresas de órgãos de defesa na busca de um ponto de equilíbrio entre o jurídico e demais áreas da empresa.
Na mesa de debate online, o advogado do Quaresma Espinosa Advogados, Rafael Quaresma Viva, a diretora jurídica de relações com consumidores e ODC do Grupo Oi, Elen Marques Souto La Croix, e a head de customer services do Next, Sandra Felgueiras, estiveram com o professor de direito do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) Ricardo Morishita para investigar os limites para se fazer a política de defesa do consumidor, a calibragem para aplicar a lei sem desestimular a inovação e os desafios da área jurídica das empresas.
Teoria e prática
Sandra Felgueiras lembra que não há como dissociar defesa do consumidor e inovação, sendo o olhar na proteção do consumidor a chance de refinar o serviço. “Hoje em dia há ataques, hackers e quadrilhas que agora roubam celulares para hackear bancos. Então, não tem como avançarmos em tecnologia sem olhar a segurança e qualidade ao cliente. Tudo o que a gente faz na Next, produtos, serviços e app, passam constantemente por uma sessão de segurança e testes sobre as oportunidades que os hackers possam ter. A gente investe em processos e profissionais para avaliar a cada dia e fechar cada vez mais qualquer abertura que ainda exista para que o cliente tenha segurança. O foco é o cliente e tudo o que fazemos é pautado na segurança e necessidades dos clientes”, diz a advogada.
Para Rafael Quaresma, essa é, porém, uma desafiadora, e que talvez na prática ainda exista uma distância em relação à proteção do consumidor como mola propulsora.
“A gente, por uma questão intuitiva, responderia à provocação do painel que a inovação deve incentivar à proteção do consumidor, mas isso talvez seja no campo da teoria. Acredito que na prática estejamos ainda um pouco distante. Creio que no mundo ideal tenhamos a inovação como algo que possa alcançar ou aprimorar estes critérios de resolução de conflito, reclamações e demanda. Mas, na prática, sabemos que nem sempre funciona como deveria. É essa a linha, seja antes de 2020 ou meados de 2021”, propõe o advogado.
Para ele, uma série de princípios podem servir de mola propulsora quando limitados ao campo da retórica. “Claro que não é o caso de toda empresa, mas assim como temos maus consumidores, temos maus fornecedores que acabam pautando sua régua de valores por outros critérios que não é aquele de dar voz ativa aos consumidores. Se a inovação está associada a uma inteligência artificial com critérios que permitem essa verificação de problemas envolvendo determinado fornecedor e consumidor, ela necessita de uma inteligência humana, da participação de players do mercado, pessoas que vão calibrar esse sistema. Não adianta termos uma ferramenta que lê números e essa métrica não estiver alinhada ao que a empresa ou fornecedor espera como fornecedor de problemas. O que quero dizer com isso é que muitas vezes temos essa informação vindo de graça do consumidor para o fornecedor, mas temos com certa frequência essa informação sendo desprezada e não acolhida – o que traria uma solução imediata”, explica Quaresma.
Onde está a prática?
Ricardo Morishita insiste na provocação da insatisfação do consumidor como uma “mina de ouro” que mostra onde está o problema da experiência e impulsiona o desenvolvimento e inovação. O professor levanta a bola para exemplos de ação factível, e pergunta se há uma real cultura neste sentido.
“A maior fonte de inovação de uma empresa são seus clientes. É deles que extraímos fragilidades em algum processo ou sistema, mas também o desenho de novos serviços e soluções que eles de fato precisam. Não tem como qualquer instituição de qualquer segmento que seja achar que o feedback dos seus clientes não é importante. Não dá nem para pensar numa situação dessa”, pontua Sandra Felgueiras. A advogada dá um exemplo de prática: “Aqui no Next, temos fóruns de clientes, fóruns internos e dados para avaliações. A partir de dados de reclamações, identificando assuntos recorrentes, trazemos para os fóruns para rever toda a jornada que o cliente está passando. Convidamos clientes para ouvi-los. O lema do Next é first call resolution. Os fóruns não acontecem só na base, com as pessoas que estão construindo a jornada, mas também com o C-level do Next. A gente não está com o econômico disso nem o tempo médio que estou atendendo. A preocupação é resolver. A tecnologia vem dar suporte a tudo isso que a gente discute e descobre nesses encontros que fazemos”, ilustra a head de serviço ao cliente.
Um novo olhar jurídico
A exemplificação de Felgueiras serve de ganho para o adendo de Elen Marques sobre um novo olhar jurídico de hoje em dia, que se distingue de outras áreas, mas se integra muito mais em comparação com o passado. A participação na inovação é de maior proximidade.
“A posição do jurídico é uma posição um pouco diferente das demais áreas. O jurídico de empresas hoje é mais diferenciado, assim como as demais. Estar em um departamento jurídico de uma empresa de alta ponta é uma tarefa que não é tão árdua quanto no passado, pois não só o jurídico alterou sua forma de olhar par ao consumidor, mas como também o que vem das demais áreas. No passado, o marketing era uma afronta ao jurídico e vice-versa, mas houve desenvolvimento a partir de um novo olhar ao consumidor. É cada vez mais um trabalho multskilled, com nós, do jurídico, dando asas à imaginação das áreas da criação. Hoje é uma convivência saudável”, entende a diretora.
A advogada também explora a relação específica do jurídico com a área comercial. “Era difícil o comercial perto do jurídico. Hoje, a própria força dos órgãos de defesa do consumidor trouxe uma mudança de perspectiva, de desejo — o consumidor dá a diretriz. Hoje, já se sabe que não é só uma questão de consumidor, mas também da empresa que tem que ser vista. Mas é ele que diz para onde devemos ir. Não adianta inovar se não atende ao consumidor. Hoje temos a metodologia ágil que coloca todas as áreas juntas. As áreas já vêm com as respostas. No fundo, vira uma questão de ajuste. O olhar mudou. Antes, eu tinha que ensinar os advogados que era para olhar para o consumidor. Mas hoje, falo que podemos olhar só para o consumidor porque as áreas já sabem o que tem que fazer. Essa sinergia não tem preço. Quem ganha é o consumidor. Hoje, os órgãos também têm uma visão mais maleável, de que não é problema ter o problema, mas sim resolvê-lo logo. Todos estão numa direção mais conjunta e mais fluida”, entende Elen Marques.
Balanço geral
Para as especialistas e advogados no debate, o balanço geral é que a proteção ao consumidor não só impulsiona como norteia a inovação. “Ela que dará o melhor caminho a todos. Fico contente com a evolução que as empresas já passaram. Há um respeito das empresas com os órgãos de defesa do consumidor. Isso só se deu ao longo de muitas batalhas. É um caminho de aprendizado, porém mais fácil de se percorrer hoje em dia. Os órgãos também estão entendendo seus papeis”, resume Elen Marques.
“Reafirmo que a proteção impulsiona a renovação que estamos vivendo. Não tem como caminhar de forma separada sem olhar o cliente a necessidade. São frentes que andam conjuntamente. A resposta é sim. Estamos ainda passando pela transformação digital e ainda tem muito o que consumidores e empresas aprenderem” disse Sandra, lembrando o desconhecimento dos consumidores que compraram online pela primeira vez na pandemia. “Vão existir dúvidas, erros e acertos, por mais que zelemos pela qualidade, experiência, segurança e resolutividade”.
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